Lei da Uber regressa hoje à Assembleia. Acordo não é para já
O Parlamento discute esta quinta-feira a proposta do PSD para regulamentar a Uber. "Está tudo em aberto", mas o documento deverá baixar à especialidade. Assunto está parado há mais de dois meses.
O transporte através de plataformas como a Uber é novamente tema de debate no Parlamento. Desta vez, porque o PSD apresentou um projeto de lei para regulamentar o setor, à semelhança do que fez o Governo, o BE e o PCP. Há quase três meses que o tema está parado na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas. Mas, esta quinta-feira, a regulamentação da atividade conhece uma nova página, com a discussão da proposta dos social-democratas na generalidade, numa reunião plenária que começa às 15h. Contudo, é difícil, senão pouco provável, que o debate culmine numa votação final, apurou o ECO.
Por um lado, o PS, o BE e o CDS têm esperança de que o projeto baixe à especialidade e que tudo possa ser discutido em conjunto. Por outro, em conversa, o deputado António Costa Silva reconhece que “está tudo em aberto” neste momento e que tudo dependerá da discussão e da predisposição dos deputados no debate em relação às regras propostas no documento. E explica: “Mesmo em relação à proposta apresentada pelo Governo, temos muitas dúvidas em relação a um conjunto de matérias que lá estão. Até no próprio entendimento que o Governo faz das plataformas. O Governo põe isso tudo muito na ótica de como se a plataforma não tivesse grande responsabilidade, como se fosse aqui um mero vendedor de perfumes ou outra coisa qualquer na internet.” O ECO sabe, no entanto, que há abertura da parte dos social-democratas para que o projeto baixe à comissão, tal como os restantes.
Do lado do PS, que está a preparar uma proposta de alteração ao projeto de lei apresentado pelo Governo, o deputado Luís Testa explica que o partido “não defenderá nem mais nem menos do que já defendeu” até aqui. Critica ainda o PSD por só agora apresentar uma proposta, não o tendo feito em março, em conjunto com as demais: “Esses projetos baixaram sem votação para se tentar, no quadro parlamentar, obter um consenso relativamente a este tipo de matérias. O PSD teve a oportunidade de, naquele tempo, também ter apresentado uma proposta.” E conclui: “Havendo intenção de regular o setor de atividade económica por parte agora também do PSD, depois das intenções quer do Governo quer do BE, que esses três projetos possam ser discutidos na especialidade em sede de comissão e ser objeto de um texto convergente conforme seja a vontade maioritária dos partidos.”
Na bancada do CDS-PP, Hélder Amaral reconhece que o partido ainda não decidiu o que fazer, mas que deverá estar em linha com a posição tomada em relação à proposta aprovada em conselho de ministros. “Ela também não é muito diferente da do Governo. Tem ligeiras nuances. Em termos de motoristas e veículos é praticamente a mesma coisa”, indica. Mas aponta também que o projeto “ignora completamente o setor do táxi”. Os centristas pedem, assim, um maior equilíbrio: “O que nós achamos e sempre dissemos é que não faz muito sentido dar tudo a uns e não dar nada aos outros”, diz ao ECO o deputado. E acrescenta: “Há uma componente de serviço público dos táxis que fica esquecida e que achamos que deve ser olhada com atenção. Há todo o setor do táxi que sofre com algo que é muito disruptivo para o setor. Não se pode, no fundo, ter uma lei do táxi exigente e trazer para o sistema as plataformas a quem se exige muito.”
Heitor de Sousa, deputado do BE, explicou que não se pode apenas traçar uma linha entre o que é o setor do táxi e o das plataformas eletrónicas de transporte, na medida em que operam no mesmo mercado. “A nossa oposição à proposta do Governo provavelmente será, basicamente, semelhante àquela que o PSD tem. Isto sem embargo de poder ver que alguns artigos aqui na proposta do PSD se distinguem dos do Governo e que, se calhar, merecem uma análise mais cuidada”, refere. Indica ainda que, “enquanto o Governo e aparentemente também o PSD” creem que “a utilização do táxi a partir de plataformas eletrónicas cria um novo mercado de transporte”, o BE acredita que que não: “Achamos que é o mesmo. E é um mercado segmentado, como é o do transporte aéreo com as low-cost e as companhias de valor regular, e como acontece em muitas outras áreas de atividade”, defende.
O ECO tentou ainda saber a posição do PCP, que já apresentou uma proposta de alteração ao projeto de lei do Governo, mas não obteve resposta em tempo útil.
É certo que o debate pode tomar um rumo totalmente diferente e que o PSD pode forçar a votação da proposta. É que, embora seja mais provável que haja um requerimento aprovado para fazer baixar o documento à especialidade, existe a possibilidade de o documento ser aprovado no Parlamento se, por exemplo, o PSD contar com o voto favorável do CDS e a abstenção do PS, ainda que a oposição do PCP e do BE seja garantida. Mas é só uma de muitas hipóteses.
