O Fundão é atualmente um epicentro do investimento estrangeiro no país. O ECO foi conhecer quatro histórias de três nacionalidades diferentes, que decidiram abandonar as suas origens.
परिवर्तन [parivartana]. Change. Verandering. Mudança. Saroj Duwadi deixou o Nepal para trabalhar na Altran. Annie e Erwin abandonaram a Holanda em busca de uma vida mais sustentável. A família de Laura e David, cansada das grandes metrópoles, trocou o Reino Unido por Portugal. E Michelle e David fizeram o mesmo. O que é que tantos nomes e países têm em comum? Duas coisas: mudaram de vida e… mudaram-se para o Fundão.
Apesar de Lisboa, Porto e Faro serem os locais prediletos, cada vez mais as zonas interiores do país têm conseguido atrair a população estrangeira. Portugal é o segundo membro da OCDE onde a imigração mais cresce, numa variação muito acima da média dos países desenvolvidos. Em 2018, registaram-se 480.300 cidadãos com título de residência válida, traduzindo-se num aumento de 13,9%, valor mais elevado alguma vez registado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O distrito de Castelo Branco, localizado no centro de Portugal, é um exemplo do poder de atração do interior do país: em 2018, residiam 4.318 estrangeiros, segundo dados do SEF, uma subida de 6,9% em relação ao ano anterior.
“Aqui somos territórios de baixa densidade populacional e, de facto, os saldos migratórios são completamente vitais para uma possível sustentabilidade demográfica que, até ao dia de hoje, não existe“, refere Paulo Fernandes, presidente da câmara municipal do Fundão, em entrevista ao ECO.
Fundão, o novo epicentro do desenvolvimento tecnológico
Conhecida por muitos pela cereja, a cidade do Fundão tem nos últimos anos apostado fortemente no apoio aos imigrantes que pretendem fixar-se no interior. Com cerca de 13.000 habitantes, a localidade reúne 669 imigrantes de 57 nacionalidades.
Para além de a imigração contribuir positivamente para o aumento demográfico, o investimento estrangeiro também ganhou um papel relevante na economia local.
“Estamos numa fase muito interessante, relativamente a algo difícil como é o processo de internacionalização, pois tem várias dinâmicas e várias camadas. Por exemplo, há sete anos, começámos com um grupo de produtores que pretendia dar a conhecer os produtos agrícolas locais em mercados espalhados por todo o mundo”, explica Paulo Fernandes. Uma experiência que, de acordo com o autarca, permitiu captar a atenção de inúmeros investidores agroindustriais oriundos de vários pontos do mundo, como o Médio Oriente, Israel, Suíça, França e Brasil. Neste último caso, têm existido “investidores e fundos brasileiros interessados na área agrícola e em criar novas fileiras”, revelou.
“Têm um impacto social evidente naquilo que estas novas comunidades trazem e também um impacto patrimonial. Estamos a falar de inúmeros terrenos e propriedades que estavam devolutas que hoje encontraram quem as cultive, as trate e produza, o que tem impacto económico. Significa que há, em zonas ainda mais rurais, um aumento exponencial de cidadãos que nos escolhem para a sua residência permanente”, nota o presidente do Fundão.
Apesar de o município estar inserido num meio rural, o desenvolvimento do setor tecnológico com ajuda de capital estrangeiro tornou-se também um foco na região, sendo a implementação da aprendizagem de código informático (programação), a partir do ensino primário, exemplo disso. Recentemente, a multinacional americana IBM decidiu apostar no rural “Silicon Valley”, através da instalação de um Centro de Inovação Tecnológica no Fundão. A atividade deste projeto será centrada no desenvolvimento e gestão de soluções de energia.
"Há, em zonas ainda mais rurais, um aumento exponencial de cidadãos que nos escolhem para a sua residência permanente.”
“Há cerca de seis anos começámos a posicionar o concelho na área das TIC, depois de um trabalho bastante interessante — e bem revelador — de que, às vezes, estas questões do interior dependem de escalas. Se formos para uma escala mais global, a questão do interior ou litoral é relativa”, acrescenta o autarca, salientando ainda que, “no setor tecnológico, não temos problemas com o facto de sermos uma região do interior”.
