Falta "arrojo" ao Orçamento do Estado para 2020, afirma Luís Marques. O fiscalista da EY considera que não há medidas para fomentar o tecido empresarial e apoiar as famílias.
Aprovado na generalidade, o Orçamento do Estado para 2020 está em fase de discussão na especialidade. Em entrevista ao ECO, Luís Marques, fiscalista da EY, antecipa que, nesse âmbito, poderão ser feitas mudanças na deduções à coleta e sublinha que os salários da Função Pública serão uma das matérias mais quentes.
Neste Orçamento que, diz, “não vai aliviar” a classe média, o especialista em consultoria fiscal critica a atualização modesta dos escalões de IRS (0,3%) e frisa que à proposta do Governo falta, em geral, “arrojo”. Exemplo disso é também a falta de medidas para fomentar a competitividade das empresas.
Do ponto de vista substantivo, não há medidas que possamos dizer que são fraturantes ou que vão alterar de forma significativa — muito longe disso — o nosso sistema fiscal.
O Governo diz que este Orçamento do Estado é de continuidade. Concorda ou julga que está em causa uma nova reforma fiscal?
Considero que é um Orçamento de continuidade do ponto de vista fiscal. Já no ano anterior, tínhamos assistido a um Orçamento que não tinha feito reformas estruturais no sistema fiscal português. Este ano, o que também estamos a ver é um conjunto de medidas simbólicas, que têm mais simbolismo que efeito prático, do ponto de vista da receita, mas que causam algum impacto junto da opinião pública. Do ponto de vista substantivo, não há medidas que possamos dizer que são fraturantes ou que vão alterar de forma significativa — muito longe disso — o nosso sistema fiscal.
Que medida deste Orçamento mais despertou surpresa?
Eu diria que a medida que mais me surpreende — até porque vem na conjugação de uma medida que já tinha sido feita no Orçamento do Estado para 2019 — tem a ver com a atualização dos escalões do IRS. O ano passado não tinha havido sequer atualização e este ano acaba por haver uma atualização de apenas 0,3%, quando se perspetiva uma taxa de inflação bastante superior para o próximo ano. O que significa que, em dois anos consecutivos, pode haver aqui um agravamento da carga fiscal para as famílias em função desta não atualização [dos escalões de IRS] ocorrida em 2019 e uma atualização muito marginal que se perspetiva para 2020, quando comparada com a taxa de inflação. Isso, de facto, em si mesmo é uma surpresa, porque se calhar no ano passado poder-se-ia entender, mas [esperava-se] que este ano se iria fazer uma atualização, pelo menos, tendo por base a taxa de inflação.
E há alguma medida cuja ausência neste Orçamento o surpreende?
Há algumas medidas que já não surpreende não aparecerem, mas começa a ser difícil justificar a sua manutenção. Estou a falar de medidas que foram introduzidas no normativo tributário português aquando do plano de assistência financeira a que Portugal esteve sujeito durante o período da Troika. Eram medidas de natureza excecional, que se justificavam naquele contexto, mas que continuam a subsistir. Estou a falar em concreto da taxa adicional de solidariedade, que está contemplada no Código do IRS para rendimentos que estão na franja superior a 80 mil euros. Estou a falar também, ao nível das empresas, da derrama estadual. Estas duas medidas foram introduzidas no panorama fiscal português num contexto de excecionalidade e num contexto especial, que já não se verifica. Aliás, este será o primeiro Orçamento do período da democracia em Portugal em que vamos ter um excedente e, naturalmente, começa a ser difícil justificar medidas excecionais que se transformam em medidas permanentes e talvez comece a ter algum grau de surpresa.
Já disse que este Orçamento fica marcado pelo excesso de prudência e até falta de ambição. Em que área se perdeu uma boa oportunidade para ir mais além?
Eu penso que [se perdeu uma boa oportunidade] na parte das empresas. Havia um projeto de reforma do IRC, que assentava numa redução da taxa nominal do IRC. Acho que podia haver alguma folga para o Governo fazer ou, pelo menos, sinalizar que iria dar continuidade a essa trajetória. E algumas medidas que visassem fomentar as empresas de cariz exportador. Tendo em conta que o mercado português é reduzido, em termos da sua dimensão, as empresas portuguesas para sobreviverem têm, muitas vezes, de se virarem para os mercados externos. Portanto, incentivar, através de créditos fiscais, empresas que tenham uma componente de exportação bastante significativa seriam medidas que o tecido empresarial veria de bom grado. Há alguns sinais que o Orçamento contempla para as PME. Apesar da maior parte do tecido empresarial português ser constituído por PME, em termos de número, a expressão que essas PME têm no contexto da economia é marginal, quando comparado com as grandes empresas.
