Horas ao computador, calls intermináveis e refeições fora de horário? Sim, é bem possível que esteja a trabalhar mais tempo desde que está em casa.
Gonçalo Hall já não vive sem ela. “Programo-a para fazer pausas durante o dia. Trabalho uma hora, tenho cinco ou dez minutos de descanso. Carrego no play para acionar o tempo de foco e de descanso, nas pausas faço um chá, um café, algo ativo fisicamente. E fico, durante o tempo de trabalho, focado no que estou a fazer”.
“Ela” é uma aplicação chamada “be focused” e é um dos segredos que Gonçalo coloca no topo da lista quando se trata de trabalhar de casa. Fundador do movimento Remote Work, o consultor da área de trabalho remoto é especialista em aconselhar técnicas de aumento de produtividade, sobretudo quando se trata de trabalhar remotamente. E, todos os dias, é questionado por clientes que acompanha sobre como equilibrar o tempo de trabalho com o tempo de descanso. Sobretudo nesta época de covid-19.
“Se as pessoas não tiverem mais nada para fazer acabam por trabalhar horas sem pausas”, assinala o especialista. “Pessoalmente, sou muito mais produtivo em casa porque sou extrovertido e, por isso, sempre que procurava trabalho mais criativo, preferia trabalhar em cafés do que num escritório”, conta, sobre a sua experiência de trabalho remoto “que não significa o mesmo que trabalhar de casa”.
Perguntas semelhantes repetem-se, todos os dias, aos ouvidos de Sónia Nunes. Na consultora Mercer, a diretora de recursos humanos diz que a transição para uma realidade em que “quase todos” os trabalhadores estão a laborar a partir de casa foi vista com “grande vantagem”, mas com um enorme desafio: o de equilibrar as agendas profissional e pessoal.
“Já muita gente trabalhava remotamente, alguns numa base regular e é, de resto, uma das bandeiras: a flexibilidade”, esclarece a diretora de recursos humanos. Ainda que a opção de trabalhar de forma mais flexível fosse usada numa “lógica de compensar os trabalhadores face aos picos de trabalho numa consultora”, agora a dimensão é outra. “Nunca tínhamos estado todos a trabalhar de casa”, adianta Sónia Nunes.
Tenho muita gente com dificuldade em concentrar-se e em definir as balizas porque tem solicitações à sua volta. No caso das pessoas que vivem sozinhas, saímos da cama, tomamos banho, e sentamo-nos ao computador sem distrações.
Por isso, a consultora apostou na comunicação de uma série de orientações que permitam aos trabalhadores equilibrar o tempo que dedicam ao trabalho com o que devem dedicar à agenda pessoal. “Muitas das pessoas falam disso e nós também provocamos: é muito importante termos momentos de catarse”, assinala.
Por isso, desde o início do processo, a Mercer dividiu o “tempo de trabalho” em quatro momentos essenciais. “Criar momentos mais corporativos, em que o top management comunica para sabermos como estamos; momentos mais operacionais porque é impossível as pessoas estarem a trabalhar oito horas quando têm, por exemplo, filhos em casa e, por isso, é fundamental definir prioridades para as cinco ou seis horas que trabalham diariamente; momentos pedagógicos, porque nem toda a gente estava habituada a trabalhar assim e temos de ajudar as pessoas em workshops ou coaching para definirem agenda; e, finalmente, momentos sociais, em que as equipas estão a criar momentos para tomar café, só para conversarem”, enumera. Às sextas, explica Sónia, o próprio CEO toma um café com a equipa, ao final do dia.
Casa, o “escritório” mais produtivo?
“Para quem não costuma trabalhar em casa, há uma ideia errada de que quem está em casa não trabalha. Mas sendo obrigados a fazê-lo, tivemos de encontrar uma disciplina. Às tantas funcionamos tão bem na disciplina que não damos conta de que acabamos por trabalhar demasiado”. Débora Miranda, especialista em comunicação da área da saúde explica, em poucas palavras, aquilo que muitos sentem. Trabalhar de casa, sem poder sair, é meio caminho andado para trabalhar demasiado. “Não nos distraímos com colegas de escritório, não perdemos tempo em transportes e, por isso, tendencialmente, começamos a trabalhar mais cedo. Mal acordamos, podemos sentar-nos ao computador”, descreve.
Às tantas funcionamos tão bem na disciplina que não damos conta de que acabamos por trabalhar demasiado.
Por isso, a meio da manhã, Débora já sente que teve duas a três horas de grande produtividade. “Sinto que trabalhei mais horas às 11h do que se não estivesse em casa”, assinala. Também para esta freelancer de comunicação, há uma aplicação que ajuda a disciplinar o tempo mas, desta feita, o tempo que dedica a cada cliente. Chama-se “toggl” e é um software que contabiliza minutos gastos com determinada atividade. “Como trabalho com vários clientes, quero ter noção de quanto tempo demoro com cada um: ponho aquilo a cronometrar, quando paro para ir à casa de banho, às redes sociais ou para fazer uma pausa, paro a app e, chego à conclusão que, no fim do dia, trabalhei muito mais tempo do que pensava”, explica.
A diretora de recursos humanos da Mercer aponta o mesmo desafio. “Estabeleci rituais: tomo o pequeno-almoço tranquila, pausa a meio do dia para almoçar e para conectar com o mundo — fazer telefonemas para a família, por exemplo — e, exercício ao final do dia. Se vou às compras, escolho o percurso mais alargado porque senão é só trabalho”, exemplifica.
Por estar sozinha em casa, Sónia Nunes refere que as dores são diferentes das dos trabalhadores que têm filhos, por exemplo. “Tenho muita gente com dificuldade em concentrar-se e em definir as balizas porque tem solicitações à sua volta. No caso das pessoas que vivem sozinhas, saímos da cama, tomamos banho, e sentamo-nos ao computador sem distrações. Esquecemo-nos de comer e de fazer pausas, e sentimo-nos, no fim do dia, muito cansados. Ou nos disciplinamos — é que preciso um relógio — ou sofremos de um ultra-foco”, explica.
Foi talvez devido a esse “ultra-foco” que o corpo de Sónia deu sinal. “Tive taquicardias, sentia o meu coração a bater de forma muito apressada e não percebi porque estava bem, mas o corpo começou a dar alguns sinais. O corpo é mais atento, mais inteligente, percebe que estamos a ultrapassar os limites mais depressa pela cabeça”, sublinha.
“Pomodoro”, agendas e “copos” ao final do dia
Gonçalo Hall aconselha ainda a adotar uma técnica semelhante à “pomodoro”, que defende uma pausa de cinco minutos por cada 25 de trabalho “Aconselho a trabalhar por sprints, a fazer pausas durante o dia: a cada hora, ou hora e meia, descansar cinco ou dez minutos Levantar, tratar de fazer algo físico, como caminhar um pouco, fazer e tomar um café ou um chá”, exemplifica.
“Marcar uma chamada com os amigos, às 18h da tarde, para nos obrigar a parar é uma boa solução. Quando trabalhávamos de casa na era pré-Covid era mais fácil: marcávamos hora de ginásio, um copo. Agora, devemos marcar uma atividade no calendário que nos obrigue a parar”, sublinha.
Entre as estratégias para manter o foco e conseguir trabalhar a partir de casa está a construção de uma nova rotina que passa pelo respeito de um horário, a definição de um espaço de trabalho dentro de casa que tenha luz natural e condições para focar-se e também a existência de uma agenda que permita manter o contacto com os colegas, chefias, fornecedores e clientes.
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Já reparou que, em teletrabalho, trabalha muito mais?
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