Universidades são mais importantes para o investimento do que incentivos fiscais
Nos últimos 20 anos houve um grande investimento no ensino superior que criaram fortes ecossistemas de inovação em que as universidades são nucleares.
Em 2016, a Veniam foi considerada pela cadeia televisiva norte-americana CNBC uma das 50 startups mais disruptivas do mundo. Mas se esta distinção tem repercussão mediática, mais importante para a empresa foi o contrato assinado com a StarHub, o segundo maior operador de telecomunicações de Singapura, com o objetivo de instalar redes móveis sem fios (WiFi hotspots) em milhares de veículos que circulam nesta cidade-Estado.
Criada em 2012 por João Barros, da universidade do Porto, e Sandra Sargento, da Universidade de Aveiro — e incubada no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC) –, ganhou músculo financeiro em 2014 , quando Robin Chase e Roy Russell, fundadores e CEO e CTO da Zipcar, a maior empresa de carsharing do mundo, investiram na portuguesa com o objetivo de a expandir ao mercado norte-americano, tendo passado a sede para Mountain View, em pleno Silicon Valley, mantendo os seus laboratórios de desenvolvimento no Porto e Aveiro.
Em fevereiro de 2016, a Veniam captou um investimento de 22 milhões de dólares (cerca de 20 milhões de euros) de um consórcio liderado pela Verizon Ventures, com a participação da Cisco Investments, Orange Digital Ventures, Yamaha Motor Ventures e Liberty Global. Conta hoje com mais de 50 empregados, 30 engenheiros e dez doutorados.
A Veniam desenvolve soluções para a internet em movimento. Ao transformar todo e qualquer veículo num hotspot WiFi, as soluções da Veniam permitem implementar redes veiculares à escala urbana, ampliando a cobertura de internet sem fios e levando terabytes de dados urbanos do mundo físico para a nuvem.
Curiosamente, o seu primeiro cliente foi o Porto de Leixões porque, como explicou João Bento, ao Jornal de Negócios, “a solução da Veniam, que permite ligar essas máquinas e veículos uns aos outros, é a única que consegue dar uma cobertura a 100%, o que permite aos portos de mar efectuar as suas operações de forma mais rápida e segura. Do ponto de vista económico, é muito importante porque um terminal de contentores é medido sobretudo pela capacidade de carregar e descarregar navios com a máxima velocidade. Ao permitir uma coordenação, em tempo real, melhor entre todas essas máquinas e veículos conseguimos contribuir com um aumento grande para a produtividade dos portos e terminais”.
Os componentes de hardware, software e cloud da Veniam correm atualmente na maior rede veicular do mundo no Porto, incluindo táxis, camiões do lixo e toda a frota de autocarros do Porto, em Portugal, oferecendo WiFi grátis a 115.000 utilizadores ativos. “A Veniam é um excelente exemplo de como se pode passar de teoremas matemáticos e algoritmos, ainda bastante abstractos, para um protótipo, um sistema de conceito, um produto e um negócio”, diz João Barros. E a este modelo de inovação estrutural podem juntar-se vários exemplos de inovação incremental mas que tem um grande impacto.
A rede de universidades e polos tecnológicos
De facto, nos últimos 20 anos houve um grande investimento no ensino superior que criaram fortes ecossistemas de inovação em que as universidades são nucleares. Estão ancorados nomeadamente nas duas universidades públicas (Universidades de Minho e Porto) e nos três institutos politécnicos (Institutos Politécnicos de Viana do Castelo, Ave e Cávado e Porto), além de universidades privadas como a Católica, Portucalense, Europeia, CESPU. Em paralelo, os programas estruturais para a Ciência e Tecnologia (C&T), o aumento muito significativo dos financiamentos nacionais para C&T e as oportunidades abertas pela cooperação científica e tecnológica europeia contribuíram para o desenvolvimento de uma rede de centros de investigação de elevada qualidade. E tudo porque também se tem vindo a desenvolver uma rede de colaborações, sem paralelo no país, entre o tecido empresarial, os Centros de Conhecimento e as entidades de transferência de tecnologia.
