O duelo francês visto por portugueses a viver em França
O que dizem os portugueses que vivem em França sobre as eleições? O ECO recolheu opiniões sobre Marine Le Pen, Emmanuel Macron, a queda dos partidos tradicionais e o futuro dos franceses.
Macron é, para muitos portugueses que vivem em França, a luz ao fundo do túnel. Adaptado à realidade francesa, poder-se-ia dizer que é a luz no topo da Torre Eiffel, um dos símbolos mais importantes do país que trouxe a liberdade, igualdade e fraternidade ao mundo. Le Pen é, pelo contrário, vista como inimiga desses valores. Apesar de querer colocar barreiras à globalização e imigração, a candidata também recolhe apoio de portugueses a viver em França.
Como se diz em finanças, Emmanuel Macron está num grande ‘momentum’. A classificação é dada por Sofia Ramos, professora portuguesa a dar aulas em França, ao ECO, recordando que “ele começou do nada, não tem apoio de nenhum partido e chegou onde chegou”. Entretanto, na segunda volta, os apoios multiplicaram-se: de Obama a Hollande, dos derrotados a Merkel, exceto o de Melenchón, pelo menos de forma direta.
Há uma fratura como a que originou o Brexit, mas Sofia Ramos considera que em França essa tendência é mais suave. “As pessoas [que vivem] mais fora dos centros urbanos são mais eurocéticas, mas no geral os franceses são europeístas“, explica ao ECO, referindo que essa é a razão pela qual Marine Le Pen “não tem tanto sucesso com o seu ‘Frexit'”.
É por isso que esta professora portuguesa considera que Le Pen teria mais votos se falasse apenas em imigração, excluindo a saída da União Europeia do seu discurso. “O Frexit não é assim uma coisa muito popular”, afirma, com base na sua experiência de contacto com franceses. “Ela [Le Pen] não está a considerar os custos que isso tem efetivamente para a França“, remata.
Independentemente de quem suceda Hollande, a herança deixada é pesada. “As pessoas sentem que a economia não vai muito bem”, considera Sofia Ramos, referindo como ponto mais preocupante o desemprego que, “nomeadamente em algumas pessoas de 50 anos, foi muito forte”. E, tal como a questão da imigração, é dos fatores que mais impacto direto tem na vida das pessoas. Apesar de também estar cética em relação às sondagens, Sofia Ramos vê Macron com uma imagem de “dinamismo e modernismo” que tende a beneficiar o candidato que ainda não completou 40 anos.
"Vou ter de votar no candidato ‘menos pior’ e não em alguém que me deve representar.”
De uma outra perspetiva, uma jovem portuguesa em França, Joana Solleliet, partilha da mesma opinião, rejeitando por completo um voto na Frente Nacional por questões “históricas” e de “valores humanos”, ainda que Le Pen tenha tentado afinar o discurso do partido face ao que o seu pai defendia. A portuguesa faz um paralelo com as eleições de 2002 entre Jacques Chirac e o pai de Le Pen para demarcar as diferenças: Solleliet não vê tanta mobilização contra Le Pen como nesse ano nem uma vantagem tão grande de Macron como Chirac teve, dado que o independente é visto como uma escolha de “menor mal” para muitos eleitores.
“A situação atual para as eleições em França é muito triste porque vou ter de votar no candidato ‘menos mau’ e não em alguém que me deve representar, como se pretende numa democracia”, comenta a portuguesa ao ECO. E é também essa falta de confiança na atual democracia francesa que levou a uma segunda volta com um candidato independente e uma candidata da extrema-direita, maioritariamente fora do horizonte do Eliseu.
Joana elenca os motivos: promessas não cumpridas, escândalos financeiros e a situação económica atual do país. A solução? “É necessária uma mudança do sistema, algo que é reivindicado pelos candidatos fora do sistema“, atira.
"As grandes clivagens parecem-me ser, uma vez mais, identitárias.”
Outro português em França, Tiago Moreira Ramalho, considera que Macron cavalgou os eleitores deixados pela viragem à esquerda de Hamon e o escândalo de Fillon. “Macron pode capitalizar o descrédito de Fillon que decorre do escândalo de corrupção, e um largo eleitorado do PS que não se revê naquilo que consideram o radicalismo tanto de Hamon como de Mélenchon”, explica em declarações ao ECO.
No entanto, mesmo o fenómeno do independente não é assim tão novo, dado que “François Bayrou, por exemplo, que teve perto de 19% na primeira volta em 2007”.
Do seu ponto de vista, não é tanto o euroceticismo e a economia que dominam a campanha, mas a imigração e o terrorismo. “As grandes clivagens parecem-me ser, uma vez mais, identitárias, especialmente em torno da questão islâmica em França e a associação entre Islão e terrorismo”, considera. Mas não há dúvidas de que a economia francesa “está algo estagnada” e que o desemprego continua “relativamente alto”.
"Não podemos esperar um resultado de surpresa como nos EUA porque as situações não são nada idênticas.”
Para Ricardo Vieira, pianista a viver em França desde 2008, esta é a segunda eleição a que assiste. Em relação à primeira que assistiu e que elegeu Hollande como Presidente de França, o português refere que “os franceses estão bastante mais confusos e perdidos na sua intenção de voto”. Ainda assim, rejeita um paralelismo com os Estados Unidos: “Não podemos esperar um resultado de surpresa como nos EUA porque as situações não são nada idênticas”.
Ricardo Vieira aposta em Macron para vencedor, argumentando que a diferença perante Le Pen é significativa, mais do que era entre Hillary e Trump. Além disso, o pianista nota os apoios diretos de personalidades como Obama, François Bayrou e até o próprio Hollande. “É interessante ver Macron num movimento criado por ele em abril de 2016 chegar a favorito para Presidente da Republica Francesa”, um ano depois.
O pianista português que vive em França espera uma abstenção em máximos, comparada com a que se registou em eleições presidenciais anteriores. “Sem dúvida o Presidente que chegar ao poder não será por muitos considerado ‘O’ Presidente de França”, diz. Contudo, Ricardo Vieira diz que há um ponto positivo: a campanha de ódio de Le Pen perdeu o seu vigor dado que em Paris a candidatou não chegou aos 5% dos votos, sendo que esta é a região com mais emigrantes.
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