Ana Gomes: Pedro Nuno Santos “há-de ser primeiro-ministro”

Em entrevista ao ECO, a eurodeputada socialista diz que o atual secretário de Estado chegará a líder do Governo no futuro. E confirma que o nome de Centeno foi falado para o Eurogrupo.

Ana Gomes, eurodeputada socialista, em entrevista ao ECO.PAULA NUNES / ECO

Ana Gomes garante que há interesse pela Geringonça em Bruxelas. Quer que esta continue a funcionar em Portugal, mas não vê que seja exportável para o contexto europeu das eleições de 2019. Federalista e socialista, a eurodeputada quer que a Europa aprofunde mas, que ao mesmo tempo haja um controlo democrático maior e mais sensível à crítica. Questionada sobre o processo de sanções a Portugal no verão de 2016, Ana Gomes diz que a expressão ‘soberania nacional’ é um “chavão”. E vê um futuro com evoluções para dois socialistas: Pedro Nuno Santos como primeiro-ministro, e Mário Centeno como presidente do Eurogrupo.

O Partido Socialista deve preservar a Geringonça nas próximas eleições?

Acho que o primeiro-ministro tem razão. É muito mais inteligente termos um Governo socialista coeso e com apoio parlamentar. Não me importaria que esse Governo tivesse contribuições dos partidos que nos apoiam no Parlamento. Mas ter o apoio parlamentar é essencial. Mais essencial ainda é o contacto permanente em que tem sido mestre o ministro Pedro Nuno Santos, do contacto com os parceiros…

Ainda é secretário de Estado…

Há-de ser primeiro-ministro. [Sobre a geringonça] Penso que é inteligente dizer isso mesmo antes de eleições porque, quanto mais alargada for a base do Governo em termos de apoio parlamentar, melhor.

O PS tem cortado a direita da discussão política?

Quem se excluiu de qualquer interação foi o Passos Coelho e o CDS, principalmente o PSD que enveredou pelo discurso do diabo que vinha aí. Está na linha do que fizeram no Governo. Nunca falaram com o PS. Faziam gala em ostracizar o PS.

Isso só vai mudar quando Passos Coelho deixar de ser líder do PSD?

Do meu ponto de vista, o PSD que o guarde. Acho que o PSD tem muita gente capaz, com diferentes sensibilidades das de Passos Coelho, e no Parlamento Europeu vemos isso. É uma questão interna decidirem quando é que se veem livres dele. Do ponto de vista de um partido diferente, quanto mais tempo lá o guardarem, melhor.

Ana Gomes, eurodeputada socialista, em entrevista ao ECO.PAULA NUNES / ECO

Acha que é possível haver uma Geringonça europeia à esquerda nas eleições de 2019? Esse método foi tentado para a eleição do presidente do Parlamento Europeu, em substituição de Martin Schulz, e falhou.

Nós dissemos: “Mais não!”. Vivemos ali espartilhados por um esquema que era de centrão anteriormente. Agora acabou-se isso. Embora, no Parlamento Europeu — como em qualquer Parlamento –, tenha de haver o mínimo de compromisso e de consenso para as coisas acontecerem. Ainda por cima num Parlamento que é tão diversificado — o que é bom — só se passam resoluções se houver compromisso. É evidente que este Parlamento é muito mais à direita do que era o Parlamento em que eu entrei, em 2004. Há um grupo de eurocéticos e anti-europeus muito mais fortes, que acabam com a sua própria retórica xenófoba por arrastar partes da direita tradicional, como o próprio PPE, para posições muito mais à direita.

É evidente que este Parlamento é muito mais à direita do que era o Parlamento em que eu entrei em 2004.

Ana Gomes

Eurodeputada socialista

Eu, no Parlamento Europeu, para conseguir coisas, falo com gente de todos os quadrantes políticos. Só não falo com a extrema direita da Le Pen, etc…. E faço acordos pontuais à esquerda e à direita, consoante há entendimentos. É assim que se opera no Parlamento Europeu, talvez mais do que no Parlamento nacional porque os assuntos são mais transversais. Muitas vezes, além da transversalidade em termos de famílias políticas, há transversalidade nacional, dos interesses nacionais.

O presidente dos socialistas europeus, Gianni Pittella, disse em entrevista ao ECO que a Geringonça não era exportável. Concorda?

Não acho que seja exportável. Mas sem dúvida que há interesse lá pela Geringonça. Ainda esta semana veio ver-me um líder italiano de um dos partidos dissidentes do Renzi, para falar comigo sobre como funciona a Geringonça. E, todos os dias, há perguntas de colegas à direita e à esquerda. Vejo que está a ser um modelo inspirador ou que muitos gostariam que fosse um modelo inspirador para muitos países, designadamente com soluções à esquerda. Também há um efeito surpresa positivo porque, aquela direita que estava contra a Geringonça, porque lhes parecia que era algo anti-europeia, hoje está rendida à evidência por causa dos resultados económicos e de ter havido a capacidade de, cumprindo as regras europeias — mesmo por estúpidas que sejam e discordâncias que haja — ao mesmo tempo, a situação anímica do país ter mudado porque foi devolvida a esperança e a confiança às pessoas. Estamos a crescer e a ir para lá dos objetivos, embora ainda tenhamos problemas que só podem ser resolvidos a nível europeu, como é o caso da dívida.