Um projecto interessante e que demonstra esta crescente impregnação entre a indústria e o I&D é o ItechInovCar, uma parceria entre a Simoldes Plásticos, o Citeve e o CeNTI da Universidade de Aveiro, e que trata da integração de eletrónica impressa (sensorização/iluminação) durante o processo de injeção, tendo vencido os prémios People’s Choice Award, na categoria Miscellaneous, dos FESPA Awards 2015 (a maior feira mundial focada em tecnologias de estamparia têxtil e digital de grande formato) e o TechTextile 2015 na categoria Produtos. Esta aplicação permite, por exemplo, que se dê um alerta de perigo (de forma luminosa) no momento do “ângulo morto”, situação em que momentaneamente o condutor de um automóvel deixa de conseguir ver pelo retrovisor. Esta tecnologia pode ser aplicada na abertura e fecho de vidros de portas.
Como se referia nos objetivos para o financiamento do Compete 2020, “o objetivo fundamental do projeto iTechInovCar é o desenvolvimento de soluções inovadoras de iluminação e sensorização – atuação para o interior automóvel utilizando novos métodos de integração e recorrendo a novas tecnologias de eletrónica impressa e embebida. Pretende-se desta forma, responder às tendências atuais de evolução do setor automóvel nomeadamente, no que diz respeito à redução de número de componentes/peças injetadas, diminuição do peso, flexibilidade do design e redução de tempo/custo do processo /integração”.
As tecnologias são transversais aos negócios
A Sonae é uma multinacional portuguesa que gere um portefólio de empresas nas áreas de do retalho, serviços financeiros, tecnologia, centros comerciais e telecomunicações, tendo ainda negócios na indústria das madeiras, de onde Belmiro de Azevedo partiu para fazer o grupo gerido pelo filho Paulo Azevedo, e no turismo e imobiliário através da Sonae Capital.
Este grupo relacionou-se desde muito cedo com as tecnologias: tendo sido importador da Apple, tentou lançar o minitel (uma espécie de internet Internet francesa), e criou empresas como a Enabler, depois vendida à multinacional Wipro (Índia). Manteve sempre um núcleo de empresas tecnológicas ligadas ao retalho e às telecomunicações, sempre com vocação internacional.
Recentemente, a sua estratégia tem sido de reforço. Tem empresas como a Saphety, que é líder em soluções purchase-to-pay, otimização de processos, sincronização de dados e sincronização de media, a Bizdirect, que comercializa de soluções de IT, na gestão de contratos empresariais e na integração de soluções de negócio tecnológicas da Microsoft (e tem mais de 500 clientes activos, e exporta para 28 países), a S21sec e a SysValue, oferecem estão na área da cibersegurança, a Movvo — que disponibiliza um sistema de informação em tempo real, que tendo por base as frequências radio rádio emitidas pelos dispositivos móveis –, e a InovRetail, que tem como negócio principal o desenvolvimento de ferramentas analíticas avançadas, focadas em apoiar retalhistas na tomada de decisão e na melhoria do desempenho. Fundada em 2004, no Brasil, a Tlantic foca-se em atingir elevados níveis de otimização e em melhorar a eficácia na gestão de lojas de retalho. Criou ainda uma espécie de acelerador de startups, a Bright Pixel.
Recentemente adquiriu, aliada a outros investidores, três fundos de capital de risco do Novo Banco, passando a ter, através da Armilar Venture Partners, participações relevantes em empresas de base tecnológica, como a Outsystems e a Feedzai num montante da ordem dos 200 milhões de euros.
A Outsystems, criada em 2001, é uma multinacional portuguesa que desenvolve tecnologia para uso empresarial e que, no início do ano, recebeu um investimento de 55 milhões de dólares (cerca de 50 milhões de euros) da empresa de capital de risco americana North Bridge, tendo tido uma faturação de 100 milhões de dólares em 2016.
