Novas regras podem levar empresas a fugir dos recibos verdes
As empresas vão ter mais encargos com os independentes. Patrões e sindicatos dizem que novas regras podem levar à atribuição do mesmo trabalho a mais pessoas ou fuga para “outro tipo de contratação”.
As regras dos trabalhadores independentes mudaram. A entrega da declaração de rendimentos passou de anual a trimestral, as taxas para quem passa recibos verdes baixaram e até proteção social foi reforçada. Piores notícias há para as empresas, que passam agora a ter obrigações contributivas a partir do momento em que assumem responsabilidade por 50% dos rendimentos do trabalhador independente. E vai essa mudança levar à distribuição das mesmas funções de sempre por mais profissionais, de modo a evitar que esse patamar mínimo seja atingido? As opiniões dividem-se.
À luz do regime anterior, a entidade contratante passava a ter obrigações contributivas apenas quando era responsável por 80% do rendimento resultante do trabalho independente de um profissional. Em janeiro deste ano, essa regra mudou. A partir de agora, todas as entidades que sejam responsáveis por 50% do rendimento resultante do trabalho independente terão assumir novos encargos para a Segurança Social.
As empresas nessas circunstâncias passam a pagar uma taxa de 7%, sendo exigida àquelas que são responsáveis por, pelo menos, 80% dos rendimentos do trabalhador uma taxa de 10%.
“Sendo o turismo uma atividade determinante para a recuperação e evolução económica em geral no nosso país, esta medida é profundamente injusta. Com efeito, existem áreas da atividade turística que apenas são exercidas através de profissionais independentes”, começa por notar o presidente da Confederação do Turismo de Portugal, em declarações ao ECO.
Estamos a falar de uma atividade económica com um índice de sazonalidade acentuado, com muitas assimetrias regionais, caracterizado por micro e pequenas empresas, as quais, algo descapitalizadas, têm dificuldades no recurso ao crédito, parece-nos que o aumento dos encargos contributivos poderão revestir um caráter prejudicial.
Francisco Calheiros defende que, face à sazonalidade acentuada do setor, às assimetrias regionais e à concentração significativa de micro e pequenas empresas, tais aumentos dos encargos contributivos poderão ter um “caráter prejudicial”, podendo mesmo desincentivar o recurso a recibos verdes ou, pelo menos, levar à atribuição das mesmas funções a mais trabalhadores. Isto de modo a evitar a chegada aos tais 50% dos rendimentos que marcam a atribuição de obrigações contributivas aos empregadores.
“É um convite a que tal aconteça, com óbvios prejuízos para os trabalhadores que, trabalhando menos, auferirão menos rendimentos. Sendo um regime marcadamente ideológico, deveria ter acautelado esta hipótese”, critica o mesmo responsável, considerando que o novo regime “não vai favorecer ninguém”.
“A lógica de passar dos 80% para os 50% vai mudar o número de trabalhadores abrangidos e aumentar os custos das empresas”, concorda o dirigente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal. Em conversa com o ECO, João Vieira Lopes frisa que o aumento das taxas não é “positivo” e salienta que o novo regime faz aumentar significativamente a carga burocrática.
“[As novas regras] acabam por ser piores e dificultam o funcionamento das empresas”, reforça, alertando para o risco de algumas dessas empresas recorrerem, em alternativa, a “contratações fora da legalidade”.
Questionado sobre se haverá a tentação de distribuir o mesmo trabalho por mais profissionais para evitar chegar aos 50%, o responsável responde: “É pouco viável”. Vieira Lopes explica que tal alternativa significaria aumentar o número de pessoas e “conciliar horários”, o que não é propriamente benéfico para a saúde das empresas.
Não me parece que vá haver grandes alterações, porque as empresas precisam desses trabalhadores, sob pena de prejudicarem a sua própria produtividade e competitividade.
Da mesma opinião partilha o líder da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal. “Não me parece que vá haver grandes alterações, porque as empresas precisam desses trabalhadores, sob pena de prejudicarem a sua própria produtividade e competitividade”, sublinha Paulo Vaz.
O responsável enfatiza que o setor têxtil não recorre “com abundância” aos recibos verdes e afirma que, mesmo nos casos em que tais se verifica, os efeitos do novo regime só se deverão sentir a médio prazo, isto é, no planeamento futuro. Por agora, diz, as empresas devem manter os trabalhadores a que já recorrem.
“Ainda estamos a avaliar se as novas regras podem ou não prejudicar quem entende exercer a sua atividade profissional nesse regime. Muitas vezes, não é uma fatalidade, é uma escolha”, acrescenta Vaz, defendendo que as alterações referidas podem mesmo afetar a liberdade dos trabalhadores.
Fugir aos 50%? “É partilhar a precariedade”
O dirigente da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) arranca com um diagnóstico. “O novo regime reduz os encargos que os trabalhadores até agora tinham, mas não resolve o problema de fundo. Muitos trabalhadores com recibos verdes trabalham para uma única entidade patronal“, assinala Arménio Carlos, em conversa com o ECO.
O sindicalista defende que esses trabalhadores deveriam ser identificados e integrados nos quadros das empresas, deixando-se o regime do trabalho independente para os profissionais verdadeiramente liberais. Daí que, na sua opinião, as novas regras somente “minimizem” o dilema, não atacando o problema em profundidade.
Além disso, o recuo do limite a partir do qual as entidades contributivas passam a ter obrigações contributivas já mencionado pode dar azo à “diversificação” dos trabalhadores usados para cumprir uma mesma função, afirma Arménio Carlos, notando: “É partilhar a precariedade”.
Logo que se falou na alteração do regime, sabemos que muitos trabalhadores forma convidados pelas empresas a apresentarem-se como empresários em nome individual
“Isso poderá acontecer. Nós sabemos o quão imaginativos são os patrões“, corrobora o secretário-geral adjunto da União Geral de Trabalhadores (UGT).
Sérgio Monte denuncia ainda outra “alternativa” que tem sido tentada pelas entidades contratantes: “Logo que se falou na alteração do regime, sabemos que muitos trabalhadores forma convidados pelas empresas a apresentarem-se como empresários em nome individual”.
Monte reforça, por isso, que apesar do novo regime ser positivo — até porque “agrava” a taxa a ser paga consoante a dependência — o desejado combate à precariedade e aos falsos recibos verdes só será possível através de “mais e melhor fiscalização”, nomeadamente através do cruzamento da ação da Segurança Social e da Autoridade para as Condições do Trabalho.
Enquanto tal não acontece, o representante da UGT remata: “A tentação não é acabar com os recibos verdes, é fugir para outros tipos de contratação“.
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