Impacto do coronavírus pode levar a orçamento retificativo e “contaminar” bancos, dizem especialistas
Especialistas acreditam que o surto do novo coronavírus tem potencial para “contaminar” os bancos, reduzir as exportações e originar um orçamento retificativo.
A economia nacional poderá sofrer “impactos significativos” devido ao surto de coronavírus, numa situação que tem potencial para “contaminar” os bancos, reduzir as exportações e originar um orçamento retificativo, segundo vários especialistas contactados pela agência Lusa.
“É muito provável que exista um orçamento retificativo. Se a receita fiscal cair fortemente, então o saldo orçamental passará a severamente negativo”, refere João Duque, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). “Note-se que os impostos indiretos têm sido a mola de suporte do aumento das receitas fiscais do Governo PS. E são os impostos indiretos os que mais sofrem com esta crise de quebra forçada de consumo”, que atinge o IVA e os impostos sobre produtos petrolíferos.
O economista da consultora IMF, Filipe Garcia, acredita que “haverá impactos económicos relevantes, nomeadamente devido às quarentenas”, sendo que, na sua opinião, “o risco é que desta situação comecem a resultar ruturas de tesouraria em alguns negócios, que, tal como o vírus, contaminem outras empresas e o setor financeiro”. “Acredito que os bancos centrais estejam muito atentos a este tema e que venham a intervir”, acrescenta, referindo que é provável “uma suspensão do pacto de estabilidade”.
João Borges de Assunção, professor associado da Universidade Católica, realça que é “difícil saber se o choque será temporário ou permanente” e “se haverá uma recuperação relativamente rápida quando terminar”. “Os efeitos no crescimento económico de 2020 serão certamente negativos”, mas não estão disponíveis “modelos nem dados” que “permitam calcular a redução do ponto central de crescimento neste novo cenário”, sublinha. Por isso, defende que “ainda é cedo para saber se o choque no turismo e nas exportações será maior ou menor do que na economia como um todo”.
Patrícia Teixeira Lopes, associate dean da Porto Business School, alerta para o impacto do surto nas empresas. “Muitos fatores que entram na cadeia de produção destas empresas são importados da China”. Além disso, destaca, há os riscos colocados pela “contenção, porque as pessoas deixam de consumir, de sair, de comprar de viajar”, sendo que estes obstáculos poderão ser mais negativos no turismo, mas terão “impacto em toda a economia”.
João Duque também aponta uma “potencial rutura das cadeias de fornecimento” como risco gerado pelo surto, defendendo que teria sido preferível “uma paragem global e simultânea” a este nível, mas admite que “essa seria uma medida impensável”. Além disso, “se a procura externa vai cair em resultado de uma quebra acentuada do rendimento”, com uma “travagem da atividade económica das economias para onde exportamos, então isso levará a uma redução com impacto nas exportações de bens” portugueses, sublinha o professor do ISEG.
João Duque avisa ainda para impactos ao “nível da solvabilidade bancária”, visto que “a quebra de atividade de muitas empresas pode levá-las à necessidade de incumprimento com pagamentos” com a banca. Por sua vez, Filipe Garcia alerta para que o surto é “particularmente relevante devido ao grande grau de abertura da economia portuguesa e também devido ao peso dos serviços e do turismo em particular”.
A preocupação com o turismo é partilhada por João Duque, que acredita num impacto significativo “na mobilidade das pessoas e nas atividades económicas diretamente a ela ligadas: turismo (alojamento e restauração) e deslocação de pessoas (transportes)”.
Para João Assunção, seria ainda “importante que o Estado criasse um mecanismo de avaliação das necessidades de tesouraria, no setor não estatal, num horizonte de três meses”, uma iniciativa articulada com “medidas, em termos de facilidades de crédito e prazos de pagamento, por exemplo, que apoiem as empresas e instituições mais afetadas por este choque”.
Os economistas e professores contactados pela Lusa também aconselham cautela na análise das bolsas. “As bolsas (e o resto dos mercados) estão a começar a descontar um cenário de recessão global”, acredita Filipe Garcia. Já João Duque destaca que “as empresas cotadas tenderão a ser penalizadas face a esta perspetiva negativa”, mas que “esta é uma visão de curto prazo”.
João Assunção defende, por seu turno, que “nem toda a turbulência no mercado de capitais deve ser atribuída exclusivamente ao surto de Covid-19”, visto que, “pela sua própria natureza, a evolução dos preços no mercado de capitais é essencialmente imprevisível”.
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