De que servem os sindicatos em tempos de “geringonça”?

  • Marta Santos Silva
  • 18 Novembro 2016

No dia da primeira grande manifestação desde o acordo de governo à esquerda, politólogos ajudam a perceber o que significa a viragem que levou os sindicatos das ruas para as salas de negociação.

Os sindicatos da Administração Pública estão na rua, por entre vitórias para a classe e exigências que ainda estão por cumprir. Mas no ano que passou houve uma ausência de palavras de ordem e bandeiras à frente da Assembleia da República, com um clima de negociação dentro do Parlamento e não de reivindicação à porta dele.

A Função Pública, que se manifesta hoje, reivindica o descongelamento das carreiras e aumentos salariais perante um quadro em que muitas das suas exigências foram atendidas pelo Governo de António Costa. Para alguns politólogos, o silêncio nas ruas justifica-se pela abertura do Executivo às reivindicações dos sindicatos, para outros é sinal de que os sindicatos é que controlam o Governo. Uma coisa é certa: “Não chegámos ainda ao fim da história”.

Menos visíveis…

Para o investigador Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos, a diminuição da presença dos sindicatos na televisão e da contestação nas ruas não é sinónimo de menos poder. “Os sindicatos foram fazendo eco das suas reivindicações, querendo ir mais longe do que o Governo, mas percebendo que o Executivo se está a aproximar”, explica ao ECO.

Jorge Malheiros sublinha dois fatores principais que terão impacto na menor visibilidade mediática dos sindicatos durante esta legislatura. Por um lado, “o atual Governo e a ‘geringonça’ têm uma preocupação muito maior com o que podemos chamar a esfera do trabalho”, havendo vontade política para satisfazer as reivindicações das estruturas sindicais. Por outro, acrescenta: “Parece-me que têm canais de diálogo fáceis agora“. Ou seja, a contestação na rua torna-se menos necessária quando há canais abertos para discussão formal e interesse em responder às exigências.

"É ver pela primeira vez a Intersindical a sentar-se à mesa e a produzir declarações de compromisso com o sistema político, e os patrões a passarem a ser a oposição. ”

José Adelino Maltez

ISCSP

Para o politólogo José Adelino Maltez, esse ambiente de maior abertura vem de uma vantagem do PS “que nenhum dos outros partidos tem”. É um partido que já teve acordos de governo com partidos de ideologias muito diferentes e que, por isso, “está treinado em diálogo institucional”, o que lhe permite, afirma Adelino Maltez, criar melhores processos de diálogo.

…mas mais poderosos?

Já Manuel Villaverde Cabral não se põe com rodeios ao afirmar: “O PS entregou o sistema de emprego estatal totalmente aos sindicatos”.

Para o politólogo, o Partido Socialista deu o controlo das suas políticas sobre o mercado de trabalho aos sindicatos, em particular os da Administração Pública, e acrescenta: “Os sindicatos não só não deixam fazer as reformas que seria natural fazer, e que o Governo anterior tentou começar, como fazem o contrário”. Manuel Villaverde Cabral critica a “falta de coragem” para implementar reformas que não sejam desejadas pelos sindicatos.

Jorge Malheiros, por sua vez, considera que a inversão política levada a cabo pelo PS é vontade do Governo e dos seus parceiros à esquerda, que têm “maior sensibilidade de resposta em relação aos direitos do trabalho”, enquanto os sindicatos vão empurrando para acelerar as reposições e implementação das suas exigências. José Adelino Maltez sublinha mesmo que “os tempos mudaram, e ainda bem” visto que agora “é ver pela primeira vez a intersindical a sentar-se à mesa e a produzir declarações de compromisso com o sistema político, e os patrões a passarem a ser a oposição”.

Ainda não estamos no “fim da história”

O histórico dirigente sindicalista Manuel Carvalho da Silva, que deixou a liderança da CGTP em 2012, rejeita fazer grandes avaliações das repercussões do ano que passou. “Não se pode analisar a ação dos sindicatos apenas por aquilo que eles fazem ou não fazem comparativamente com situações anteriores”, explicou ao ECO o atual coordenador do Centro de Estudos Sociais. “Mudam os contextos. Há múltiplos campos que se cruzam: o clima de diálogo ou inexistência de diálogo, regulações ou não regulações entre o financeiro e o económico…”

Também José Adelino Maltez rejeita a ideia de que a viragem no comportamento dos sindicatos nesta legislatura tenha grandes repercussões no seu futuro. Diz-se que “há uma diminuição da influência dos sindicatos, e há muita gente diz isto e pensa que acabou aquilo que tanto a intersindical como o PCP invocam: a tradição de luta”. Mas para o investigador, a luta não vai acabar. “Não chegámos ao fim da história”, diz. “Falar em paz porque deixa de haver greve é pensar que isto vai acabar. Mas este discurso é de fora do nosso contexto. Já tem uns séculos e não vai acabar no século XXI”.

A falta de manifestações na rua, explica, não é um sinal de consenso. “Na democracia não há diabos nem deuses”, resume. “Há seres humanos e organizações de seres humanos que erram e que têm conflitos”. O que importa é institucionalizar esse conflito de forma a criar diálogos e compromissos, afirma o politólogo.

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