E se o azar bate à porta de Centeno? Governo simula cenário adverso
Governo aponta para um ambiente económico normal no próximo ano, mas sublinha que há fatores externos que podem fazer descarrilar as contas. Quais os resultados do teste de stress?
A correr como o esperado, a economia portuguesa deverá crescer 2,2%, o défice cairá para 0,2% do Produto Interno Bruto e a dívida pública baixará da fasquia dos 120% em 2019, sendo estes os principais pressupostos que vão guiar a política orçamental do Governo no próximo ano. Mas… e se o azar bater à porta e alterações das condições externas obrigarem o ministro Mário Centeno a refazer as contas do Orçamento do Estado? Por exemplo, e se os juros da dívida ou o preço do petróleo dispararem nos mercados? E se o comércio externo arrefecer por causa da guerra comercial?
O Governo tem bem identificados os principais focos de tensão lá fora que poderão atrapalhar a vida dos portugueses cá dentro. “Embora o contexto internacional permaneça favorável, adensaram-se os riscos negativos para o crescimento e comércio mundial, relacionados com o aumento das tensões comerciais entre os EUA e a China”, reconhece o Executivo na proposta apresentada no Parlamento. Outros fatores que podem causar perturbação a execução do orçamento: o agravamento de crises nos mercados emergentes, a incerteza quanto ao desfecho do Brexit ou as tensões políticas na Europa, “com potencial de impacto na confiança dos investidores”.
Por causa destes pontos de interrogação, o Governo fez um teste de stress, admitindo um cenário macroeconómico mais desfavorável. E são três os choques exógenos simulados.
1. E se as exportações travarem?
Protecionismo, Brexit, abrandamento da economia… com a economia portuguesa cada vez mais exposta ao setor das exportações (o que não deixa de ser uma boa notícia), vários fatores podem fazer gripar aquele que tem sido o motor económico do país. Mas o Governo sublinha que terá pouco impacto no défice ou na dívida se a procura externa abrandar mais do que está a prever no próximo ano.
“Estima-se que um crescimento da procura externa inferior em 2 pontos percentuais ao implícito no cenário macroeconómico teria um impacto negativo de 0,3 pontos no crescimento real do PIB, por via de um menor crescimento das exportações. O efeito sobre a balança comercial seria igualmente negativo e, consequentemente, sobre a capacidade de financiamento da economia”, estima o Governo na proposta orçamental.
Ainda assim, “o impacto sobre as variáveis orçamentais seria negligenciável, destacando-se a ligeira subida do rácio de dívida pública, por via do menor crescimento nominal do PIB”. O Governo prevê uma descida do nível da dívida para 118,5%, que parece resistir a um agravamento das condições do comércio internacional.
2. E se o petróleo aumentar 20%?
O Governo conta com uma ligeira descida do preço do petróleo dos 72,9 dólares por barril para os 72,2 dólares no próximo ano. Mas não deixa de anotar os riscos que podem catapultar a cotação do ouro negro nos mercados internacionais: persistência das tensões geopolíticas no Médio Oriente (pela imposição de sanções pelos EUA ao Irão) mas também noutros importantes produtores da matéria-prima, como a Venezuela. Agravando-se ainda mais os preços, 20% acima das previsões, o que acontece a Portugal?
“Um aumento do preço do petróleo, em 2019, 20% acima o assumido no cenário central, teria um impacto negativo no desempenho da economia. Estima-se que o crescimento real do PIB seria inferior ao do cenário central em 0,1 ponto percentual, situando-se em 2,1%“, diz o Governo. “Os principais canais de transmissão deste efeito sobre o PIB real ocorrem através da diminuição do consumo privado, em parte mitigada por uma diminuição das importações”, adianta ainda.
Mas o impacto no crescimento da economia seria mais acentuado “por via do efeito do aumento do preço do petróleo nos deflatores das componentes da procura global, em especial do consumo privado e das importações (que por sua vez exerceria um efeito de spillover sobre as demais componentes)”, explica ainda.
Acrescenta que o agravamento da balança energética iria deteriorar a capacidade de financiamento da economia. “Já o impacto sobre as variáveis orçamentais seria marginal, destacando-se o aumento no rácio da dívida pública, por via do menor crescimento nominal do PIB”, estima ainda.
E se os juros aumentarem?
O momento nos mercados também não deixa ninguém indiferente. Com o Banco Central Europeu a preparar-se para fechar a torneira dos estímulos monetários, o confronto entre Roma e Bruxelas por causa do orçamento deixou os investidores nervosos, transmitindo esse nervosismo para os juros da dívida. Num ápice, a taxa de juro das obrigações portuguesas a 10 anos superou os 2%, algo que não acontecia desde fevereiro. Lá fora, são os juros italianos a causa apreensão.
O cenário base do Governo aponta para juros de curto prazo em -0,1%, uma taxa menos negativa do que aquela que se observará este ano (-0,3%), refletindo já estas condições mais adversas. Mas, colocando-se um cenário em que a taxa de juro fica nos 0,1%, como se comporta a economia?
“Um aumento da taxa de juro de curto prazo em 2 pontos percentuais teria um impacto no crescimento real da economia por via de um menor crescimento do consumo privado e do investimento (em resultado de um aumento dos custos de financiamento)”, frisa o documento. E desenvolve as consequências que se seguiriam: “As condições no mercado de trabalho seriam menos favoráveis com um crescimento menos robusto do emprego e inerente aumento da taxa de desemprego. A capacidade de financiamento da economia deteriorar-se-ia, refletindo um agravamento da balança de rendimentos primários”.
Paralelamente, o Estado teria menos receitas em IVA e em IRS, via os encargos com juros aumentarem (por via de um expectável aumento das taxas nas novas emissões de dívida), e teria mais despesas com prestações sociais associadas a uma taxa de desemprego mais elevada. Com isto, a meta do défice de -0,2% estaria em risco, prevendo um saldo negativo de -0,6%.
O impacto na dívida pública seria limitado, embora aumentasse por via de uma maior necessidade de financiamento das administrações públicas e de um menor crescimento do PIB nominal.
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