Costa foi o grande vencedor das legislativas e recebe um menu político à lá carte para governar nos próximos quatro anos. À direita, perdem Rio e Cristas. Dos “pequenos”, apenas Santana ficou à porta.
Com 226 dos 230 lugares da Assembleia da República já distribuídos, a notícia da noite de ontem é que António Costa ganhou as eleições. Sem maioria, é verdade, mas foi o grande vencedor das legislativas e já está a ensaiar uma geringonça 2.0. À direita, Rio diz que os resultados não foram um “desastre”, mas foram maus. No CDS, Cristas bate com a porta de um “táxi” que vai levar apenas cinco deputados centristas para o Parlamento.
Dos partidos que apareciam nas sondagens, o Aliança de Pedro Santana Lopes é o único que fica à porta do Parlamento — provavelmente “a andar por aí” — numas eleições em que a Iniciativa Liberal, o Livre e o Chega fazem a estreia na Assembleia, cada um com um deputado. O PAN, tal como se previa, quadruplica o resultado. Vamos aos vencedores e aos vencidos.
Os vencedores
António Costa ganha e recebe um menu político à la carte
É o vencedor das eleições. Há uma grande diferença entre governar ganhando eleições e governar perdendo-as. Há quatro anos, o PS perdeu as eleições com 32,31% (86 deputados), mas conseguiu governar graças ao apoio da geringonça (PCP + BE). Agora, até pode descartar um dos parceiros da geringonça ou, eventualmente, os dois e tentar uma governação à vista, com acordos pontuais à esquerda e à direita. Viu-se o que aconteceu nesta legislatura com diplomas estruturantes como a Lei Laboral (viabilizada à direita) e com as leis de base da Saúde e da Habitação (aprovadas à esquerda).
Ainda ontem Catarina Martins estendeu a passadeira a António Costa, oferendo uma espécie de menu político à la carte: ou um acordo global ou uma negociação ano a ano. PCP idem, aspas: não quer acordos escritos, mas não enjeita entendimentos.
Para Costa ficou o sabor amargo de não ter conseguido uma maioria absoluta, feito até hoje apenas alcançado por José Sócrates do lado socialista. Nunca a pediu de forma explícita durante a campanha, tendo apenas usado sinónimos políticos como “o melhor resultado possível” ou uma “maioria de valor reforçado”. Mas foi o próprio a calibrar as expectativas ao dizer, para desalento do próprio Sócrates, que os “portugueses têm más memórias das maiorias absolutas, tanto do PS como do PSD”.
Catarina Martins: Geringonça 2.0 ou orçamento a orçamento
Evitar a maioria absoluta do PS foi um dos objetivos que o Bloco de Esquerda traçou como prioritário. E conseguiu. As frases eram diferentes mas a mensagem era a mesma: “Acho que uma maioria absoluta do PS é má”; “a maioria absoluta seria uma estagnação”; “uma maioria absoluta do PS é contra direitos dos trabalhadores”; “quem pede maioria absoluta é uma elite irresponsável”; “o país tem má memória das maiorias absolutas” e, finalmente, “uma maioria absoluta do PS seria muito perigosa”.
Além de travar a maioria absoluta, no ombro a ombro com PCP e com o CDS, o Bloco de Esquerda impõe-se claramente como a terceira força política do sistema partidário. Há dez anos conseguiu os seus primeiros dois deputados pelo círculo de Lisboa e desde então não tem parado de crescer, salvo o tropeção nas eleições de 2011, em que caiu de 16 para oito deputados. Como terceira força política (com 19 deputados), Catarina Martins quer colocar o Bloco no centro da governação, mesmo não estando no Governo. Ofereceu ontem duas opções a Costa: uma espécie de geringonça 2.0 ou “realizar negociações, ano a ano, para cada orçamento”.
