“O pior que pode acontecer é uma crise política induzir uma crise social”

Para o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, pior do que instabilidade política é o risco de "não termos uma sociedade capaz de ultrapassar crises como essa".

Quem vai governar após a ida às urnas a 10 de março? Vários países europeus têm sentido dificuldades em formar governo, ficando vários meses na indefinição. Mas pior do que isso é o risco de Portugal “não ter uma sociedade resiliente capaz de ultrapassar” crises como essas. Quem o diz é o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em entrevista ao ECO.

Gonçalo Saraiva Matias deixa também claro que, mesmo num cenário de instabilidade política, não há razão para o mercado de trabalho sofrer, depois de ter conseguido um desempenho em 2023 até melhor do que as expectativas.

Esta é uma de três partes da entrevista de Gonçalo Saraiva Matias ao ECO. Nas outras duas, o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos reflete sobre a imigração e o envelhecimento do país, bem como sobre a saída de jovens qualificados do país.

O maior risco não é o da instabilidade. O maior risco é não termos uma sociedade como um todo que é resiliente e capaz de ultrapassar essas crises.

Gonçalo Saraiva Matias

Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Olhemos para março. A Bélgica ficou um ano sem Governo. Há risco de Portugal viver uma situação semelhante?

Neste momento, ninguém sabe. O maior risco não é o da instabilidade. O maior risco é não termos uma sociedade como um todo é resiliente e capaz de ultrapassar essas crises. Temos assistido a dificuldades de formação de governos em vários países, como a Bélgica, a Alemanha e Espanha. Aquilo que me parece indispensável é que a sociedade civil seja resiliente, isto é, que as empresas funcionem, que as instituições funcionem, e que a sociedade civil possa estar informada. O pior que pode acontecer é uma crise política induzir uma crise social. Isso é que me parece que é de evitar. A sociedade civil tem de ser forte.

Como podemos promover essa resiliência?

Promovendo a informação e o conhecimento da realidade e dos direitos das pessoas e das instituições. É fundamental. Ou seja, as pessoas não acharem que dependem de alguém ou de alguma entidade para lhes dizer o que têm de fazer ou para onde têm de ir. Se tivermos uma sociedade informada, capaz, qualificada, resiliente, essa sociedade continuará o seu caminho, independentemente das vicissitudes políticas.

Olhando especificamente para o mercado de trabalho – que tem tido um desempenho até melhor do que o esperado –, a continuação de uma crise política poderia, na sua visão, colocar em causa esses bons resultados, nomeadamente com o arrefecimento das contratações?

Espero que não. Se a força do mercado de trabalho são as empresas, e elas continuarem a produzir, a funcionar, a exportar e a vender para os seus mercados, não vejo razão para haver uma crise no mercado de trabalho.

Gonçalo Saraiva Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em entrevista ao ECO - 09FEV24
Gonçalo Saraiva Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Além de presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, é professor de Direto. No que diz respeito ao mercado de trabalho, olhando para a lei, os empresários têm pedido estabilidade, depois de anos em que se mexeram várias vezes no Código do Trabalho. A AD já disse que quer voltar a mexer na lei, para a simplificar. Seria um bom passo ou é gerar mais entropia?

Por um lado, gosto muito da ideia de estabilidade legislativa, sobretudo no domínio fiscal. A previsibilidade é muito importante. Os investidores também têm identificado a estabilidade fiscal como um elemento importante. Por outro lado, é inegável que, quando os investidores olham para Portugal, falam recorrentemente da rigidez do mercado de trabalho. Tem de haver equilíbrio entre estabilidade e competitividade da economia portuguesa.

Por exemplo, a lei do teletrabalho foi publicada em 2022 e alterada logo em 2023. É compreensível, face à novidade do tema, ou o legislador – neste caso, o Parlamento –, vem falhando no seu trabalho?

O teletrabalho é uma realidade relativamente recente. Acho que não era exigível que o legislador acertasse à primeira. É um ajustamento enorme do ponto de vista global, de mentalidades e de processos. O pior, neste caso, são mudanças que sejam feitas de forma casuística ou não informada.

Sente que as decisões têm sido tomadas de forma informada e baseadas em factos?

A fundação tem tido o seu contributo para fazer essas recomendações e levar esse conhecimento. Espero que sejamos ouvidos.

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