PGR está a investigar “golpada” de Joe Berardo à banca

Procuradores do DCIAP pediram sentença do tribunal que "ajudou" Berardo a blindar a Associação Coleção Berardo e obras de arte. Mais documentos do inquérito à CGD vão a caminho do Ministério Público.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está a analisar documentos sobre a “golpada” de Joe Berardo à Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP e ao Novo Banco através da Associação Coleção Berardo, a dona das obras de arte e cujos títulos de participação foram dados em penhor da dívida de 1.000 milhões de euros junto dos bancos, sabe o ECO.

A justiça está a passar a pente fino os grandes créditos em situação de incumprimento da CGD desde 2000, num inquérito aberto há três anos e que visa apurar eventuais crimes de gestão danosa no banco público. Entre os empréstimos mais ruinosos estão aqueles que foram concedidos às sociedades do empresário madeirense, Metalgest e Fundação Berardo para a compra de ações do BCP. Estas duas empresas ligadas a Joe Berardo deviam mais de 300 milhões de euros à CGD no final de 2015.

Foi no âmbito desta investigação, que se encontra em segredo de justiça, que o DCIAP pediu no mês passado ao Tribunal da Comarca de Lisboa a peça central com a qual Joe Berardo fundamentou a “golpada” aos bancos dentro na Associação Coleção Berardo, e que terá permitido ao comendador blindar a a coleção de arte, avaliada em mais de 300 milhões de euros.

Há um mês, os procuradores solicitaram ao Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 12 o processo número 1753/13.1TVLSB que foi intentado por um anónimo (Augusto Joaquim Vieira de Sousa) contra a Associação Coleção Berardo em outubro de 2013.

Audição do Comendador José Manuel Rodrigues Berardo perante a II COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À RECAPITALIZAÇÃO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS E À GESTÃO DO BANCO - 10MAI19
Berardo foi à comissão de inquérito da Caixa no passado dia 10 de maio.Hugo Amaral/ECO 10 maio, 2019

Esta ação de processo comum teve como objetivo declarar nula a alteração dos estatutos da associação efetuada em 2008 e na qual se reconhecia o penhor a favor dos três bancos de 75% dos títulos de participação da Associação Coleção Berardo — mais tarde os bancos vieram a ficar com 100% dos títulos. Ou seja, de acordo com os estatutos, detendo o penhor dos títulos, os bancos tinham os direitos de voto na assembleia geral da instituição, podendo determinar o rumo das obras de arte.

Em março de 2016, foi dada razão ao cidadão anónimo pelo tribunal. E foi munido desta sentença que Joe Berardo fundamentou, poucos meses mais tarde, em outubro de 2016, a anulação da alteração dos estatutos da Associação Coleção Berardo que os bancos credores tinham efetuado para repor os direitos que tinham sido acordado no contrato de penhor de 2008. Traduzindo, os bancos deixaram de ter poder dentro da associação com base na decisão do tribunal.

A história à volta da Associação Coleção Berardo tem pormenores insólitos e isso ajuda a explicar o imbróglio jurídico em redor da execução dos bancos junto do comendador. O anónimo que colocou a ação contra a associação tinha como advogado Gonçalo Moreira Rato, primo de André Luiz Gomes, o advogado de Joe Berardo. Pelo meio, a própria Associação Coleção Berardo (que tem o comendador como presidente vitalício) efetuou um aumento de capital através da emissão de mais títulos e que terão diluído a posição dos bancos credores. E aparentemente tudo foi feito à revelia e sem o conhecimento dos bancos, o que levou João Vieira de Almeida a demitir-se de presidente da assembleia geral da associação, ele que tinha sido nomeado para o cargo em 2008 por indicação dos três bancos.

Parte deste processo foi explicada por Joe Berardo quando foi ouvido na audição na comissão parlamentar de inquérito à CGD no passado dia 10 de maio. Depois de Cecília Meireles o ter questionado sobre se os bancos viriam a ter o controlo da assembleia geral da Associação Coleção Berardo caso executassem os títulos de participação, Berardo riu-se: “Ah ah ah”. “Eles pensam que têm a maioria, mas não têm”, afirmou, justificando que fez o que fez para proteger a coleção de arte. “Não fui eu, foi o tribunal que decidiu”, referiu ainda quando confrontado com as alterações estatutárias na Associação Coleção Berardo. “Isto foi uma golpada”, desabafou Mariana Mortágua.

Na verdade, nenhum dos inquiridos na comissão de inquérito soube explicar bem se a Caixa vai conseguir chegar às obras de arte através do contrato de penhor negociado há 11 anos. Eduardo Paz Ferreira, que presidiu à comissão de auditoria da CGD, bem que desejou boa sorte ao banco no que apelidou de “operação kamikaze” para executar as garantias dadas por Berardo.

A ação de execução movida em abril passado pelos três bancos conheceu um desenvolvimento relevante na semana passada, com a execução da penhora dos títulos da Associação Coleção Berardo, segundo o Jornal Económico. Corre o período de contestação e do lado da associação alega-se que os bancos, como sugeriu Berardo no Parlamento, têm a minoria das unidades de participação e pouco podem fazer. Face à complexidade do caso, é difícil prever quem sairá por cima no final.

10 momentos que marcaram o inquérito à Caixa

Ministério Público quer atas de todas as audições

O Parlamento ficou de enviar ao Ministério Público a transcrição do depoimento de Joe Berardo na comissão de inquérito realizada há dois meses. Essa transcrição ainda está por ser enviada, embora os procuradores tenham na sua posse uma versão “não revista”. Mais documentos vão seguir para o Ministério Público, que pediu as atas de todas as audições.

No total, foram 36 audições, algumas delas ao mesmo interveniente (por exemplo Vítor Constâncio), realizadas no âmbito do inquérito parlamentar à Caixa. São mais de 130 horas de gravações para serem transcritas. E isto sem contar com as respostas que foram dadas por carta por alguns responsáveis, como José Sócrates, e cujos depoimentos escritos estão prontos para seguir para o Ministério Público.

Para lá das atas das audições, a comissão de inquérito vai enviar toda a documentação que requereu durante os trabalhos. É um enorme volume de informação relativa à vida do banco público desde 2000. A dificuldade neste momento é sobretudo prática. O Parlamento quer garantir que a informação (muita dela sensível) não se perde no caminho até ao Ministério Público e pretende assegurar procedimentos adequados para proceder à transferência dos documentos.

Também esta semana deverá seguir ao Ministério Público uma queixa da Assembleia da República pelo facto de Berardo se ter recusado a enviar os documentos da vida da Associação Coleção Berardo requeridos pelos grupos parlamentares na comissão de inquérito à CGD.

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