André Silva trouxe duas novidades ao sistema político
Há quatro anos o PAN foi a quinta força política mais votada, elegendo um deputado por Lisboa (André Silva). Foi o primeiro novo partido na Assembleia da República desde que o então recém-formado Bloco de Esquerda elegeu dois deputados nas eleições de 1999. Em 2019 o PAN elegeu o seu primeiro deputado para o Parlamento Europeu e agora nas legislativas é o partido que mais cresce, conseguindo eleger quatro deputados.
Trouxe duas novidades ao sistema político: a primeira foi conseguir colocar no centro do debate as questões ambientais e, aqui e ali, foi conseguindo ganhos para a causa da proteção e do bem-estar dos animais. A segunda é que ignorou as fronteiras ideológicas de direita e esquerda e teve uma visão bastante mais pragmática da política.
“Quando a direita diz que o PAN é um partido de esquerda e quando a esquerda refere que o PAN é um partido de direita alguma coisa estamos a fazer bem”, chegou a afirmar André Silva durante a campanha. Não é por acaso que houve debates em que eram “todos contra o PAN”. O partido conseguiu fazer estragos à direita e, sobretudo, à esquerda. Também não é por acaso que Heloísa Apolónia, que até agora carregava a bandeira dos “Verdes”, ficou, pela primeira vez em 24 anos, fora do Parlamento.
Uma Iniciativa Liberal que deu bons resultados
Se o PAN veio “roubar” votos, a Iniciativa Liberal diz que veio acrescentar: “A Iniciativa Liberal veio para mostrar uma visão diferente dos que estão na política há muito tempo, viemos para somar valor mais do que para retirar votos a alguém”, afirmou ontem Rodrigo Saraiva, porta-voz do partido que foi fundado há menos de dois anos e que já conseguiu uma vaga na Assembleia da República.
É um novo partido que entra para o Parlamento e que aproveitou a deslocação do PSD ao centro para criar espaço à direita liberal. Trouxe ao debate um discurso liberal, seja na economia, seja na política e nas questões sociais. Num país em que quase todos os partidos, à direita e à esquerda, defendem mais Estado, a Iniciativa Liberal defende menos Estado e mais liberdade de escolha para os indivíduos.
João Cotrim de Figueiredo saiu do “conforto” do mundo da gestão e das empresas e deu a cara pelo partido em Lisboa. Ganhou a aposta. “Portugal nunca foi verdadeiramente liberal, nunca colocou a confiança na capacidade e maturidade dos portugueses no centro da política. Nunca promoveu a liberdade individual, com a correspondente responsabilidade, acima de todas as outras”. É uma frase de Cotrim de Figueiredo que resume ao que vem a Iniciativa.
O Livre de Rui Tavares e de Joacine com a porta da geringonça escancarada
Rui Tavares foi o primeiro a falar de um acordo de esquerda, muito antes de António Costa inventar a geringonça em 2015. E não é por acaso que ontem António Costa, no discurso de vitória, lhe escancarou as portas da geringonça. É merecido.
Depois de várias tentativas em europeias e legislativas, o Livre finalmente consegue eleger Joacine como deputada pelo círculo de Lisboa. “Ser uma mulher negra pela primeira vez a protagonizar uma candidatura à Assembleia da República como a cabeça de lista em Lisboa e ser uma eventual deputada eleita nessas condições é histórico. É um facto histórico num país que tem negado o seu racismo estrutural e, portanto, vamos assumi-lo”, afirmava Rui Tavares, em setembro, em entrevista ao Observador.
O partido e o seu líder souberam lidar bem com a gaguez de Joacine (não é uma cidadã de segunda por causa da gaguez), uma candidata que vem do ativismo feminista e do ativismo anti-racismo e que traz uma agenda nova numa altura em que a extrema-direita também consegue entrar no Parlamento.
Um sinal preocupante: a extrema-direita chega ao Parlamento
“Não contamos com o Chega para nada”. A frase é de António Costa quando confrontado com a chegada do Chega de André Ventura ao Parlamento. Mesmo não contando muito, a verdade é que um partido populista e de extrema-direita a chegar ao Parlamento. Um sinal preocupante para o sistema político.