Já a Feedzai desenvolve tecnologia para proteção de dados e combate à fraude em pagamentos e transações financeiras, tendo recebido novos investidores, como o fundo norte-americano Oak HC/FT. Estas empresas nasceram para os mercados globais, tal como a WeDo Technologies, a estrela das tecnológicas da Soane, que é líder mundial em Enterprise Business Assurance, fornecendo software e consultoria especializada para a análise inteligente de grandes quantidades de dados, com o objetivo de ajudar a anular ou a minimizar ineficiências operacionais ou de negócio, e permitir níveis elevados de retorno do investimento, por via da proteção de receitas e/ou poupanças de custos. A WeDo Technologies trabalha com algumas das empresas globais mais reconhecidas dos setores das telecomunicações, da distribuição, da energia e da saúde. A WeDo tem mais de 600 profissionais altamente muito qualificados, e as suas soluções de software estão instaladas em 170 clientes, espalhados por 96 países. Tem 10 escritórios e fatura 56,7 milhões de euros.
Em Braga, no Porto e nas suas órbitas existem polos dinâmicos de empresas de software e serviços informáticos organizados em torno de empresas de software empresarial, multimédia e serviços informáticos e de consultadoria em telecomunicações. Este dinamismo pode ser ilustrado pelo caso da Pathena, um fundo de investimento em tecnologias de informação criado por António Murta e Jorge Brás.
Em 2013, lançaram um fundo de 56 milhões de euros que hoje tem um portefólio de empresas, grande parte delas situadas neste eixo Porto-Braga mas também Lisboa e Alemanha: CardMobili, NMusic, Exago, Stemmatters, Vortal, i2S, TNI medical AG, 360imprimir, Brisa Innovation e ebankIT são algumas delas. Mas, segundo António Murta, a sua filosofia de investimento nas startups da era digital. “O que conta não é o monte de notas ou quantidade de zeros, mas a qualidade e experiência do investidor, a sua capacidade para interferir e melhorar o modelo de negócio e a cadeia de valor”.
Os primeiros medicamentos portugueses
O Zebinix(R)/Aptiom(R) (acetato de eslicarbazepina) para o tratamento da epilepsia foi o primeiro medicamento a ser desenvolvido por uma empresa portuguesa, a Bial, e que hoje é comercializado em todo o mundo. Em 2015, a Bial apresentou o Opicone (catecol-O-metiltransferase), o seu segundo medicamento, agora para a doença de Parkinson, à aprovação pela Agência Europeia do Medicamento, após os resultados positivos do ensaio clínico, que envolveu 600 doentes de Parkinson, em 106 centros de estudo em diferentes países europeus. A Bial é uma empresa farmacêutica que está hoje presente em 54 países diferentes, incluindo os EUA.
Em 2003, surgiu o i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto) com um protocolo de cooperação entre o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB) e o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular (Ipatimup), que se viria a confirmar a 28 de janeiro de 2008. Neste ano, a Bial esteve juntamente com o consórcio i3S, formado pelo IPATIMUP, IBMC e INEB, a Hovione entre outras instituições, a lançar o Health Cluster Portugal – Associação do Pólo de Competitividade da Saúde, que hoje conta com mais de 170 associados. Já em 2016 este consórcio, que agrega mais de 1000 colaboradores, 800 dos quais cientistas em áreas como cancro, neurobiologia e doenças neurológicas e interação e resposta do hospedeiro, passou a ocupar um edifício de raiz no campo universitário da Asprela com 18 mil metros quadrados.
As startups multiplicaram-se em torno das Universidades do Minho, do Porto e de Aveiro: casos como a Stemmatters Biotecnologia e Medicina Regenerativa (Guimarães), a Medmat Innovation – Materiais Médicos (Maia), a Fluidinova– Engenharia de Fluidos (Maia), a Bioinstrument – Consultadoria e Desenvolvimento de Projetos Bioquímicos (Porto), a Biosurfit (Aveiro), a Biodevices – Sistemas de Engenharia Biomédica (Porto), a Genetest – Prestação de Serviços de Testes de Diagnóstico Genético (Porto); a Medchronic – sistemas de monitorização cardiometabólica continuada, com recurso a cloud computing (Porto); a Allert Life Sciences Computing (Vila Nova de Gaia), com produtos para gestão clínica e hospitalar, a iM3DICAL – Soluções de workflow para imagiologia médica (Porto) ou a FIrst Solutions (Porto) são casos bem sucedidos. Uma única empresa multinacional a integrar este protocluster: a belga Ablynx S.A. (Porto).