E acha que esses sinais para as PME foram suficientes? Por exemplo, o Governo decidiu alargar o limite de matéria coletável que permite às PME beneficiarem da taxa reduzida de IRC de 17%. Acha que esta também é uma medida apenas simbólica?
Estamos a falar 400 euros por empresa. É o máximo de benefício que daí pode vir. É um sinal e sendo positivo, é sempre bom, por pouco que seja. Se é suficiente ou não? Poderá não ser suficiente, mas para aquelas micro e pequenas empresas é um sinal bastante positivo. Estou a falar de empresas com meia dúzia de trabalhadores, aquelas empresas de cariz muito familiar em que o marido e a mulher trabalham e têm mais dois ou três empregados. [Para estas empresas] pagar menos 400 euros de IRC é algo que pode ser interessante, mas não é isso que faz a diferença, no contexto da economia portuguesa. As grandes empresas, essas sim, fazem a diferença. Agora, é um sinal positivo. Pode não ser suficiente. Poderia ter sido interessante incentivar mais o emprego. Havia um conjunto de benefícios que premiavam a criação de emprego que foram excluídos do panorama fiscal português, já em 2018. Portanto, há aqui um conjunto de medidas que o Governo poderia ter sido mais arrojado. Até num contexto de excedente orçamental. Mas o Governo já disse que parte desse excedente vai ser aplicado ao Serviço Nacional de Saúde, portanto são opções políticas. O Orçamento, em si mesmo, é um instrumento político, não apenas económico. E o Governo é um Governo virado ao centro esquerda e, portanto, também tem de dar resposta àquilo que são as necessidades e os desejos do seu eleitorado.
Acho que as duas medidas [o englobamento e os novos escalões do IRS] vão ser feitas em simultâneo. Por um lado, introduzir maior progressividade para aliviar carga fiscal e ao mesmo tempo criar a necessidade de englobar rendimentos.
O Orçamento traz o reforço das deduções para as famílias com mais filhos. Como é que avalia a eficácia desta medida?
Muito marginal. Estamos a falar de uma dedução que se aplica ao segundo filho, desde que quer o primeiro, quer o segundo filho tenham, pelo menos, dois anos de idade. Tal significa um eco de aplicabilidade muito reduzido.
Mas o secretário de Estado já disse que não interessa a idade do primeiro filho. Acha que o Governo deve emitir uma explicação formal?
Acho que precisa, então, de alterar a norma como ela está escrita. A norma como está escrita é relativamente clara. A norma o que diz é que a dedução é para o segundo dependente, quando ambos têm menos de três anos. Isto é português, é semântica. Admito que não tenha ficado perfeita a redação e que se calhar a intenção do Governo seria outra. Da forma como a norma está o alcance está muito reduzido. Se se vier alterar para um segundo dependente num sentido mais lato, o alcance já pode ser maior.
Sobre os escalões do IRS, o Governo decidiu adiar para meio da legislatura o alargamento dos escalões. Como é que entende esse adiamento de uma medida que está no programa do Governo?
O programa do Governo é para uma legislatura e uma legislatura tem quatro anos. Não é justo dizer que, se não fizer no primeiro ano, já não vai fazer. Não o fez no primeiro ano, tem espaço para o fazer. O Governo entendeu que, neste contexto e no contexto de crescimento económico, não se revelaria oportuno [fazer esse alargamento]; Entendeu que havia outras medidas mais importantes no contexto de curto prazo do que promover já a inserção de mais escalões para introduzir maior progressividade no IRS. Também deixou para trás a questão do englobamento dos rendimentos, nomeadamente dos rendimentos prediais, que deu muita discussão, na fase que precedeu à apresentação da proposta. Acho que as duas medidas [o englobamento e os novos escalões do IRS] vão ser feitas em simultâneo. Por um lado, introduzir maior progressividade para aliviar carga fiscal e, ao mesmo tempo, criar a necessidade de englobar rendimentos, que hoje em dia são sujeitos a tributações autónomas. Provavelmente, é na conjugação dessas duas medidas que o Governo está a avaliar a melhor maneira de o fazer.
O Governo diz que o fará a meio da legislatura. Receia que o Governo poderá estar a guardar essa medida para o ano das eleições autárquicas?