A multinacional em serviços de engenharia e de R&D, Altran, também apostou no concelho do Fundão e é atualmente o maior polo tecnológico da região: 700 engenheiros de inúmeras nacionalidades trabalham na cidade e, na sua grande maioria, nesta empresa.
Saroj Duwadi: “O país esteve sempre em contacto com outras etnias e religiões”
Saroj Duwadi, engenheiro informático, decidiu abandonar o Nepal em 2017, após ter tido a oportunidade para trabalhar numa startup, através de um programa de intercâmbio internacional, em Lisboa. “Na altura de rumar a Portugal, não sabia nada sobre o país, mesmo nada, sendo que a única coisa que conhecia era o Cristiano Ronaldo”, nota Duwadi, em conversa com o ECO.
Ainda assim, o engenheiro informático fez uma breve pesquisa sobre o país: constatou que Portugal acabara de sair de uma crise financeira e que grandes multinacionais como a Google estavam a posicionar-se.
Quando chegou a Lisboa, o nepalês admite não ter sentido grandes dificuldades. Apenas a língua foi um entrave. “Passado quase um ano, numa altura em que o meu intercâmbio estava prestes a terminar, comecei a procurar emprego no país e encontrei uma oferta de trabalho na Altran, na zona do Fundão”, explica Duwadi.
O nepalês foi muito bem recebido junto da comunidade local, tanto pela empresa — graças à variedade de nacionalidades dos funcionários — como pela câmara municipal. “Só no meu departamento, trabalho com argentinos, brasileiros, indianos, nepaleses, russos e, claro, com portugueses”, acrescenta.
No início do percurso de Saroj na cidade, foram-lhe oferecidas aulas de português gratuitas, eventos de integração com os locais — onde lhe foi dada a conhecer a cultura portuguesa –, e ainda um programa de arrendamento acessível, em que a câmara municipal financia cerca de 50% da renda durante dois anos.
“Fomos talvez dos primeiros municípios do país a criar um gabinete de apoio aos emigrantes, e pioneiros na região. Ele foi evoluindo e hoje temos um gabinete de apoio às migrações”, aponta Paulo Fernandes sobre o apoio dado aos imigrantes. O dirigente diz ainda que o Fundão possui um plano municipal para as migrações, que pugna por um conjunto de vertentes que procura criar proximidade com estas comunidades, “como a criação de cursos de língua portuguesa, eventos culturais e até mesmo de educação cívica, muitas vezes por questões jurídicas“.
“Para mão-de-obra altamente especializada temos um regulamento de rendas apoiadas. É um programa de arrendamento que começou no centro histórico do Fundão e que depois começou a expandir-se, porque estamos a ter muito sucesso“, nota o presidente da câmara. Com este programa, os trabalhadores estrangeiros e nacionais têm, durante o primeiro ano, acesso a habitação na cidade. Por exemplo, acesso a um imóvel equivalente a um T2, pelo valor de 150 euros.
“Costumo dizer em tom de brincadeira que há sempre boas notícias quando saem os dados do valor do metro quadrado em Lisboa e no Porto. Sempre que sobe é uma boa notícia para nós, porque isso significa que estamos mais competitivos“, considera Paulo Fernandes.
Nos meios rurais, existe ainda o benefício de redução do IMI rústico em cerca de 50%, podendo o IMT ser também diminuto. Para tal, basta que qualquer pessoa inicie uma atividade agrícola e que crie pelo menos um posto de trabalho.
Apesar de todos os benefícios, o engenheiro informático considera Portugal “bastante burocrático”, e alerta que o país necessita de uma modernização em alguns aspetos, especialmente quando implica a sua permanência no país. “Se quiser renovar a licença de residência permanente tenho de esperar perto de seis meses. Além disso, os documentos estão todos em português… o Governo deveria ter estas situações em atenção”, refere o engenheiro.