O roteiro das universidades
João Barros da Veniam diz que, “mais do que os impostos ou os políticos, o importante para a atração de investimento são as universidades”. A região de Entre Douro e Minho conta atualmente com um arsenal de massa cinzenta muito relevante para o futuro.
A Universidade do Porto é composta por 14 faculdades — Arquitetura, Belas Artes, Ciências, Ciências da Nutrição e Alimentação, Desporto, Direito, Economia, Engenharia, Farmácia, Letras, Medicina, Medicina Dentária, Psicologia e de Ciências da Educação e Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar) e uma business school (Porto Business School) — e participa em 51 Instituições de I&D: nove Laboratórios Associados e 42 Unidades de I&D financiadas plurianualmente pelo FCT, sendo um dos maiores produtores de Ciência em Portugal, já que é responsável por mais de 20% dos artigos científicos portugueses indexados anualmente na ISI Web of Science.
Por sua vez, a Universidade do Minho possui uma oferta de cursos que inclui 40 licenciaturas e mestrados integrados (cerca de 120 mestrados) e 40 cursos de doutoramento, oferecendo ainda uma variedade de cursos de formação especializada e de estudos avançados. Tendo em vista o reforço do empreendedorismo e a inovação, no entorno da Universidade do Porto, merece destaque o INEGI – Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), e o INESC – Porto.
A Universidade do Minho integra cinco Laboratórios Associados: o I3N (Institute of Nanostructures, Nanomodelling and Nanofabrication), o IBB (Institute for Biotechnology and Bioengineering), o ICVS/3Bs, o INESC-TEC, o LIP (Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas), o IICVS – Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde e o se o CENTI – Centro de Nanotecnologias e Materiais Técnicos, Funcionais e Inteligentes, entre muitos outros centros. Conta com a TecMinho (gabinete de transferência de tecnologia), a SpinPark (incubadora tecnológica) ou o AvePark (parque de ciência e tecnologia).
Criado em dezembro de 1994 e localizado em Barcelos, o Instituto Politécnico do Cávado e Ave está organizado em duas escolas: Escola Superior de Gestão e Escola Superior de Tecnologia. O Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) surgiu em 1980 e está organizado em seis escolas: Escola Superior Agrária (em Ponte de Lima); Escola Superior de Ciências Empresariais (em Valença); Escola Superior de Desporto e Lazer (em Melgaço); Escola Superior de Educação (em Viana do Castelo); Escola Superior de Saúde (em Viana do Castelo); Escola Superior de Tecnologia e Gestão (em Viana do Castelo).
O Instituto Politécnico do Porto (IPP) é composto por sete unidades orgânicas: ISEP – Instituto Superior de Engenharia; ISCAP – Instituto Superior de Contabilidade e Administração; ESE – Escola Superior de Educação; ESMAE – Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo; ESEIG – Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão; ESTGF – Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras; ESTSP – Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto.
O IPP dispõe de 25 centros e grupos de investigação científica distribuídos pelas suas sete unidades orgânicas, participando em muitos projetos de I&D nacionais e internacionais e obtendo um assinalável reconhecimento científico pela sua produção científica.
O Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa é composto por 8 Unidades Académicas e uma Business School. As suas áreas atravessam todas as grandes áreas científicas desde as Artes e Humanidades (Faculdade de Teologia, Escola das Artes e o Instituto de Bioética), as Ciências Sociais e o Direito (Faculdade de Educação e Psicologia, Faculdade de Direito e Faculdade de Economia e Gestão), Engenharia, Indústrias Transformadoras e ainda Agricultura (Escola Superior de Biotecnologia), Saúde e Proteção Social (Instituto de Ciências da Saúde). Outros centros tecnológicos e de engenharia como o Centro para a Excelência e Inovação da Indústria Automóvel (CEIIA), Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), Centro de Energia das Ondas – Wave Energy Centre (WAvEC) e Parque de ciência e tecnologia da Maia (TECMAIA).
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