Pode ser. Já no ano passado, discutia-se se o Orçamento era eleitoralista, porque é sempre uma apreciação que se pode fazer no último Orçamento que se apresenta na legislatura. O Governo naturalmente gere também expectativas de eleitores; Se tiver folgas orçamentais ou se tiver capacidade, no último ano da legislatura, vai abrir um bocadinho mais os cordões à bolsa. É provável que o possa fazer e se o fizer não está a contrariar o programa do Governo, porque o programa não dizia em que ano em concreto é que aquelas medidas se iriam implementar. É uma questão de gestão política, de gestão de expectativas e de avaliar, em cada ano, a capacidade financeira.
Sem novos escalões, com uma atualização dos escalões atual de apenas 0,3%, podemos mesmo considerar que este é um OE para a classe média?
Eu diria que não é um Orçamento para a classe média. É um Orçamento de continuidade, que essencialmente vai tentar não aumentar muito a carga fiscal. Ainda assim, vai aumentá-la marginalmente por via desta pequena atualização dos escalões. Pode incentivar algumas famílias — se viermos a clarificar melhor esta questão do segundo dependente — e pode ainda dar algum alívio fiscal para os jovens, com aquela medida de apenas contar uma determinada percentagem dos rendimentos para o IRS. Essas medidas todas conjugadas são simbólicas e, portanto, não é um Orçamento que vá aliviar a classe média, porque faltou a atualização dos escalões, faltou aumentar um bocadinho mais as deduções à coleta. É um Orçamento do qual a única coisa boa que a classe média pode tirar é que não vai fazer a sua situação, do ponto de vista da tributação direta, muito agravada. O agravamento a existir será marginal.
Ainda no capítulo do IRS, os jovens saem beneficiados neste OE. Acha que é uma boa medida?
É uma medida interessante para a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Há quem critique os valores. Estamos a falar de um limite de rendimento coletável de 25 mil euros, cerca de dois mil euros por mês, numa base de 12 meses. Isto apanha uma boa franja dos jovens, porque é difícil, mesmo para um jovem recém-licenciado, ter um rendimento coletável anual superior a esta franja de 25 mil euros. Portanto, parece-me uma medida interessante, que de facto pode incentivar a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Se é suficiente para reter talento em Portugal? Já tenho aí mais algumas dúvidas, porque aquilo que o mercado fora de Portugal oferece a jovens com talento, nomeadamente nas áreas das engenharias e das tecnologias… continua a ser difícil reter estes jovens, porque pagar IRS apenas sobre 70% do seu rendimento, num cenário em que a tributação é muito alta e ter a perspetiva que, ao fim de dois anos, já estou a pagar sobre 90% e ao fim de quatro anos já estou a pagar sobre 100%, os jovens podem pensar que, se calhar, mais vale emigrar ou procurar outras alternativas. Penso que a inserção de jovens no mercado de trabalho tem de ser acompanhada não só de medidas fiscais, como outras nomeadamente aquilo que os jovens mais se queixam que é a capacidade de acederem facilmente à habitação. Isto tem de ser combinado com várias questões e não apenas a questão fiscal para reter os jovens.
Nesse capítulo da habitação, há alguma medida no Orçamento do Estado que destaque?
Não. O Orçamento, aliás, penaliza o imobiliário, se quisermos agora fazer a ponte para o imobiliário. Penaliza o alojamento local e penaliza a compra de habitação, nomeadamente a habitação considerada de valor muito elevada por via do IMT. No alojamento local, há uma medida interessante que é a não penalização do detentor do imóvel quando acaba o alojamento local e o imóvel retorna à sua esfera pessoal, a tal mais-valia implícita. A questão de agravar a tributação do alojamento local, parece-me que é mais uma medida que vai no sentido de qualquer atividade que gere riqueza ser atacada. Acho que esta é uma política, para mostrar aos parceiros à esquerda que se a fomentar uma maior equidade e uma maior tributação dos chamados rendimentos passivos, que derivam da chamada especulação ou da gestão de património imobiliário.
Portanto, acha que este OE é um risco ao negócio imobiliário, que até tem trazido dinamismo à economia portuguesa, nos últimos anos?
