Lagarde disparou a bazuca do BCE, mas a arma é de curto alcance
Pacote do banco central deverá ajudar os países a continuarem a financiar-se com custos limitados para responder à crise pandémica. Dúvida prende-se com a capacidade de chegar a famílias e empresas.
Com atraso e às prestações, o Banco Central Europeu (BCE) acionou um plano de emergência para reagir à crise do coronavírus. Christine Lagarde foi ao arsenal buscar a bazuca do antecessor Mario Draghi e disparou capital em direção ao sistema financeiro, mas o curto alcance da arma deverá dificultar que a liquidez chegue à economia real.
“O novo programa é gigantesco. O BCE poderá comprar 2,5 vezes mais do que já estava previsto, o que é um aumento bastante considerável. O montante total deste pacote de emergência é inclusivamente superior ao pacote similar anunciado pela Reserva Federal nos Estados Unidos ou a qualquer outro programa utilizado pelo BCE durante a última crise financeira. Só há mesmo a lamentar o facto de ter chegado com, pelo menos, uma semana de atraso”, diz João Pisco, analista financeiro do Bankinter.
A bazuca chegou na forma de um Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP, na sigla em inglês) que implica a aquisição de 750 mil milhões de euros em obrigações públicas e privadas e, pela primeira vez, papel comercial. O anúncio foi feito esta quarta-feira à noite, quase uma semana depois da primeira reação do banco central.
"O montante total deste pacote de emergência é inclusivamente superior ao pacote similar anunciado pela Reserva Federal nos Estados Unidos ou a qualquer outro programa utilizado pelo BCE durante a última crise financeira.”
Logo à partida o BCE surpreendeu por não responder de imediato, tal como fizeram a Fed ou o Banco de Inglaterra, que começaram a reagir há várias semanas com decisões extraordinárias. Na Zona Euro, o BCE esperou pelo calendário e, na data marcada para a reunião do Conselho de Governadores, anunciou um pacote de medidas: 120 mil milhões em compras de dívida, empréstimos a baixos custos à banca e a flexibilização das regras de supervisão para a banca.
E numa altura em que o stress nos mercados já fazia subir os juros das dívidas públicas dos países periféricos, Christine Lagarde mostrou intransigência: “Não estamos aqui para fechar spreads“. Até houve alguns elogios — especialmente entre analistas na Alemanha — por Lagarde não ter cedido à pressão que poderia gerar ainda mais pânico, mas a reação generalizada dos investidores mostrou desilusão.
Uma semana depois viria um novo pacote de medidas, acompanhado de uma declaração muito diferente: prometia fazer “tudo o que for necessário dentro do seu mandato” para proteger a Zona Euro, numa referência ao famoso discurso de Draghi durante a crise financeira.
“Lagarde encontrou a sua bazuca”, diz Azad Zangana, economista sénior para a Europa da Schroders. “No seguimento da reação desanimadora dos mercados financeiros à anterior reunião, o BCE decidiu ampliar o pacote de estímulos numa tentativa de restaurar a confiança dos mercados. A declaração da presidente do BCE Christine Lagarde sobre os spreads chocou os investidores e espoletou uma profundo selloff nos mercados de ações”.
"Comprar dívida alivia a liquidez, mas o BCE tem de conseguir chegar à economia real porque quem está em dificuldades é que vai bater à porta dos bancos.”
O pacote de emergência foi recebido com mais ânimo. Apesar de as ações continuarem a negociar com forte volatilidade, os juros das dívida acalmaram as subidas. Após um disparo para o valor mais elevado em mais de ano, acima de 1,5%, a yield das obrigações do Tesouro português a dez anos recuou, ficando ainda assim próxima de 1%. A opinião dos analistas consultados é consensual: as medidas deverão ajudar a limitar a subida das yields, enquanto garante que o mercado não seca.
“Comprar dívida alivia a liquidez, mas o BCE tem de conseguir chegar à economia real porque quem está em dificuldades é que vai bater à porta dos bancos. Não são as empresas com rating de investimento [que se qualificam para o programa de compra de ativos]”, lembra Filipe Silva, diretor da gestão de ativos do Banco Carregosa. “Pode travar parte do impacto, mas irá depender do tempo que a economia estiver parada”.
É exatamente para estimular essa passagem da liquidez do sistema financeiro para empresas e famílias que o BCE fez acompanhar este programa de regras mais flexíveis na supervisão bancária e empréstimos com custos mais baixos aos bancos.
“Estas medidas estão efetivamente desenhadas para ajudar os bancos a manter ou até aumentar as linhas de créditos e os empréstimos ao setor empresarial, em particular as pequenas e médias empresas”, refere Eric Dor, economista da IESEG School of Management em Lille. “Apesar de serem medidas extremamente úteis, há, no entanto, problemas a resolver. Os mercados estão efetivamente preocupados sobre a solvência de países já sobre-endividados. A crise atual vai causar um grande aumento da dívida pública dos países da Zona Euro”, alerta.
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