Mesmo em relação à proposta apresentada pelo Governo, temos muitas dúvidas em relação a um conjunto de matérias que lá estão. Até no próprio entendimento que o Governo faz das plataformas. O Governo põe isso tudo muito na ótica de como se a plataforma não tivesse grande responsabilidade, como se fosse aqui um mero vendedor de perfumes ou outra coisa qualquer na internet.
O que diz a proposta do PSD?
Em relação ao que propõem os social-democratas, o texto é semelhante em muitos aspetos com o do Governo. Mas há algumas diferenças. Desde logo, enquanto o Governo chama ao tema “transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica” (sigla TVDE), o PSD opta pela designação “transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica” (sigla TIRPE).
O nome é, porém, o aspeto menos relevante em tudo isto. A proposta prevê as mesmas 50 horas de formação para motoristas que o Governo propôs, mas estabelece que nenhum motorista pode trabalhar mais do que dez horas por dia, independentemente do número de empresas do qual faça parte. Proíbe ainda os motoristas de rejeitarem corridas consoante a idade, género, orientação sexual, entre outros. Obriga à prova de idoneidade do motorista e responsabiliza também as plataformas na prestação do serviço, ao invés de apenas as empresas parceiras dessas plataformas.
O documento do PSD proíbe ainda os detentores de plataformas de serem proprietários de veículos ao serviço das mesmas, limitando também a comissão que cobram nos 25% do preço final pago pelo utilizador do serviço. Há ainda alguns detalhes no projeto, como a proibição de os carros terem publicidade no interior e no exterior, o estabelecimento de um pequeno dístico a colocar no para-brisas e a atribuição de um número de identificação único aos motoristas. E por falar em carros, estes não poderão ter mais do que nove lugares nem mais do que sete anos. Devem ainda estar sujeitos a inspeção anual e ter cobertura de um seguro de responsabilidade civil e acidentes pessoais que “inclua os passageiros transportados e respetivos prejuízos”.
"A economia de partilha coloca novas questões de natureza legal e regulatória de difícil resolução.”
Motoristas queixam-se das multas, que não estão a ser pagas
Com o tema parado no Parlamento há quase três meses, os motoristas das principais plataformas queixam-se da demora e das coimas que estão a ser aplicadas pelas autoridades ao abrigo da lei atualmente em vigor. “Continua tudo na mesma, com uma agravante de que, nestes últimos dias, voltámos a ter uma carga de fiscalização ao nível das contraordenações. Uma carga forte. Aquilo que sinto é que sempre que se vai mexer neste assunto, a fiscalização aumenta e as contraordenações aumentam também”, desabafa ao ECO o presidente da Associação Nacional de Parceiros das Plataformas Alternativas de Transportes, que representa cerca de uma centena de empresas parceiras da Uber e da Cabify.
Vítor Conceição, motorista ao serviço da Uber, comenta a mesma coisa: “Continua a perseguição total às multas, a nosso ver cada vez mais discriminatória. A preocupação da PSP é multar, nomeadamente no aeroporto [de Lisboa], passando uma péssima imagem ao turismo, porque somos agentes de turismo. Há um entendimento qualquer da PSP de que somos taxistas”, defende.
O ECO contactou a PSP e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), para atualizar o número de contraordenações levantado contra motoristas destas plataformas, bem como o montante total pago em multas. Não foi obtida resposta em tempo útil. Os últimos dados oficiais apontavam, que entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, a PSP levantou 332 autos de notícia ao abrigo da alteração legislativa de novembro, proposta pelo PCP, que tornou ilegal o transporte de passageiros em veículos sem alvará.
"Aquilo que eu sinto é que sempre que se vai mexer neste assunto, a fiscalização aumenta e as contraordenações aumentam também.”
As coimas não estarão, no entanto, a ser pagas. “Até ao momento, a informação que tenho é que está a ser feita contestação a todas. É um direito legal que nos assiste: o direito de contestação de qualquer contraordenação que exista”, garante João Pica. Sobre esse assunto, o PSD reconhece a possibilidade de se terem de fazer ajustes ao atual quadro legislatório, no sentido de evitar contradições. Leite Ramos, deputado do PSD que coordenou a elaboração do projeto que vai ser discutido esta quinta-feira, deixa até algum conforto aos motoristas: “A partir do momento que a lei seja aprovada, o enquadramento legal passa a ser outro e não há razão para as multas que agora estão a ser aplicadas.”
"A partir do momento que a lei seja aprovada, o enquadramento legal passa a ser outro e não há razão para as multas que agora estão a ser aplicadas.”
O que os motoristas agora pedem é que seja aprovada uma lei, independentemente dos pormenores. “Neste momento, qualquer lei que saia é melhor do que a forma como estamos. É isso que pensamos”, indica o presidente da associação. Ao que o ECO apurou, a discussão da regulamentação do setor deverá ser retomada no início deste mês pelo grupo de trabalho constituído no Parlamento para o efeito. A explicação pela demora está na definição das prioridades, uma vez que a Comissão de Economia, que se encarrega de um conjunto alargado de assuntos, esteve nestas últimas semanas, a trabalhar sobre a municipalização da Carris, entre outros assuntos que estão agora a ser fechados.
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