Acho que não tem o risco de pôr os agentes a repensar as suas estratégias, porque Portugal tem um conjunto de outros atributos atrativos para cidadãos estrangeiros. Agora os sinais que se estão a dar não são positivos. Ao nível do alojamento local, a aquisição de serviços de alojamento local vai ficar mais cara, porque naturalmente se os detentores dos imóveis vão pagar mais imposto, esse imposto vai ter de ser refletido no valor das diárias e no valor das rendas cobradas pelo alojamento local. O mesmo aconteceria se se evoluísse para a questão do englobamento dos rendimentos prediais. Se o proprietário pagar mais imposto, naturalmente que as rendas vão ser aumentadas. Se o mercado de arrendamento já está difícil de se aceder, mais difícil tornar-se-ia. Penso que se fossemos para a questão do englobamento dos rendimentos prediais, aí o ataque ao setor imobiliário seria mais visível e teria maior impacto. E a aquisição de habitação de valores elevados, em si mesma, pode ter algum efeito, mas será marginal no setor imobiliário. Acho que o setor vai continuar com algum dinamismo e com capacidade de expandir.
O que não acabou por não aparecer neste OE foi a obrigatoriedade do englobamento de rendimentos prediais e capitais. Como é que vê esse recuo do Governo?
É uma medida que está inscrita no programa do Governo; é uma medida que, por exemplo, o Bloco de Esquerda continua a defender com unhas e dentes. E Governo terá estado a ponderar essa medida, mas depois de ver, se calhar, o impacto que esta medida podia ter em todos os seus contornos, acho que o Executivo decidiu recuar para fazer uma análise mais ponderada. Esta questão do englobamento não é só aritmética. Os proprietários vão ter de aumentar as rendas e provavelmente, se calhar, os inquilinos não vão aceder aos contratos de arrendamento como acedem hoje, sendo que hoje já é difícil. Significaria que, se calhar, haveria menos rendimento coletável e eu diria menos receita fiscal. Esta conjugação de fatores que levou o Governo a reponderar tudo isto, porque esta questão sobre o imobiliário tem de ser vista numa perspetiva mais alargada. O Governo, se calhar, vai querer criar regimes que premeiem senhorios que fomentem arrendamento de longo prazo, com taxas de tributação mais atrativas. Por isso, acho que o Governo vai querer fazer uma análise mais ponderada para depois se decidir pelo englobamento, que acho que vai acabar por se decidir.
É por causa do impacto desse englobamento no valor das próprias rendas que me estava a dizer que essa medida acabará por ser acompanhada simultaneamente pelo desdobramento dos escalões de IRS, para reforçar o rendimento disponível…
Provavelmente, o Governo vai querer tomar medidas numa perspetiva de minimizar o impacto na receita. Ao introduzir mais escalões, mais progressividade, diminui a receita. Essa perda de receita tem de ser compensada, se calhar, por uma tributação mais gravosa em determinado tipo de rendimento. E provavelmente é essa conjugação de alternativas que o Governo quer tomar.
Num momento em que se antecipa o abrandamento da economia, tem reconhecido disponibilidade do Governo para acolher alterações fiscais em prol das empresas? O OE é um espelho desta abertura?
Acho que ainda há um caminho a fazer. A boa notícia para as empresas é que não há mudanças para pior. Algumas PME vão ter algum alívio. As empresas que não sejam PME a única coisa boa que podem ter é que o Governo não faz grandes mexidas e portanto há estabilidade por essa via. As empresas podem contar que vão ter uma carga fiscal muito semelhante àquela que tiveram em 2018 e 2019. Isso permite-lhes ter algum grau de antecipação e previsibilidade, essa é a boa notícia. Se o crédito fiscal — que está inscrito como autorização legislativa — se concretizar, poderá ser uma boa medida. Acho que as empresas não podem, nem devem esperar grandes alterações por via deste orçamento.
No que diz respeito aos benefícios fiscais, que mudanças traz o OE nesse quadro? Traz alguma alteração significativa?
Não. Mantém-se o SIFIDE, que é um dos grandes benefícios fiscais, para os próximos anos, o que é importante porque continua a ser um benefício a que muitas empresas portuguesas aderem com sucesso. E ainda bem, é um sinal de vitalidade da nossa economia, já que é um incentivo que visa premiar as empresas na área da investigação, da inovação e do desenvolvimento. Houve umas clarificações ao nível das operações que são elegíveis para efeitos de não aplicação de impostos sobre o património e imposto de selo, em operações de reestruturação societária. Nada de muito relevante. Portanto, diria que a grande questão dos benefícios fiscais é a autorização legislativa que visa premiar empresas com uma componente exportadora. Isso talvez seja interessante, mas está sob a forma de autorização legislativa.
Como o Governo não tem muita folga orçamental, [a alteração no IVA da eletricidade] tem de ser de tal forma que só apenas pessoas que vão a casa à noite dormir é que quase vão ter a aplicação dessa taxa reduzida.
Sobre o IVA da eletricidade, antecipa que a Comissão Europeia diga “sim” a essa proposta do Governo?
