Juros baixos vão virar setor financeiro de pernas para o ar
Se a Fed está a subir os juros, no resto do mundo desenvolvido as taxas estão muito baixas. Uma realidade que vai mudar o setor financeiro. É uma ameaça que precisa resposta política.
Juros de zero, ou mesmo negativos? Há alguns anos eram um mito, mas rapidamente tornaram-se uma realidade em muitas economias desenvolvidas. Taxas muito baixas são a solução para fomentar o crescimento económico, mas o reverso da medalha é um setor financeiro em dificuldades. São “um desafio”, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). Vão obrigar a uma mudança na forma como o setor funciona, processo para o qual os governos terão de contribuir com medidas que garantam uma transição suave.
“Quais serão as consequências para o setor financeiro de um cenário de baixo crescimento com taxas de juro baixas?”, questiona o FMI no Global Financial Stability Report. Muitas, numa resposta breve. “A manutenção de um ambiente de taxas de juro baixas representará um desafio considerável para as instituições financeiras. No longo prazo, este cenário poderá levar a alterações significativas no modelo de negócio dos bancos, seguradoras, fundos de pensões e nos produtos que estes oferecem”, refere.
Neste contexto de baixo crescimento, com juros mínimos, assistiremos a uma queda nas taxas das obrigações, “levando a uma quebra dos lucros dos bancos, colocando desafios duradouros para as seguradoras do ramo vida e fundos de pensões”, refere o FMI. “Se as taxas dos depósitos dos bancos não podem descer abaixo de zero (de forma significativa), os lucros dos bancos serão ainda mais esmagados. Os bancos mais pequenos, mais dependentes de depósitos dos seus clientes, e menos diversificados serão os mais penalizados, o que poderá obrigar a mais consolidação”.
"O negócio dos bancos nas economias avançadas poderá evoluir no sentido de um sistema baseado em comissões.”
Para tentarem contrariar a tendência, os bancos veem-se forçados a procurarem alternativas que compensem a quebra no negócio principal, situação que o FMI diz poder colocar em causa a estabilidade financeira. “À medida que os bancos procuram rentabilidade tanto no mercado interno como no exterior, novos desafios à estabilidade financeira podem surgir nos seus mercados domésticos“, alerta, sublinhando que esta possibilidade não é assim tão remota. O alerta é suportado no que aconteceu, por exemplo, com os bancos japoneses.
Perante a quebra da rentabilidade do seu negócio, como o setor financeiro sempre o conheceu, num contexto de baixo crescimento e de envelhecimento da população, que levará a uma redução da procura por crédito por parte das famílias e empresas, haverá um aumento da procura por aplicações financeiras e serviços. “Assim, o negócio dos bancos nas economias avançadas poderá evoluir no sentido de um sistema baseado em comissões“, nota o FMI.
E mesmo as seguradoras e fundos de pensões terão de rever os seus modelos. “Os fundos de pensões, bem como os modelos de negócio das seguradoras do ramo vida, deverão sofrer alterações significativas no longo prazo”, refere o relatório do FMI. Uma dessas alterações será na procura por seguros de vida de longo prazo, à medida que a esperança de vida aumenta. E a procura por aplicações de capital garantido oferecidas pelas seguradoras “deverá encolher em detrimento dos fundos passivos das gestoras de ativos”, nota o documento.
As decisões políticas poderão facilitar a consolidação no setor, bem como a saída de negócios que não são rentáveis, isto ao mesmo tempo que limitam o excessivo aumento na tomada de risco e garantem que o problema das instituições ‘demasiado grandes para falir’ não se agrava.
A mudança vai acontecer. O mundo financeiro vai ser virado de pernas para o ar, mas há várias formas de isso acontecer. Ou bruscamente, ou de um modo mais suave. “Os governos podem ajudar a tornar menos penoso o ajustamento para esta nova realidade“, refere o FMI. “É necessário que se criem quadros prudenciais que forneçam incentivos para garantir a estabilidade no longo prazo em vez de se pedir menos regulação que alivie o sofrimento no curto prazo”
Para os bancos, diz o FMI, as decisões políticas poderão “facilitar a consolidação no setor, bem como a saída de negócios que não são rentáveis, isto ao mesmo tempo que limitam o excessivo aumento na tomada de risco e garantem que o problema das instituições ‘demasiado grandes para falir’ não se agrava”. “Implementar exigências de solvência que encorajem as seguradoras a realizarem os ajustamentos necessários aos seus modelos de negócio será vital”, refere o relatório, rematando que “a vigilância e a regulação das atividades de gestão de ativos serão importantes, à medida que a representatividade desta indústria no setor aumenta”.
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