Os cinco desafios de Centeno à frente do Eurogrupo
Mário Centeno tem dois anos e meio para dar passos de gigante na política europeia. É preciso avançar com a reforma das instituições, completar a união bancária e fechar o programa grego com sucesso.
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, vice-presidente, e Pierre Moscovici, comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros tiveram um ponto em comum nas suas reações à eleição de Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo: os três sublinharam os desafios que esperam o governante português nos próximos dois anos e meio. Não será por acaso — as tarefas passam por dar passos enormes na construção europeia. E a margem para errar é curta.
A 13 de janeiro de 2018 Mário Centeno arranca oficialmente o seu mandato como presidente do Eurogrupo. Como líder dos ministros das Finanças da moeda única, o governante português estará no epicentro da política europeia durante os próximos dois anos e meio. É verdade que a crise económica já foi dada como vencida, mas isso não lhe tornará a tarefa mais simples: é que o euro não se pode dar ao luxo de perder a atual janela de oportunidade, aberta pelo crescimento, para se tornar mais forte.
No Twitter, pouco depois de revelado o resultado das votações dos 19 ministros das Finanças, Valdis Dombrovskis resumiu o que espera Centeno: “Muito trabalho pela frente: aprofundamento da União Económica e Monetária, começar a completar a União Bancária, lançar a União dos Mercados de Capitais, conclusão bem-sucedida do programa da Grécia e muitos outros desafios.”
Tweet from @VDombrovskis
Moscovici tocou nos mesmos pontos-chave, notando que Centeno “terá de dirigir o trabalho do Eurogrupo no aprofundamento da união económica e monetária, e assegurar uma conclusão suave do programa de ajustamento grego”. Mas Juncker somou o ponto que faz subir a pressão: não basta avançar, é preciso fazê-lo em tempo útil — enquanto “o forte crescimento económico concede uma oportunidade” — e não de qualquer forma — tem de ser de modo a que “funcione para todos os europeus”. As palavras foram deixadas numa carta enviada ao ministro português, divulgada no Twitter.
Tweet from @JunckerEU
É só isto. Mas este só é muito, como mostra uma análise mais fina dos desafios enunciados e como evidenciam as palavras do próprio Jeroen Dijsselbloem, que sairá do cargo de presidente do Eurogrupo a 12 de janeiro, esta segunda-feira à noite, já depois das votações.
Temos de ter cuidado para não colocar apenas um calendário, em cima de um calendário, em cima de um calendário.
“O que precisamos de fazer é preparar um processo de decisão para junho do próximo ano e uma forma possível de o fazer seria acordar um calendário para o aprofundamento da união monetária”, disse o ainda presidente do Eurogrupo. “Dito isto, temos de ter cuidado para não colocar apenas um calendário, em cima de um calendário, em cima de um calendário”, avisou. E marcou o primeiro objetivo: “Em junho do próximo ano” deveria haver também “algumas decisões, se possível, sobre os primeiros passos”. Aqui joga-se nada mais, nada menos, que a “credibilidade de todo o processo”, argumentou.
Os cinco desafios
1 – Aprofundar a União Económica e Monetária
“Não é apenas um aprofundamento, é mais do que isso, é uma reforma”, nota Paulo Sande, professor e ex-diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, em declarações ao ECO. O que aí vem é um conjunto de alterações ao modo de funcionamento das instituições europeias e, na verdade, do próprio Eurogrupo, explica. Esta reforma será “inevitavelmente assumida pelo próximo presidente do Eurogrupo”, adianta.
A 6 de dezembro, na próxima quarta-feira, as propostas serão concretizadas pela Comissão Europeia. Mas os objetivos já têm vindo a ser enunciados. A 31 de maio Pierre Moscovici apresentou as linhas fundamentais do que os comissários sugerem para a união monetária, com medidas para o curto prazo e para o médio prazo.
Desde logo, está em causa a ideia conhecida de criar a figura de um ministro das Finanças para a zona euro, que resultaria da fusão do papel de presidente do Eurogrupo, com o de comissário europeu. O objetivo será formalizar o papel que tem vindo a ser desempenhado pelo líder das Finanças da moeda única, ao mesmo tempo que a função se submete a uma maior transparência e controlo democrático. Numa certa medida, “Centeno preside à extinção do cargo de presidente do Eurogrupo como o conhecemos”, resume Paulo Sande.
Em entrevista ao ECO, Moscovici explicou que o que se pretende com o futuro cargo é uma “validação democrática da zona euro”, submetendo o futuro ministro das Finanças do euro ao controlo do Parlamento Europeu, porque “não podemos tomar decisões importantes, como tomamos, sem controlo democrático”.
É que o Eurogrupo não está formalmente constituído nos tratados da União Europeia — é fundamentalmente um grupo de reunião informal. Contudo, durante o período da crise financeira, de dívidas soberanas e económica, ganhou um forte poder de decisão, agindo em contrarrelógio e tomando decisões determinantes para o futuro dos países, das quais o apoio de emergência à Grécia é apenas um exemplo.