Num sistema federal e democrático obviamente que a crítica é mais do que lícita e indispensável.

Ana Gomes

Eurodeputada socialista

O que eu acho que poderia ser muito interessante a nível europeu era avançarmos com uma lista comum europeia, a par das listas nacionais. Aproveitando a saída dos deputados britânicos por causa do Brexit, para não se diminuir [o número de deputados] e ficar com o mesmo número de deputados, e garantir que aqueles que forem eleitos são-no através de uma lista transnacional europeia que represente todos os países.

Sou federalista e, cada vez mais, acho que precisamos de uma Europa integrada a todos os níveis, política e economicamente. Num sistema federal e democrático obviamente que a crítica é mais do que lícita e indispensável, e é evidente que é a crítica e o controlo democrático sobre instituições como a Comissão e o Conselho que é suposto o Parlamento fazer. Se há regras que são estúpidas é preciso dizer que são estúpidas.

Muitas das críticas têm como base a questão da soberania nacional…

Mas qual soberania nacional? Não há soberania nacional no mundo interdependente e globalizado em que vivemos. Quem lida com as questões da lavagem de dinheiro sabe perfeitamente que não há soberania nacional. É um chavão. A soberania nacional é, de facto, a defesa do interesse público, que pode ser local, regional, nacional ou europeu. E todos se reforçam entre si. É ao nível europeu que vamos poder ser eficazes neste mundo globalizado e interdependente.

Não há soberania nacional no mundo interdependente e globalizado em que vivemos.

Ana Gomes

Eurodeputada socialista

Mas não acha que a questão das sanções que se colocou no verão passado não é um desses casos de soberania nacional?

Aí está um conjunto de medidas absurdas que conseguimos evitar graças a uma grande mobilização nacional que conseguiu convencer Bruxelas — e no Parlamento Europeu também — que aquilo era anti-europeu. As ditas sanções europeias eram anti-europeias. Foi isso que nós conseguimos fazer ver, aliás, com uma convergência nacional notável. Não é por criticar a Europa que se é anti-europeu. Se calhar a Europa precisa de mais crítica, que é legítima e necessária.

Comissão quer formalizar o Eurogrupo, no âmbito das suas propostas para o futuro da Europa, e até levar o seu presidente a depor no Parlamento Europeu. É uma melhoria ou uma intrusão maior na soberania nacional?

Acho que a Comissão fez mal em apresentar os cinco cenários. Não é esse o papel da Comissão. A Comissão é guardiã e motor do processo europeu. Essa apresentação dos cinco cenários é uma demonstração de fraqueza da atual Comissão. No Parlamento Europeu estamos de acordo com a medida. A formalização prática do Eurogrupo dá-lhe o que hoje não tem, que é o escrutínio democrático. O Eurogrupo não tem existência formal sequer. Aí tem toda a razão o Varoufakis [ex-ministro das Finanças grego]. O Eurogrupo é quase uma coisa clandestina. Não há controlo democrático efetivamente e, por isso, nós no Parlamento Europeu há muito tempo que dizemos que queremos controlo democrático sobre o Eurogrupo. Nesse sentido, é perfeitamente lógica a proposta de que seja o comissário responsável do setor, neste caso Moscovici [comissário europeu para os Assuntos Económicos], a ser o presidente.

Essa medida é uma das propostas para o longo prazo, entre 2020 e 2025. Até lá, vê a hipótese de Centeno ser o presidente do Eurogrupo? Isso tem sido falado?

Tem.

Paulo Rangel disse que isso é uma ilusão criada dentro de Portugal.

Não, não é verdade. Tem sido falado.

Por quem?

Pelo próprio Eurogrupo. Por um lado, com o bom resultado de Portugal que nos pôs em destaque, o que deu credibilidade ao ministro Centeno. Por outro, porque Dijsselbloem vai à vida e já devia ter ido. Depois, por causa dos equilíbrios de famílias políticas e de países. Vai-lhe cair a bola nas mãos… Isso não é negativo para Portugal, nem irrelevante ser alguém com a sensibilidade de um país que atravessou o que o nosso atravessou, e de um Governo como este, que está naquela posição, tal como não era irrelevante ter um lacaio do senhor Schauble, o Dijsselbloem, naquele mesmo papel. Mas, realmente em termos europeus, o que faria diferença — e que seria um passo no bom sentido –, era partir desse estatuto informal do Eurogrupo para um estatuto formal. Aí sem dúvida devia ser o responsável da Comissão a assumir a presidência.

Pode tornar-se realidade?

Pode, perfeitamente. Qual é o drama?

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