Será que as sociedades de advogados portuguesas querem seguir o exemplo internacional e entrar para a bolsa? Especialistas indicam que a possibilidade de uma sociedade ser cotada ainda é remota.
A entrada de firmas de advogados em bolsa é um fenómeno crescente em países como Austrália ou Reino Unido. Não existe histórico de tal acontecer em Portugal e, apesar de o financiamento no mercado de capitais cativar o interesse, as limitações estatutárias atuais e a eventual perda de controlo por parte dos sócios desincentivam as firmas portuguesas.
“A regra geral é que qualquer empresa ou setor de negócio que tenha estrutura acionista e societária pode efetivamente pedir a admissão à negociação”, notou Filipa Franco diretora de listing da Euronext Lisbon, empresa europeia que gere bolsas de valores, incluído a portuguesa, que possui vários índices, sendo o de referência o PSI-20.
A diretora de listing sublinhou que há critérios a cumprir (ver tabela). A admissibilidade na bolsa pode ser realizada através de três formas: initial public offering (IPO) ou oferta pública inicial, admissão direta ou colocação particular. O IPO é a forma mais comum, promovendo a colocação de ações junto de um conjunto de investidores. Filipa Franco sublinhou ainda que existem algumas particularidades, como por exemplo a impossibilidade de uma sociedade por quotas entrar para a bolsa.
Mas será que uma sociedade de advogados pode atualmente pedir a admissibilidade em bolsa?
“Hoje em dia, continua a existir uma limitação legal quanto às pessoas jurídicas que podem ser sócias de uma sociedade de advogados”, explicou Fernando Antas da Cunha, sócio da Antas da Cunha e Ecija.
Hoje em dia, continua a existir uma limitação legal quanto às pessoas jurídicas que podem ser sócias de uma sociedade de advogados.
Segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados, podem ser sócios de uma sociedade os advogados, “sociedades de advogados previamente constituídas e inscritas na Ordem dos Advogados” e ainda “organizações associativas de profissionais equiparados a advogados constituídas noutro Estado-membro da União Europeia cujo capital e direitos de voto caiba maioritariamente aos profissionais em causa”.
“A dispersão em bolsa do capital de sociedades de advogados resulta diretamente proibida, dado que é condição da admissão em bolsa a livre transmissibilidade das ações”, explica Paulo Câmara, sócio da sociedade Sérvulo & Associados.
Maior capitalização para crescer
Mas nem todos veem o tema como fechado e, no futuro, poderá vir a ser uma opção de financiamento, como reconhece Fernando Antas da Cunha, sócio da Antas da Cunha Ecija & Associados. “Não há qualquer dúvida que o facto de termos mais recursos financeiros disponíveis faz com que, por um lado, possamos atrair o melhor talento, como ficam disponíveis ferramentas que, tipicamente, não existe capacidade de as adquirir”, nota.
A entrada de uma empresa na bolsa pode então acentuar e consolidar a imagem de uma empresa e pode vir a ser uma forma de crescimento da mesma.
“A capitalização e a capacidade de criar um plano estratégico assente no crescimento, só resulta em pleno se existir a capacidade financeira para pensar em reformas e desenvolvimentos de novas áreas as quais, num momento inicial, poderão ser deficitárias. Áreas de investigação, formação e antecipação de tendências do mercado, serão mais fácil de atingir, se não dependerem dos recursos libertos num determinado exercício”, assegura Fernando Antas da Cunha.
Ainda assim, o sócio da Antas da Cunha e Ecija admite que a entrada em bolsa pode proporcionar uma “descaraterização do projeto de advocacia ligado aos seus fundadores”. Uma vez que no país as sociedades estão bastante conectadas com a figura dos sócios fundadores, “ao entrar num formato de IPO’s e de entrada de acionistas não advogados”, deixa de existir o formato “um sócio, um voto” e passam a estar sujeitos às “regras de sociedades comerciais normais”.
“A admissão em bolsa transforma estruturalmente o processo decisório nas sociedades de advogados, dado que o domínio pode passar a pertencer a não-advogados, e por isso corre o risco de implicar a transformação da posição do sócio num estatuto de assalariado”, concorda Paulo Câmara.
A admissão em bolsa transforma estruturalmente o processo decisório nas sociedades de advogados, dado que o domínio pode passar a pertencer a não-advogados, e por isso corre o risco de implicar a transformação da posição do sócio num estatuto de assalariado.
Para o sócio da Sérvulo esse risco constitui um retrocesso do modelo atual, “em que o estatuto de sócio-advogado” permite um “alinhamento de interesses o melhor serviço aos clientes”. Contudo, admite que possam ser criados modelos, legislativos e estatutários, de sociedades cotadas em que o “núcleo de domínio seja irredutivelmente de advogados”, por exemplo através do dualismo de ações (em que os sócios sejam detentores de ações com maior número de direitos de voto e os restantes acionistas de títulos de categoria com menor poder de decisão).
Fernando Antas da Cunha garante que a sociedade nunca ponderou sobre a entrada em bolsa, mas considera que os “clientes serão os grandes beneficiados”. “Desde que se proteja os atos próprios dos advogados e que continuemos vinculados a uma obrigação pelo respeito incondicional aos nossos deveres deontológicos, vemos como natural a evolução do formato que hoje as sociedades de advogados atuam”, acrescenta.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Sociedades na bolsa: um in ou out?
{{ noCommentsLabel }}