Habilidade, novidade ou trivialidade? A promessa de Centeno sobre o IRS
Centeno prometeu um alívio fiscal no IRS para todos os escalões em 2018, depois de referir a sobretaxa. O que quis dizer? O ECO explica as nuances da promessa do ministro das Finanças.
É o tema mais quente do Orçamento do Estado para o próximo ano: as alterações nos escalões do IRS. Os parceiros do Governo têm pressionado para haver um alívio maior do que os 200 milhões de euros inicialmente fixados. Este domingo Mário Centeno garantiu um desagravamento fiscal para todos os escalões no próximo ano, ressalvando que a fórmula final não esteja fechada. Mas o que realmente significa esta promessa?
O ministro das Finanças, em entrevista à RTP1, após a melhoria do rating de Portugal pela agência de rating S&P, garantiu ser uma “certeza” que a carga fiscal, “em particular nos rendimentos do trabalho”, vai descer em 2018. “Não tenho dúvida nenhuma que a melhoria das condições económicas em Portugal permite que isso aconteça”, argumentou. Uma das formas que Centeno vai atingir essa meta é através das alterações no IRS que, no entanto, ainda estão em discussão com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.
“A fórmula neste momento ainda não está fechada — está em análise — mas o objetivo é inequívoco: vamos trazer um alívio adicional. A sobretaxa vai ser totalmente eliminada. Portanto, até diria que todos os escalões de IRS vão sofrer um desagravamento fiscal no próximo ano“, afirmou o ministro das Finanças. Uma declaração prontamente criticada pela oposição: tanto Passos Coelho como Assunção Cristas acusam Centeno de eleitoralismo.
A sobretaxa do IRS
Existem várias nuances nestas declarações. Uma delas foi apontada pelo líder do PSD esta segunda-feira: “O que o ministro das Finanças queria dizer é que iria finalmente cumprir o seu compromisso de que a sobretaxa de IRS desaparecesse até ao final do ano, não é nenhuma novidade”. Pedro Passos Coelho classificou a frase de Centeno de “habilidadezinha de comunicação” ao anunciar alívio fiscal “que não o é”. Em causa está a eliminação gradual da sobretaxa do IRS — que está a ser executada este ano — e que Centeno refere na entrevista, imediatamente antes de “anunciar” um desagravamento fiscal em todos os escalões do IRS.
Ou seja, apesar desta medida ser do OE 2017, o reflexo integral no bolso dos contribuinte só acontecerá em 2018. Isto acontece por causa do calendário estabelecido pelo Executivo: os contribuintes do terceiro escalão deixaram de pagar em julho. Já os contribuintes do quarto e quinto escalão terão de pagar sobretaxa até ao final de novembro, pelo que vão sentir o desagravamento essencialmente no próximo ano.
1,6 milhões de contribuintes
O número até era maior, mas foi corrigido por Pedro Nuno Santos. Em vésperas de reiniciar as reuniões com PCP e BE, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares prometeu que o alívio fiscal do OE 2018 vai beneficiar 1,6 milhões de agregados. Ainda que não tenha dado mais pormenores, as notícias reveladas nas últimas semanas apontam em duas direções: um aumento do mínimo de existência e um desdobramento do segundo escalão (e talvez do terceiro escalão).
A primeira medida irá, segundo o Diário de Notícias, aumentar o limiar a partir do qual não há cobrança do impostos dos 8.500 euros anuais para os 8.850. O Expresso tinha revelado números semelhantes, onde a isenção chegava aos contribuintes que têm rendimentos até 630 euros mensais. A subida do mínimo de isenção vai favorecer parte dos contribuintes do 1.º escalão, uma possibilidade revelada por Mariana Mortágua ao ECO após uma reunião com o Governo. Em causa estava uma preocupação da esquerda de não deixar de fora “os mais pobres dos mais pobres”.
Para os escalões seguintes fica a dúvida de como será aplicada a fórmula do alívio fiscal que tanto o Governo como os parceiros parlamentares dizem não estar fechada. Caso o desdobramento do segundo escalão (ou mesmo do terceiro escalão) seja aplicado sem nenhuma outra alteração, os escalões mais altos também vão sentir um desagravamento fiscal. Contudo, tanto o Executivo como o BE garantem que existem formas de travar os benefícios nos escalões superiores, tornando o efeito neutro.
Este efeito nos escalões superiores tinha sido levantado pelo fiscalista Manuel Faustino, ainda em agosto. O PCP também admitiu, pouco tempo depois, que a criação do novo escalão do IRS no OE 2017 foi negociada, mas acabou por ser adiada por beneficiar os contribuintes com rendimentos mais elevados.
Haverá mesmo um alívio fiscal no IRS para todos os escalões?
A resposta à pergunta levantada vai, por isso, depender da fórmula final de alívio fiscal nos escalões do IRS que vier a ser aprovada no Orçamento do Estado para 2018.
Ainda que isso aconteça pelo lado da sobretaxa, essa é uma medida do OE 2017. Na verdade, já levou a um desagravamento fiscal integral, durante todo o ano, no primeiro e segundo escalão do IRS. Os outros escalões é que sentirão a maior parte do alívio fiscal pela eliminação da sobretaxa no próximo ano.
Para que haja um alívio fiscal em todos os escalões do IRS no próximo ano, através do OE 2018, a solução aprovada no Parlamento terá de excluir mudanças que tornariam neutro o efeito do desdobramento dos escalões. Esta medida tem um efeito dominó porque, uma vez que o IRS é um imposto progressivo, afeta todos os escalões acima. Por outro lado, o aumento do mínimo de existência levaria a um alívio parcial no primeiro escalão.
Ainda esta segunda-feira Ricardo Mourinho Félix meteu água na fervura, depois das declarações do ministro. O secretário de Estado Adjunto e das Finanças admitiu, em entrevista ao ECO, que se o Governo for “além dos 200 milhões no IRS, algo vai ter de deixar de ser feito, ou há eficiências que vão ter de ser encontradas para compensar qualquer valor que esteja acima dos 200 milhões”. Mourinho Félix afirmou que o Governo tem “a noção de que essa progressividade tem limites e tem efeitos sobre os incentivos das famílias e dos trabalhadores…”
Conclusão: A frase “todos os escalões de IRS vão sofrer um desagravamento fiscal no próximo ano” é verdadeira, mas não é propriamente uma novidade já que o compromisso da sobretaxa vem desde o Orçamento de 2017. A não ser que Centeno resolva no Orçamento para 2018 baixar as taxas marginais nos primeiros escalões, sem colocar um travão nos escalões mais elevados, que acabariam indiretamente por beneficiar desse efeito de arrastamento.
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