É meio economia, meio psicologia. O Nobel visto pelos economistas portugueses
Richard Thaler reuniu o consenso da Academia Sueca para o Nobel da Economia. E por cá, como é que os economistas portugueses o veem?
O Prémio Nobel da Economia deste ano foi para Richard H. Thaler graças ao seu trabalho na área da economia comportamental. Trata-se de uma linha de pensamento que deita por terra a ideia de que os agentes económicos são puramente racionais. São humanos e, por vezes, agem de forma irracional.
E ainda que tenha reunido o consenso da Academia Sueca, como é que os economistas portugueses o veem? O ECO foi falar alguns economistas da mesma área de trabalho para tentar perceber se o prémio foi ou não uma surpresa e qual a relevância deste trabalho.
Qual a importância da economia comportamental?
Ainda que diga que esta área “não resolve os grandes desequilíbrios”, João César das Neves, economista e professor universitário, considera que é muito importante na gestão do dia-a-dia. “Ao estudar as exceções ao princípio geral, pode evitar desequilíbrios que acontecem nas finanças, nos mercados de valores, no endividamento das família, entre outros.” O facto de ter em conta “as preocupações, tentações e tantas situações que nos influenciam” consegue ilustrar o que acontece verdadeiramente nas nossas vidas.
"Não é revolucionária porque, além de introduzir algum realismo à ação humana, acaba por ser compatível com os programas dominantes.”
O desafio ao conceito de homo economicus e a abordagem ao lado humano do ser humano são também os aspetos mais sublinhados por Ana Cordeiro Santos, investigadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que relembra que esta área já tinha sido laureada em 2002, mas ganha assim “com a consolidação”.
“Não é revolucionária porque, além de introduzir algum realismo à ação humana, acaba por ser compatível com os programas dominantes”, garante a investigadora. “É algo que no fundo acrescenta sem pôr em causa”. É aí, nesse diálogo com a psicologia que esta área da economia se tem vindo a desenvolver.
Foi também com “grande satisfação” que o economista Paulo Trigo Pereira recebeu a notícia do nome do laureado com o Nobel da Economia este ano. “Este economista insere-se num conjunto economistas e de críticos a uma abordagem económica muito neoclássica que considera que os agentes são racionais, egoístas e capazes de fazer um cálculo completamente racional na abordagem das situações”, disse.
“O Nudge [uma das obras de maior sucesso de Richard H. Thaler] parte um bocadinho dessa perceção de que os cidadãos têm emoções, têm normas sociais e, portanto, a forma de lidar com eles tem de tomar isso em consideração. Há pequenas coisas, por exemplo na relação entre o Estado e os cidadãos, que alteram o comportamento e a resposta dos cidadãos a determinadas coisas. Isto começou nos Estados Unidos e foi importado pela Inglaterra”, acrescentou.
Surpresa? Nem por isso
“Não posso dizer que tenha sido uma surpresa, era algo que já se esperava pela afirmação da disciplina”, garante Ana Cordeiro Santos. A investigadora considera também que “o reconhecimento público através do prestígio e da divulgação do seu trabalho”, faz com que este seja um nome significativo, mas não surpreendente na lista dos laureados com o tão desejado Nobel.
"Surpreendeu o facto de ele ter ganhado sozinho, porque ele tem alguns colegas que trabalham com ele. Até agora tinham ganho figuras tão marcantes como ele e da mesma área, mas receberam prémios conjuntos.”
Para César das Neves, há surpresa, mas não no nome. “Surpreendeu o facto de ele ter ganho sozinho, porque ele tem alguns colegas que trabalham com ele”, justifica o economista. “Até agora tinham ganho figuras tão marcantes como ele e da mesma área, mas receberam prémios conjuntos.” No entanto, não será a singularidade que lhe tirará o prestígio.
Pouco conhecida mas emergente
Ao ECO, Paulo Trigo Pereira considera que que a área da economia comportamental é “relativamente nova”, mas que “já está consolidada”. “Quando se dá um prémio Nobel, há sempre duas ideias estruturais: a primeira é ‘está área já está suficientemente consolidada para merecer um prémio Nobel’. A segunda é a de que é importante que ela se desenvolva no futuro. Muitas vezes há estas duas ideias associadas a um prémio Nobel e acho que é o caso”, defendeu.
A ideia de consolidação é também afirmada por Ana Cordeiro Santos, que reitera que a decisão da Royal Swedish Academy of Science reconhece áreas já estabelecidas. Ainda que se tenha vindo a afirmar desde o seu surgimento, “esta ainda é relativamente marginal porque se vêm construindo num diálogo com as ciências sociais”. Inclui-se também aí a política, como já foi testado por David Cameron e Barack Obama. Thaler foi consultor do Governo de Cameron e o seu coautor do antigo presidente norte-americano.
E se Paulo Trigo Pereira considera que o desenvolvimento desta área virá no futuro, César das Neves garante que é nos instrumentos do futuro que esta disciplina pode encontrar o seu lugar. “Com as novas economias virtuais a surgir, a economia comportamental poderá vir a resolver muitos desequilíbrios”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
É meio economia, meio psicologia. O Nobel visto pelos economistas portugueses
{{ noCommentsLabel }}