As pessoas são o que Saroj Duwadi mais destaca desde que chegou a Portugal, sentindo-se “parte integrante da sociedade”. “Penso que os portugueses têm este tipo de mentalidade porque o país esteve sempre em contacto com outras etnias e religiões ao longo da sua história“, salienta o nepalês.
Família Maas: “Recomendo este país por causa da liberdade”
Annie e Erwin Maas imigraram para Portugal, em 2015, com o intuito de mudar por completo as suas vidas e construir uma casa sustentável. “Ensinam-nos a ter um emprego, um bom salário, comprar um carro e tudo o que esteja subjacente a isso. E tudo isto vai trazer-te felicidade, mas assim que obtemos tudo isto, descobrimos que tem de haver algo mais para sermos felizes”, conta Erwin Maas.
Após deixarem empregos estáveis, venderam a casa e decidiram abandonar a Holanda. Países como Grécia, Espanha, Albânia e Hungria foram considerados, ao contrário de Portugal que nunca foi uma opção. “Na Holanda raramente se ouve falar sobre o país, com exceção durante o época de incêndios”, assegura o holandês.
Mas como queriam dedicar-se à produção biológica de alimentos e tinham interesse numa vida sustentável, o concelho do Fundão criou condições para que a família Maas adotasse os novos costumes. “Muitas das comunidades que chegam ao concelho estão conectadas com aquilo que são produções agrícolas sustentáveis, ligadas à produção biológica ou então à permacultura. Fomentamos mercados que funcionam no concelho, pois são formas de entrarem nas cadeias de valor e criar aquilo que podem ser novos públicos”, assegura o presidente do Fundão.
Tal como Saroj, a família Maas teve acesso a aulas de português e de história de Portugal, e ainda a oportunidade de se integrar na comunidade local, que ambos consideram o ex-líbris do país. Mesmo sem terem sentido grandes dificuldades na chegada, Erwin salienta que a reforma que recebe na Holanda é considerada ilegal, na ótica da União Europeia. O que impede o acesso à Segurança Social portuguesa.
Na Holanda todos pagam impostos, independentemente do valor auferido anualmente pelo agregado familiar. Uma realidade distinta para Maas uma vez que, “em Portugal, abaixo dos 8.500 euros não é preciso pagar impostos”, sendo este dos únicos ‘benefícios’ que possui.
Mas o holandês não nota apenas esta diferença entre os dois países. “O salário pode ser mais elevado, mas existem mais despesas e problemas, o que provoca mais stress nas pessoas. Em Portugal é diferente”, sublinha, acrescentando porém que as duas grandes metrópoles portuguesas — Lisboa e Porto — possuem o mesmo problema que a Holanda.
Ainda assim, Portugal é atualmente uma aposta segura para investidores estrangeiros, de acordo com Erwin. “Penso que é uma boa altura para comprar uma propriedade em Portugal“, acrescenta, uma vez que, na sua ótica, o país está em processo de evolução na Europa e no futuro os preços irão aumentar.
Família Armour e Summers: “Esta zona [de Portugal] é fantástica, especialmente para britânicos reformados”
Também a família de David Summers, Laura Armour e o filho abandonaram o Reino Unido em agosto de 2018, e rumaram ao concelho do Fundão com o intuito de fugir da cidade. “Ao contrário do Reino Unido, em Portugal conseguimos ter mais espaço para viver com menor poder de comprar. Como o salário é mais baixo é possível ter uma vida relativamente boa”, considera David.
Reformado depois de um percurso de cerca de 35 anos no setor automóvel, encontrou em Portugal um país mais verde do que esperava, durante umas férias em Albufeira, no Algarve. “Esta zona é fantástica, especialmente para britânicos reformados. É um sítio tão bonito e especialmente barato para nós”, conta Summers.
Espanha ficou logo fora de questão para o casal pois não queriam mudar-se de “Inglaterra para a Little Britain porque, nos últimos anos, muitos britânicos decidiram mudar a sua residência para lá”.
“Ficamos empolgados com o país e decidimos procurar um local no interior de Portugal. Começámos a procurar terrenos na zona de Pedrógão Grande, mas ouvimos dizer que nesta zona onde nos encontramos agora [concelho do Fundão] é mais barata e acabámos por ficar aqui”, refere David Summers.