Os vencidos
Rui Rio: derrota é derrota, mesmo que não seja um “desastre”
Não soube ganhar e não soube perder. Não soube ganhar porque o PSD teve um resultado fraco, ao nível do de Santana Lopes em 2005 (mais deputados, mas uma percentagem de votos inferior). Rui Rio diz que “não há desastre nenhum”, porque o resultado não foi tão mau como chegaram a prever algumas sondagens que deram o PSD com apenas 23%. É uma gestão pouco ambiciosa de expectativas.
Não soube ganhar, mas também não soube perder. No discurso de derrota culpou a comunicação social, as sondagens, comentadores e o surgimento de mais partidos à direita. Esqueceu-se da culpa que o próprio teve nestes resultados: não soube ou não quis unir o partido e escolheu uma direção com elementos como Elina Fraga, Isabel Meireles ou Salvador Malheiro que trouxeram zero ao partido, seja em ideias, seja em combatividade.
Programaticamente foi incoerente. Depois de tanto tempo a criticar as 35 horas na Função Pública e a baixa no IVA da restauração, o programa eleitoral do PSD foi pelo caminho mais fácil e descaracterizou-se. As promessas de baixar impostos em 3,7 mil milhões de euros vieram fragilizar ainda mais uma imagem de rigor nas contas que já tinha ficado bastante maltratada durante a crise dos professores.
Assunção Cristas e o fantasma do partido do táxi
Foi em 1987 que o CDS registou o pior resultado de sempre, tendo na altura ficado popular a expressão “Partido do Táxi” porque o partido viu-se reduzido a quatro deputados. As sondagens não auguravam nada de bom para o partido nestas eleições e o pior dos cenários confirmou-se: o CDS dá um grande trambolhão e de 18 deputados passa para apenas cinco.
Depois do bom resultado de Assunção Cristas nas autárquicas em Lisboa, o CDS colocou a fasquia demasiado elevada: “Queremos ser o primeiro partido da direita”, assumia Cristas em março de 2018. Nem de perto, nem de longe. O CDS teve um resultado desastroso e foi ultrapassado pela CDU e pelo Bloco.
A líder assumiu a derrota e anunciou que não se recandidatará no próximo congresso extraordinário, que pediu para ser convocado em breve.
Jerónimo de Sousa e o definhamento do PCP
Em percentagem de votos, é o pior resultado de sempre: 6,46%, abaixo dos 6,94% contabilizados em 2002. Passam de 17 para 12 deputados e são claramente o partido que mais perdeu com a geringonça. Não é por acaso que agora Jerónimo de Sousa não quer voltar a fazer um acordo formal que o “amarre” aos socialistas.
No discurso de ontem Jerónimo assumiu que a denominada geringonça — as posições conjuntas entre PS, BE, PCP e PEV de 2015 — chegou ao seu fim, pois “não haverá repetição da cena do papel”, referindo-se à assinatura dos acordos bilaterais há quatro anos.
Resta saber se este descolar chega para travar o definhamento do partido, eleição após eleição.
Santana Lopes vai “continuar a andar por aí”
É um projeto político que não vingou. Num ano com três novos partidos a entrarem no Parlamento, o Aliança não conseguiu eleger um único deputado e Santana Lopes já colocou em cima da mesa o cenário de abandonar a presidência do partido. Fará sentido um partido feito à imagem de Santana continuar sem Santana na liderança?
O antigo líder do PSD, partido do qual se desvinculou para criar o Aliança, fez um paralelo ontem com o Ciudadanos em Espanha: “Só à quarta eleição é que [o Ciudadanos] conseguiu passar dos 2%. Eu não estou a dizer que somos iguais ao Ciudadanos, mas um partido político é normalmente uma maratona, é uma corrida de fundo”.
Em maratona ou em corrida, Santana Lopes vai continuar “a andar por aí”. A expressão foi usada pelo próprio no congresso do PSD, em 2005, após uma pesada derrota eleitoral. Poderia ter sido repetida ontem.
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