Paridade na advocacia: afinal, quantas sócias existem no mercado?
Falámos com 21 sociedades relevantes do mercado. Feitas as contas, em Portugal existem cerca de 28% de sócias. Falarão os números por si? Oito das sócias mais antigas dão o seu parecer.
Afinal, quantas sócias existem nas sociedades portuguesas? Levantámos a questão a 23 sociedades relevantes do mercado e 21 responderam. Num total de 410 sócios, 114 são mulheres. Feitas as contas, em Portugal existem cerca de 28% de sócias. Afinal, em que estado está a advocacia em termos de representação e paridade de género em cargos de topo? Falarão os números por si? Oito das sócias mais antigas comentam, dando uma perspetiva mais pessoal.
Segundo dados da consultora Mercer, que analisou um universo de 300 empresas a operar em Portugal, só há 15% de mulheres em cargos de administração de topo. E na advocacia? Em que ponto estamos?
Além da pressão do trabalho e dos clientes, existe por outro lado a pressão familiar, que por vezes leva advogadas a desistir de uma carreira e a procurar um trabalho com menos exigência de horários.
Entre as principais sociedades de advogados, existem 28% de sócias. Um número aquém do que se poderia esperar no século XXI, mas além, tendo em conta o acesso restrito à profissão. Os números tornam-se mais expressivos quando olhamos para cargo mais elevados: em Portugal existem apenas duas managing partners nas maiores sociedades de advogados, Mafalda Barreto da Gómez-Acebo & Pombo e Maria João Ricou da Cuatrecasas.
Em declarações à Advocatus, Mafalda Barreto comenta que nunca se sentiu discriminada enquanto advogada, mas que não é indicador de que “a carreira das advogadas não seja mais difícil do que a carreira dos advogados e acho que isso se nota”, afirma, sublinhando que “nas sociedades em geral o desequilíbrio entre sócias mulheres e sócios homens é gritante, muito devido à questão familiar: os períodos mais complicados e com mais trabalho coincidem com o período em que também se pensa na maternidade, porque a área de consultoria é muito exigente”.
Efetivamente é este o cenário atual, mas que vai rapidamente inverter, ou pelo menos atenuar.
Maria João Ricou, que é também sócia coordenadora do departamento de Direito Bancário, Financeiro e Mercado de Capitais e membro do Conselho de Administração da Cuatrecasas, diz que ao longo da sua carreira tem vindo a assistir a uma enorme evolução, “sendo inegável que as mulheres têm hoje um grande peso no mundo da advocacia em Portugal”. Embora essa relevância não se encontre “ainda devidamente refletida no nível de topo da carreira, onde o género masculino se mantém predominante, a crescente consciencialização de que a retenção do talento feminino deve ser uma prioridade das organizações vai contribuir para a desejável diminuição progressiva dessa desigualdade”, o que, segundo a advogada, passará por criar condições que permitam uma melhor conciliação da vida profissional com a vida familiar, “em particular na fase em que as exigências da maternidade são inevitáveis”.
Embora o género masculino se mantenha predominante no nível de topo de carreira, admito que, no futuro, a situação se venha a inverter a favor das mulheres.
Rita Cruz, sócia da CCA Ontier desde 1997, defende que o cenário vai mudar em breve por duas razões: “a primeira é a de só agora as sociedades de advogados (pelo menos as maiores e as mais antigas) estarem a efetuar a sua mudança geracional no que respeita aos lugares cimeiros. Tradicionalmente, os sócios “mais antigos”, que por razões históricas e culturais evidentes, eram apenas homens, tendiam a permanecer no topo”, explica a advogada, apontando que, atualmente, a base de saída da faculdade é na sua maioria feminina. “Só para dar um exemplo, no mestrado forense que leciono 90% dos alunos são mulheres”.
Já o segundo ponto prende-se, na perspetiva da advogada, “com o facto de também só mais recentemente as sociedades de advogados — auxiliadas pelas novas tecnologias — estarem a adotar práticas que conferem maleabilidade e flexibilidade ao exercício da profissão”, afirmando que o estigma de que um advogado tem que viver no e com o escritório tem caído. “As mulheres acabariam por tomar outras opções de vida, como talvez não querer ascender a sócias, perante a disponibilidade
que sabiam ser-lhes exigida e que não podiam/não queriam dar”, remata.
Foi preciso “desmistificar” que a maternidade e a vida familiar não iriam prejudicar o exercício da profissão.