Com um filho para educar, os britânicos sentiram dificuldades na aprendizagem da língua portuguesa. “Decidi colocar o meu filho na escola pública e não num ensino especial em inglês para que aprendesse português e fizesse amigos. Pode ser difícil no início mas acaba por ser útil para ele no futuro”, acrescenta. Ainda assim, reforça que “as coisas não são tão difíceis em termos de comunicação hoje em dia, pois a segunda língua mais falada em Portugal é o inglês. Prova disso é que, se ligarmos a televisão, ouvimos inglês a toda a hora”.
A elevada “burocracia do papel” e preço da eletricidade são alguns dos aspetos menos positivos destacados por Summers. “Os preços são tão altos que comprámos uns painéis solares para a nossa casa, na tentativa de reduzir a fatura”. No que concerne aos benefícios fiscais, o britânico salientou a falta de informação relativa aos mesmos.
O futuro da família é idealizado em Portugal, não pretendendo voltar para o Reino Unido, local onde destaca que a criminalidade aumentou, tal como a insegurança. David adianta ainda que não teme os efeitos do Brexit porque “Portugal e Reino Unido têm uma relação histórica”. “Vivendo nesta zona, parece que regredi várias décadas e estou em Inglaterra do anos 80, e vejo isso como algo muito atrativo. Podemos deixar as portas abertas e as pessoas desta comunidade são descontraídas”, conclui.
Família Knights: O Reino Unido “está a deteriorar-se a cada dia que passa”
Michelle e David Knights, também britânicos — e reformados –, apostaram no interior de Portugal aproveitar o período de aposentação. Entre os países mediterrâneos surgiu a hipótese de Espanha. Mas os conhecimentos de David enquanto antigo professor de geografia, apontavam para “os problemas que existem no sul do país, como a seca e a escassez de água”, que dificultavam o acesso às melhores condições de vida.
Como consequência, as atenções do casal centraram-se em Portugal. “Quando começámos a olhar para as regiões, decidimos que não queríamos viver no litoral e muito menos no Algarve, que mais parece a Little Britain“, recorda David. Face à primeira triagem, os britânicos optaram por uma zona interior, ficando “maravilhados” com o distrito de Castelo Branco pois parecia “Inglaterra nos anos 60”.
O clima, o custo de vida, as pessoas e a acessibilidade são os aspetos mais diferenciados pelos reformados em relação ao Reino Unido. “O dinheiro dura mais na carteira, quer seja nas despesas diárias ou compra de propriedade”, nota, referindo que o custo da eletricidade e dos carros são bastante mais caros que no seu país de origem.
A elevada burocracia voltou a ser referenciada como o principal entrave e morosidade em Portugal. A família Knights enfrentou vários processos longos com a câmara municipal do Fundão, especialmente no pedido de licenciamento da habitação.
“As simples licenças para a construção de uma habitação custam cerca de 800 euros. Após a construção da casa, é preciso enfrentar um novo processo, desta vez com as Finanças. Por falar em fisco, reparámos no poder que têm em Portugal, onde até conseguem entrar nas contas bancárias das pessoas, algo que nunca aconteceria em Inglaterra”, explica David.
E não foi apenas o processo burocrático que contribuiu para a demora no processo habitacional, mas também a falta de informação na chegada ao país. “Há, de facto, um departamento de ajuda ao estrangeiro na câmara municipal do Fundão, mas não sabíamos da sua existência”, acrescenta.
Com a comunidade estrangeira a crescer na região com diversas nacionalidades, entre eles holandeses, alemães e americanos, o casal não pretende voltar ao Reino Unido. “Está a deteriorar-se a cada dia que passa. Não é um bom sítio para se estar neste momento, especialmente por causa do Brexit. Foi sem dúvida uma decisão estúpida“, disse o imigrante.
Há três anos a viver no concelho do Fundão, David Knights deixou um conselho construtivo ao seu novo país. “Penso que Portugal deveria promover-se melhor em termos de dar a conhecer o que produz. O país iria ficar a ganhar bastante com isso”.
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