Mas a criação de um ministro das Finanças do euro é apenas um exemplo do que aí vem. Há muito mais: está em causa a possibilidade da criação de um Tesouro europeu, com um Fundo Monetário Europeu, criado à semelhança do Fundo Monetário Internacional. Há ideia do seguro europeu de desemprego, ou ainda a possibilidade de, no futuro, avançar para um ativo seguro da zona euro.
E o problema é que os países não estão todos de acordo sobre que medidas devem avançar, e em que moldes.
Por exemplo, Jeroen Dijsselbloem lembrou esta segunda-feira que os países não estão todos de acordo sobre a necessidade de mais instrumentos orçamentais. E que embora haja consenso sobre a excessiva complexidade das regras orçamentais, não se tem conseguido avançar desse ponto. O ainda presidente do Eurogrupo sugeriu que “uma forma possível de avançar seria pedir a um grupo de trabalho de peritos independentes que apresentasse um conjunto de propostas”.
Este é assim apenas um dos pontos em que a “agenda de consenso” com que Centeno diz ter-se candidatado a presidente do Eurogrupo será posta à prova.
2 – Avançar na União Bancária
É outro dossiê em aberto. Centeno terá como missão encontrar o caminho comum entre os 19 países do euro que permita avançar com a união bancária e esbater as diferenças no acesso ao financiamento que ainda persistem para as empresas e cidadãos do espaço único monetário.
Em meados de novembro, num discurso preparado para levar ao College of Europe, em Bruges, Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, sintetizou o que, no seu ponto de vista, falta concretizar em termos de união bancária. Lembrou que falta uma rede comum de segurança (backstop) para o Fundo Único de Resolução (o fundo que resgata os bancos em dificuldades) e argumentou que este travão é fundamental para credibilizar o fundo.
Além disso, frisou a importância do Mecanismo Europeu de Segurança de Depósitos, que permitirá aos depositantes ter a garantia de que o seu dinheiro está seguro por todo o sistema europeu, em vez de ser garantido apenas pelos fundos públicos seu país. Mas para avançar para este mecanismo é preciso que a saúde financeira dos bancos seja mais ou menos comparável, o que não acontece enquanto o problema do malparado não estiver resolvido — outra pasta polémica que passará para as mãos de Centeno. “Teremos de fazer algum progresso nos próximos seis meses”, reconheceu Dijsselbloem esta segunda-feira.
3 – Lançar a União dos Mercados de Capitais
A união dos mercados de capitais é um objetivo europeu antigo. “Aqui trata-se verdadeiramente de aprofundar a política económica e financeira” e não tanto de reformar, diz Paulo Sande. O que não é o mesmo que dizer que será fácil. Na prática, concretizar esta ideia implica harmonizar ainda mais a legislação dos países do euro, nomeadamente em termos de falências, impostos e outros aspetos relativos à vida das empresas.
4 – Concluir com sucesso o programa de ajustamento da Grécia
A Grécia vai no seu terceiro programa de resgate. E apesar de ter conseguido sair em setembro do Procedimento por Défices Excessivos, fechar o atual programa de ajustamento com sucesso não são favas contadas. Desde que entrou em crise, a Grécia perdeu mais de um quarto do seu PIB; os bancos perderam de forma significativa a sua capacidade de financiar a economia e a dívida pública grega continua em níveis considerados extremamente arriscados.
Qualquer alteração nos mercados de dívida soberana — basta, por exemplo, uma reação mais adversa dos investidores à retirada progressiva das medidas não convencionais do Banco Central Europeu, à medida que o crescimento económico se for reforçando e a taxa de inflação recuperar — para que a Grécia arrisque dificuldades no acesso a financiamento. No segundo trimestre de 2017, a dívida pública grega representava 175% do PIB da Grécia, mostram os dados do Eurostat.
5 – Preparar o próximo quadro financeiro, sem Reino Unido
A preparação do próximo quadro financeiro, uma responsabilidade a que o presidente do Eurogrupo não será alheio, “será uma tarefa muito complicada”, antevê Paulo Sande. É que o próximo orçamento já não vai contar com o Reino Unido: 2019 é o ano da oficialização da saída dos britânicos da União Europeia. E isso “não significa apenas contar com menos um país”, frisa o professor. “É ter um orçamento mais pequeno, com mais reformas para cumprir”, sublinha.
Como porta-voz do Eurogrupo para a opinião pública, mas também perante as restantes instituições europeias, o papel de Centeno será chave.
“Teremos de ter mais discussões aprofundadas”, reconheceu Dijsselbloem, esta segunda-feira, explicando que as questões de financiamento orçamental terão de passar pela programação do próximo quadro financeiro. “Se pensarmos em instrumentos do orçamento europeu, ou linhas de crédito europeias do orçamento, isso terá de fazer parte, inevitavelmente, do debate plurianual de enquadramento, que já será complexo devido ao Brexit”, frisou ainda.
“O desafio mais importante de Centeno é transformar o Eurogrupo numa plataforma, num pivot” de todas estas reformas e políticas, conclui Paulo Sande. Tudo isto em pouco tempo. “No dia em que as condições económicas voltarem a piorar, toda esta perspetiva de reforma acaba e as economias voltarão a fechar-se sobre si mesmas”, avisa o professor. “Esta oportunidade tem um prazo muito curto”, remata.
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