O que disse Centeno sobre a “saída limpa” de Portugal e, agora, da Grécia
"O crescimento económico foi retomado", diz Centeno do Eurogrupo sobre a Grécia. "A economia portuguesa apresenta um crescimento anémico", dizia Centeno ministro sobre Portugal.
A 2 de dezembro de 2015, Mário Centeno subia ao púlpito da Assembleia da República para fazer a primeira intervenção enquanto ministro das Finanças. O Centeno de então era ministro há uma semana e não estava impressionado com o desempenho de Portugal, muito menos com a “saída limpa” do programa de assistência financeira anunciada por Pedro Passos Coelho um ano e meio antes. Mas o Centeno de então não está hoje no Eurogrupo. “O resultado pequeno para uma propaganda enorme” que via em Portugal transformou-se num “regresso ao normal” e numa “recuperação do controlo” na análise que faz agora da Grécia. E o “crescimento anémico” que via na economia portuguesa transformou-se na “retoma” do crescimento económico que vê na Grécia.
“Hoje é um dia especial para a Grécia. O seu programa de assistência chega ao fim depois de um caminho longo e sinuoso, através do qual todos aprendemos as nossas lições. Mas isso, agora, é história. Hoje, o crescimento económico foi retomado, estão a ser criados novos empregos, há um excedente orçamental e comercial, a economia foi reformada e modernizada“, disse o Centeno de hoje, num vídeo publicado no Twitter, a propósito do final do terceiro programa de ajuda financeira à Grécia.
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As palavras foram mal recebidas, sobretudo, pela esquerda. “Parece uma máquina de propaganda norte-coreana”, comparou Yanis Varoufakis, antigo ministro das Finanças grego. “Um vídeo lamentável que apaga o desastre que foi o programa de ajustamento grego e branqueia todo o comportamento das instituições europeias”, criticou o deputado socialista João Galamba. “Um vídeo ridículo para quem tem alguma noção do que aconteceu na Grécia, insultuoso para os gregos e esclarecedor para os portugueses”, disse o bloquista José Gusmão. “É infundada a tentativa de apresentação do chamado fim do resgate à Grécia como uma decisão favorável aos trabalhadores e ao povo grego”, declarou ainda o PCP.
À direita, o CDS-PP criticou a incoerência. “É impossível achar que é a mesma pessoa quando fala no Parlamento português e na Europa”, disse o deputado João Almeida, em declarações ao Expresso. “A execução do programa foi muito mais bem sucedida em Portugal, e isso não ser reconhecido é completamente incoerente”, acrescentou.
As críticas ganham especial relevância se se recordar o que Centeno dizia há três anos sobre o fim do programa de ajustamento em Portugal.
“Hoje, é claro quem é que estava a viver acima das suas possibilidades. Sabemos que essas possibilidades, hoje, são muito menores para o milhão e meio de portugueses que ganha menos de 600 euros por mês. Hoje, caídas todas as máscaras, e levantados todos os véus, percebemos que a expressão ‘saída limpa’ foi um resultado pequeno para uma propaganda enorme“, afirmou Mário Centeno no primeiro discurso que fez no Parlamento, no dia 2 de dezembro de 2015, quando era apresentado o programa de Governo.
Hoje, caídas todas as máscaras, e levantados todos os véus, percebemos que a expressão ‘saída limpa’ foi um resultado pequeno para uma propaganda enorme.
O ministro das Finanças ia mais longe e desvalorizava a tímida recuperação económica que então se registava. “A economia portuguesa apresenta um crescimento anémico, em que o investimento teima em não aparecer. Em que, pelo esforço das empresas e dos trabalhadores, se conseguiu conter a destruição de emprego. Mas esse esforço traduziu-se numa redução inédita dos salários e também num aumento nunca visto da imigração”, comentava.
No final de 2014, ano em que Portugal terminou o programa de ajuda financeira, a economia portuguesa cresceu 0,9%, depois de ter registado uma contração de 1,1% em 2013. Já no ano de 2015, quando Centeno falava pela primeira vez no Parlamento, o PIB português cresceu 1,8%. A taxa de desemprego em Portugal estava a baixar de 14,1% no final de 2014 para 12,6% no final de 2015. A taxa de emprego estava nos 63% no final de 2014 e aumentou para 64% no ano seguinte.
Hoje, pelo contrário, o presidente do Eurogrupo destaca a retoma económica da Grécia. “Hoje, o crescimento económico foi retomado, estão a ser criados novos empregos, há um excedente orçamental e comercial, a economia foi reformada e modernizada”.
A Grécia terá registado um aumento do PIB de 1,4% no ano passado, depois de uma queda de 0,2% em 2016. A taxa de desemprego grega estava nos 21,5% no final do ano passado, abaixo dos 23,6% que registou em 2016. Já a taxa de emprego está nos 53%.
O crescimento económico foi retomado, estão a ser criados novos empregos, há um excedente orçamental e comercial, a economia foi reformada e modernizada.
A mensagem de cautela que hoje deixa à Grécia também não era a mesma que há três anos deixava para Portugal. Apesar de a consolidação orçamental, com a redução do défice e da dívida pública como bandeira, ter sido sempre uma prioridade deste Governo, que tem sido cumprida, Mário Centeno apelava, em 2015, ao regresso à “normalidade económica” através da reposição de rendimentos.
“A normalidade económica só será conseguida com uma redução efetiva da carga fiscal, para as famílias e para as empresas. É urgente aliviar o espartilho económico, para que as empresas possam investir e criar emprego e para que as famílias possam desenvolver com dignidade as suas aspirações”, dizia Centeno ministro sobre Portugal. “A Grécia recuperou o controlo pelo qual lutou. Com controlo, vem responsabilidade. A Grécia pagou caro pelas más políticas do passado, por isso, voltar atrás seria um erro“, diz Centeno do Eurogrupo sobre a Grécia.
O peso dos impostos e contribuições sociais em Portugal atingiu, no ano passado, o valor mais elevado em, pelo menos, 22 anos, mas continua a estar abaixo da média europeia. A carga fiscal atingiu os 34,7% do PIB português no ano passado, acima do anterior recorde de 34,6% que tinha sido registado em 2015. Em 2014, estava nos 34,3%. No ano passado, a Grécia tinha uma carga fiscal em linha com a média europeia, pouco acima dos 39% do PIB.
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