Sociedade gestora para o malparado. Privada, voluntária e não exclusiva
O Governo e o Banco de Portugal abandonaram a ideia do 'banco mau' e, em contrapartida, propõem uma sociedade gestora privada, dos próprios bancos, e voluntária, para tratar do malparado.
Não há um ‘banco mau’ para comprar o malparado da banca, mas poderá haver uma sociedade gestora que, em nome dos próprios bancos, assuma a gestão dos chamados NPL (Non Performing Loans) com um objetivo prioritário: sentar à mesma mesa os bancos com créditos cruzados a empresas em dificuldade e identificar as que são viáveis, para permitir uma reestruturação rápida. É esta a proposta do Governo e do Banco de Portugal, para definir nas próximas semanas, e os banqueiros estão recetivos a este caminho, apurou o ECO junto de fontes do setor.
O primeiro-ministro revelou esta quarta-feira a primeira iniciativa concreta do Executivo: “O Governo já apresentou uma proposta para o malparado aos três bancos portugueses com níveis mais elevados destes empréstimos em incumprimento [n.r. CGD, BCP e Novo Banco]. As instituições financeiras vão agora analisar a solução apresentada pelo Ministério das Finanças e o Banco de Portugal. O Governo aguarda contributos para a medida”. E António Costa revela que esta proposta foi apresentada numa reunião que houve na segunda-feira.
Qual é o ponto de partida? A banca portuguesa tem, nos balanços, cerca de 30 mil milhões de euros de NPL, parte dos quais já provisionado. Mas não há condições para a criação de um ‘banco mau’ ou um veículo financeiro, ao contrário do que foi sugerido durante meses. Em primeiro lugar, o tipo de NPL é muito diferente em função de cada banco. E há, de forma resumida, quatro grupos a ter em conta:
- Imobiliário
- Ativos passados para fundos
- Grandes devedores
- Créditos das pequenas e médias empresas.
Estas diferenças tornam difícil um modelo único de ‘banco mau’, mas há outro fator, ainda mais relevante. A nova instituição — ‘bad bank’ na terminologia anglo-saxónica — compraria o malparado dos bancos a desconto em relação ao valor a que estes ativos estão contabilizados no balanço dos bancos. Logo, com impacto nos resultados e nos rácios de capital dos bancos, que teriam de ser cobertos por novos fundos privados. E não poderiam ter qualquer tipo de ajuda pública, nem direta, nem através de garantias, porque tal seria considerada Auxílio de Estado, com efeitos nas contas públicas, de acordo com diretiva BRRD (sigla em inglês). É a partir daqui que o governo e o Banco de Portugal, com o envolvimento da Unidade de Missão para a Capitalização das Empresas, chegam ao modelo de uma ‘plataforma’, como lhe chama o primeiro-ministro, para gerir os NPL.
De acordo com várias fontes contactadas pelo ECO, há três condições ou pressupostos implícitos na criação desta unidade de gestão, cujo modelo de governação está ainda por definir. Será um modelo privado, isto é, sem ajudas públicas, de base voluntária e não exclusiva de outras alternativas que possam surgir no futuro, até mesmo um ‘banco mau’ no quadro de uma solução europeia.
Na verdade, como refere outra fonte bancária ao ECO, o que era uma solução pensada para a banca e que teria de ter em conta a situação das empresas deu uma volta e passou a ser um plano que tem a recuperação das empresas como prioridade e que, por essa via, permite limpar o malparado dos bancos.
“É preciso identificar as empresas viáveis com um processo de reestruturação e quais não são e devem ir para uma falência rápida e ordenada”, disse uma fonte governamental ao ECO. Esta sociedade gestora deve ser uma plataforma de coordenação dos bancos e, sobretudo, criar os incentivos para ultrapassar o que é um problema hoje na recuperação de empresas: Quando há créditos cruzados, há bancos com mais garantia do que outros para recuperar os seus créditos, seja através de hipotecas ou de outras garantias reais. “Por vezes, os bancos mais protegidos têm mais interesse em ‘matar’ a empresa, mesmo quando é viável, e a deixar os bancos terceiros sem nada e é isso que temos de ultrapassar”.
A ideia do governo e do Banco de Portugal tem uma história, e um framework: o ‘London Approach’, um modelo desenvolvido pelo Banco de Inglaterra na década de 70 e, posteriormente, nos anos 90, e visava, precisamente, a reestruturação de dívidas empresariais de forma coordenada por parte dos bancos. Com outra garantia. A manutenção do financiamento necessário às empresas viáveis enquanto o processo de reestruturação e eventual venda a terceiros decorre.
A criação de uma sociedade gestora — que pode ter várias subunidades em função do tipo de NPL, isto é, imobiliário ou dívida empresarial, por exemplo — tem outro alcance. Não há um mercado de NPL, uma plataforma organizada em que potenciais investidores possam avaliar as oportunidades de investimento. Ou, por outras palavras, não há um mercado secundário de crédito malparado. E, por isso, também não há um preço para os NPL. O que há? A venda de crédito malparado em pacote, sem qualquer trabalho de análise, e a preço de saldo, com descontos significativos em relação ao valor a que estão no balanço dos bancos. Um gestor de um dos três bancos envolvidos nestas reuniões afirmou ao ECO que não está disponível “para vender créditos não pagos ou que não geram rendimento a um preço que, na prática, corresponde a uma transferência de valor para os fundos internacionais“. Já outra fonte, governamental, vai mais longe e afirma que “os fundos estrangeiros, depois de comprarem NPL em pacote, esventram os ossos e o que sobra fica para a Segurança Social portuguesa pagar”.
A convicção do Governo é que este modelo permite “fazer o diagnóstico, o prognóstico e a terapêutica”, as três condições para atrair novos investidores, com capital. Mas, além disso, é preciso criar os incentivos que levem os bancos a entrar de forma voluntária neste projeto, seja por via regulamentar, ou outra. Esta fonte lembra a aprovação, há algumas semanas, do Programa Capitalizar, com medidas que incentivam a reestruturação empresarial.
“É um momento de possível regeneração da economia portuguesa”, diz ao ECO uma fonte do governo que acompanha o dossiê. “É a possibilidade de sair da dependência de uns setores, como a construção, e desenvolver outros, de base tecnológica e com inovação. Além disso, tem outro potencial, o de aproveitarmos para qualificar a gestão das empresas portuguesas, para passarmos dos patrões aos gestores”.
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