Fernanda Matoso, sócia desde 1988 da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados (MLGTS), conta que no início da sua carreira, de quase 32 anos, “a advocacia era ainda uma profissão maioritariamente exercida pelos homens, o que me parece não suceder atualmente”, reforçando que embora as mulheres tenham “conquistado o seu lugar na advocacia portuguesa, ainda há trabalho a fazer, sobretudo no campo da afirmação e liderança”. Note-se que apenas duas mulheres foram bastonárias da Ordem dos Advogados e, comparativamente, as mulheres que ascenderam a sócias nas sociedades de advogados são em menor número que os sócios homens.
“Se é certo que este contexto pode ter decorrido da adesão gradual das mulheres a esta profissão, é certo também, que por um lado, as sociedades de advogados terão que acomodar de forma mais eficaz a diversidade e, as mulheres, pelo seu lado, terão que adotar uma postura mais liderante”, frisa.
Para Cristina Ferreira, sócia da Telles desde 1996, Portugal tem sido, progressivamente, um exemplo sobre o tema das mulheres na área da justiça: “nos últimos anos tivemos e temos mulheres em posições de grande destaque, recordo o Ministério da Justiça, a presidência da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, a Procuradoria Geral da República, a anterior bastonária da Ordem dos Advogados, entre outros”.
A razão por ainda haver poucas mulheres sócias prende-se com o facto de as mulheres só terem tido vontade de o ser a partir do momento em que sentiram que eram tratadas como iguais entre os seus pares homens, o que é muito recente.
“O próprio meio judicial tem mais mulheres do que homens nos tribunais de primeira instância, o que só não se verifica na Relação e no Supremo, o que é compreensível porque só depois do 25 de abril é que as mulheres puderam ser juízas”, reforça a advogada.
Carmo Sousa Machado, sócia da Abreu Advogados desde 1999 e atual presidente do Conselho de Administração desta sociedade distingue que, existindo hoje mais mulheres do que homens na advocacia, “apostar no talento feminino, na advocacia ou noutras áreas, é um caminho que já se começou a percorrer e que não tem volta atrás, e significa apostar na competitividade e em novas visões de gestão”.
Como hoje somos cerca de 16.555 mulheres a exercer advocacia em Portugal contra 13.920 homens, podemos e devemos contribuir mais no alcance de objetivos ao nível da gestão de topo.
Rita Correia, sócia fundadora da Miranda, vem dizer que “a estrutura da sociedade portuguesa, designadamente ao nível da família, e a mentalidade tradicional quanto ao papel da mulher na sociedade, têm sido condicionantes importantes da assunção plena e generalizada de cargos de chefia por mulheres, e tal também se tem verificado na advocacia”. Frisa, no entanto, “o enorme progresso registado nas últimas décadas”, como uma evolução que “é imparável e inevitável”.
Há ainda um longo caminho a percorrer para que um número cada vez maior de mulheres possa assumir com naturalidade responsabilidades acrescidas a nível profissional, mas não podemos esperar que terceiros façam o caminho por nós.
A DLA Piper e a Linklaters não responderam, mas uma breve pesquisa nos respetivos sites revela que não existem sócias mulheres nestas duas sociedades, à data da redação deste artigo.
Percentagem de sócias por sociedade
Fonte: ECO
Entre todas as 21 sociedades, a média é de 20 sócios por sociedade. Nos números mais altos destacam-se a MLGTS e a PLMJ, ambas com 58 sócios no total (com 15 e 14 sócias, respetivamente), seguindo-se a VdA com 40 (dos quais, 11 sócias), a Cuatrecasas com 28 (sete sócias), a Abreu com 27 (nove sócias) e a SRS com 23 (nove sócias).
Apesar das dificuldades de uma profissão liberal, que continuo a reputar próximo ao sacerdócio, o panorama na advocacia é bem melhor que o do país.
Já entre as sociedades com menor percentagem de sócias está a Uría Menéndez-Proença de Carvalho, com duas sócias entre 19, a GA_P com uma sócia em sete, a Garrigues com duas sócias em 13 e a Sérvulo com três sócias em 16.
Quanto às sociedades com 50% de sócias, como se pode aferir no gráfico, verifica-se que o número total de sócios está abaixo da média: na José Pedro Aguiar-Branco Advogado (JPAB), dos 12 sócios, seis são mulheres; na Caiado Guerreiro, em oito sócios, quatro são mulheres e no caso da RFF Advogados só existem dois sócios, um homem e uma mulher.
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