Penso que, se formos para os princípios técnicos subjacentes ao IVA, a resposta mais simples seria “não”. Agora, como hoje em dia se discutem outras questões que vão para além da simples questão da forma de funcionamento do imposto, por exemplo as questões ambientais… talvez isso possa ter aqui um papel fundamental numa eventual aceitação do comité de IVA.
E essa aceitação seria em que moldes? É possível já prever em que moldes essa alteração do IVA seria posta em prática?
O que está em causa é definir qual o limiar de consumo que se define como razoável para aplicar uma taxa reduzida. Sinceramente, não sou engenheiro, não sei o que é que é um consumo razoável. Mas diria que, como o Governo não tem muita folga orçamental, isto tem de ser de tal forma que só apenas pessoas que vão a casa à noite dormir é que quase vão ter a aplicação dessa taxa reduzida.
Caso a Comissão Europeia diga “não”, qual é que poderia ser o plano B do Governo?
O plano B vai ser o Governo depois escudar-se nisso e dizer “nós até queríamos, mas a Comissão Europeia não deixou”. Pelo menos, não foi anunciado nenhum plano B. Provavelmente, o que pode haver é alguma medida para tentar compensar, no Orçamento para 2021, porque não me parece que o Governo vá fazer qualquer Orçamento retificativo para ter um plano B para outra medida. Acho que o Governo tem sempre a justificação política para dizer, no final do dia, que Bruxelas é que não quis, nós até queríamos.
O Bloco de Esquerda diz que o Governo entregou o OE como se tivesse maioria absoluta. Tem o mesmo entendimento?
O Governo entregou o Orçamento com uma forte expectativa — sendo um Orçamento de continuidade — de que seria aprovado. Essa convicção o Governo têm-na, porque entende que nenhum partido tem interesse em criar uma crise política.
Consegue antecipar que medidas vão sofrer mais alterações na discussão na especialidade?
Pode haver aqui uma ou outra dedução à coleta. Por exemplo, a clarificação da dedução para segundo dependente. Acho que no IRC não vai mexer muito. Talvez premiar um bocadinho mais as PME.
Um agravamento é que não se antecipa?
Um agravamento não. O que vamos discutir é se há mais alívios ou mais aumentos. Por exemplo, o Governo continua a dizer que a Função Pública vai aumentar 3,2%, o que resulta dos 2,9% das progressões e promoções e os 0,3% do aumento generalizado para toda a Função Pública. Mas ninguém olha as coisas nesse prisma. Olham para o 0,3% e é isso que querem ver aumentado.
Em que áreas há ainda excesso de impostos?
Acho que a tributação que as empresas pagam, no seu cômputo global, é excessiva — combinando a taxa de IRC, com as derramas municipais e estaduais. A tributação indireta também mostra alguma excessividade. E este Orçamento traz mais uma, que é a contribuição a ser paga pelas empresas que fornecem ao Sistema Nacional de Saúde equipamentos médicos. Temos as taxas de IVA mais elevadas da Europa. Temos uma tributação sobre produtos petrolíferos extremamente onerosa. E a tributação ao nível da pessoas singulares continua a ser bastante elevada. No período antes da Troika, a taxa máxima de IRS era 45%, não havia sobretaxas — que também já não existem, mas existiram durante alguns anos — e não havia a taxa adicional de solidariedade. Esses 45% só se aplicavam a rendimentos coletáveis acima de 150 mil euros. Agora isso está quase a metade [80. 640 euros anuais] e é 48%. Quando comparamos com outros países, há de facto uma tributação extremamente onerosa. Não vou falar dos nórdicos, porque têm tributações elevadas, mas depois a população tem acesso a uma Saúde grátis, uma Educação gratuita, a um plano de pensões extremamente simpático e naturalmente as pessoas percebem para que é que estão a pagar os seus impostos. Em Portugal, o que as pessoas percebem é que o retorno não é tão visível. E claro que não é, porque uma boa parte é para pagar juros da dívida pública, que felizmente têm andado muito em baixo.
Quanto ao imposto sobre o tabaco. Acha que estamos a chegar ao limite da tributação?
Sim, andamos perto disso, mas já andamos perto disso há algum tempo. Como diria a drª Manuela Ferreira Leite, é preciso ter cuidado até ao limite onde se chega, porque a partir de um certo ponto começamos a induzir comportamentos nos agentes económicos de, por exemplo, contrabando e contrafações, que também não é desejável.
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“Este Orçamento não vai aliviar a classe média”, diz Luís Marques da EY
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