“Há a ideia de que quando se fica no interior é um insucesso. Não é verdade”
Na região da Guarda, o negócio da Prisca, Sodecia, Pabi e Floresta Bem Cuidada vai prosperando, isto apesar das dificuldades que sentem em atrair recursos humanos para o interior do país.
O que têm em comum a Prisca, a Sodecia Powertrain, a Pabi e a Floresta Bem Cuidada? São quatro empresas localizadas na região da Guarda e que partilham o mesmo desafio de trabalharem no interior do país: a atração e retenção de recursos humanos qualificados. Para Nuno Ferreira, administrador da Pabi, há que desconstruir um dogma: “Há a ideia de que quando se fica no interior é um insucesso. Isso não é verdade”, disse.
Os representantes das quatro empresas marcaram presença no XXII Encontro Fora da Caixa, organizado pela Caixa Geral de Depósitos, e que decorreu esta segunda-feira no Teatro Municipal da Guarda com o tema: “Interioridade: desafios e oportunidades”. E se houve assunto em comum entre todos foi o da dificuldade em recrutar trabalhadores, sobretudo com qualificações superiores, para negócios que prosperam em regiões do interior de Portugal.
“Estamos descapitalizados de recursos humanos. Temos escassez de mão-de-obra, tanto de mão-de-obra de produção como de mão-de-obra de engenharia e técnicos superiores. Para lá da dificuldade em atrair técnicos e licenciados de instituições de ensino mais reconhecidas, faltam apoios para a fixação destes quadros que vão fazer parte da estratégia da empresa para que o negócio prospere”, referiu Orlando Faísca, da Floresta Bem Cuidada, que desde 2004 presta serviços nas áreas da preservação, restauro, proteção e rentabilização do património florestal a partir da Guarda.
Também Nuno Ferreira, administrador da Pabi, uma empresa alimentar que se dedica ao descasque e à transformação da amêndoa, estando localizada em Pinhel, partilha da mesma dificuldade em encontrar talento nas universidades. “É um ponto crítico para a empresa. É um bloqueio ao crescimento das empresas. A atração de pessoas é difícil mesmo nas universidades porque os recém-licenciados vão embora e não voltam”, frisou Nuno Ferreira.
No caso da Sodecia Powertrain, que produz acessórios e componentes metálicos para a indústria automóvel, se não fossem as raízes do fundador do grupo pertencerem à região, dificilmente a empresa se teria instalado no Parque Industrial da Guarda. “Se não fossem as razões históricas da grupo, do ponto de vista económico, veríamos com mais dificuldade instalarmo-nos nesta região”, disse o diretor-geral Gabriel Alves.
Gabriel Alves notou que a Sodecia Powertrain vai conseguindo atrair trabalhadores qualificados devido à dimensão que o grupo ganhou nos últimos anos e também pela tecnologia mais avançada que utilizam. “Mas temos necessidade de pagar um prémio para atrair essas pessoas do litoral para a Guarda“, sublinhou o responsável.
"Se não fossem as razões históricas da grupo, do ponto de vista económico, veríamos com mais dificuldade instalarmo-nos nesta região.”
António Plácido Santos continua a acreditar que “graças a Deus” a Casa da Prisca se edificou em Trancoso, pelo conhecimento das pessoas da região no fabrico de produtos mais tradicionais como enchidos e compotas. “Talvez não conseguiríamos fazer o que fazemos se estivéssemos localizados noutro sítio”, disse. Ainda assim, “existe a dificuldade em captar mão-de-obra porque existe falta de pessoas aqui”.
“A expressão que usávamos há uns anos de que para encher chouriços qualquer pessoas serve hoje já não funciona“, afirmou o administrador da Prisca, dando conta que há exigências de “rigor, higiene e segurança” que obrigam a empresa a contratar pessoal cada vez mais qualificado. E esta atração não depende apenas do empresário e dos salários mais competitivos que pode oferecer, adiantou ainda.
“Temos de criar condições do ponto de vista financeiro, claro, mas a envolvente e o município onde estamos inseridos importam. Também temos de criar oportunidades para que as pessoas se sintam bem a viver aqui”.
“Interior não precisa de esmolas”
Jorge Coelho, antigo ministro do PS e dono de uma fábrica de queijos em Mangualde, confessou-se um otimista em relação ao tema da “Interioridade”. Sobre a falta de quadros qualificados, disse que “se esta conversa fosse há uns anos” seria muito diferente: “Estaríamos a falar de enorme desemprego. A conversa seria antes de encontrar postos de trabalho e de como criar condições para os empresários criarem negócio”.
Para o ex-ministro do Equipamento Social do Governo de António Guterres, as pessoas que vivem no interior têm hoje “uma vida melhor” do que tinham há uns, mas “estamos longe de ter os problemas resolvidos” e isso “só lá vai com radicalismos”.
“Temos de perceber que a desertificação do interior é um problema do país e não só das regiões afetadas. No interior não é preciso esmolas, mas têm de ser criadas as condições no país” para tornar o Interior mais atrativo, considerou Jorge Coelho.
"Temos de perceber que a desertificação do interior é um problema do país e não só das regiões afetadas. No interior não é preciso esmolas.”
Deu como exemplo o trabalho que está a ser feito em Mangualde para dar exemplos do que deve ser replicado noutras localidades: foi criado um fundo para criar habitação com rendas mais acessíveis e fixar pessoas na cidade; e “dentro de muito pouco tempo” será instalada uma extensão do Instituto Politécnico de Viseu com uma oferta de cursos “direcionados para as necessidades concretas da região”.
“Olhar para o Interior não pode ser apenas na palavra”
À margem da conferência, Paulo Macedo disse que “há um consenso nacional de que se deve olhar mais para o Interior”, mas isso não pode ser só “uma questão de palavra ou de boas intenções”.
E prosseguiu: “O que faz mexer esta região são as pessoas e investimento. Se há investimento, há emprego, há pessoas que são atraídas. Se houver quadros qualificados, que queiram cá viver, constituírem aqui as suas famílias, as regiões desenvolvem-se”, declarou o presidente da CGD, relevando o papel do banco público na região onde detém uma quota de mercado superior a 30%.
“Aqui muitas das vezes trata-se de poder prestar um serviço que seja rápido e que vá de encontro às necessidades das empresas, designadamente em termos de materialização das oportunidades de investimento”, referiu. “São várias as empresas com bons projetos que estão a crescer e com presença internacional e é importante termos a CGD a financiá-las e acompanhá-las no seu desenvolvimento e na sua internacionalização“, sublinhou.
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