Da importação ao fabrico próprio, empresas reinventam-se com fundos comunitários
O ECO falou com as primeiras empresas com luz verde do Norte 2020 - para apoios do Portugal 2020 - para adaptar a sua produção a bens ou serviços que ajudem no combate à Covid-19.
A produção de máscaras cirúrgicas é a aposta da Sky Atrium e da Greenprint. A primeira importava máscaras e álcool gel, a outra oferecia serviços de impressão (estamparia) em têxteis. Ambas decidiram reinventar a sua atividade e investir em bens ou serviços com potencial relevância no combate Covid-19, com apoio do Portugal 2020.
Rui Pereira Santos, gerente da Sky Atrium, espera, dentro de 15 dias, começar a produção das máscaras cirúrgicas. “Mais de um milhão por mês”, conta ao ECO. Para isso, foi preciso comprar maquinaria no mercado asiático — mas também no nacional –, adaptar as instalações e contratar seis pessoas que “vão entrar nas próximas semanas”.
Mês e meio foi quanto bastou à empresa para passar da ideia à realidade. A Sky importava as máscaras e o álcool gel da China mas, com a pandemia, viu-se confrontada com a inexistência de produto disponível. Então, porque não fazê-lo? A questão foi colocada em reuniões internas, conta Rui Pereira Santos e, do papel, saiu e ganhou forma. O gestor reconhece que a produção na China é 20 a 40% mais barata, mas depois há que acrescentar os custos de transporte. E é aí que a empresa espera ganhar competitividade.
Caminho sem volta?
Trocar a importação pela produção foi a opção da Sky Atrium quando tomou conhecimento da abertura de candidaturas para adaptar a produção das empresas. Com um investimento de 380,44 mil euros (que tem um apoio de 80% do programa operacional do Norte), esta empresa de Matosinhos vai arrancar com três turnos de laboração e o objetivo é exportar para o mercado europeu, onde já foi possível encontrar clientes. “Para os Estados Unidos é preciso ter certificação própria da FDA que não temos”, explica o gestor.
Voltar para trás — para o negócio da simples importação —, não é uma opção. No mercado nacional havia apenas uma empresa a fabricar máscaras cirúrgicas — a Bastos Viegas –, e a procura não para de aumentar. O espaço que a Sky Atrium já tinha foi todo adaptado para “criar um ambiente controlado às normas exigidas para o fabrico deste tipo de produto”, estando ainda prevista a aquisição de mais máquinas. Também o pessoal já foi adaptado às novas funções.
Já a Greenprint tem uma estratégia diferente. Bruno Machado garante que “está fora de questão” abandonar 20 anos de serviço de estamparia. A opção é antes diversificar produtos. “Quando um ramo do negócio está mais parado o outro compensa”, explica ao ECO.
Mais uma vez, o projeto está “em fase de implementação” e, tal como a Sky Atrium, já obteve luz verde do Norte 2020 para um apoio de 95% ao investimento de 291,95 mil euros. Mas esta empresa de Pousa ainda não comprou os equipamentos que lhe vão permitir fabricar máscaras de nível 1 e nível 2. “Estamos a tentar comprar o equipamento para montar a linha de produção. A ideia é ter uma produção completamente automática para apresentar ao mercado uma máscara a preços competitivos“, conta Bruno Machado.
Estamos a tentar comprar o equipamento para montar a linha de produção. A ideia é ter uma produção completamente automática para apresentar ao mercado uma máscara a preços competitivos.
Para já as negociações estão a decorrer em dois tabuleiros: na China e em Itália. “Sinceramente, tenho dúvidas que consiga fazer negócio na China dada a conjuntura, mas essa máquina permite uma produção totalmente automática com uma tiragem de três mil máscaras por hora“, explica o gerente. Já se a escolha recair sobre a máquina italiana, “que é híbrida, tanto faz máscaras cirúrgicas coo têxteis, a produção é de mil máscaras por hora“, acrescenta, lembrando que a máscara têxtil tem um maior valor acrescentado comparativamente à cirúrgica. Tendo em conta a necessidade de lavar as máscaras de pano, Bruno Machado acredita que as pessoas vão optar pela solução mais fácil e descartável.
As projeções financeiras vão depender do rumo destas negociações. Mas no projeto submetido ao Norte 2020, a empresa espera aumentar a fatura em mais de 100 mil euros, assim que a linha de produção estiver operacional. No ano passado, o volume de negócios da Greenprint, só com os serviços de estamparia, ascendeu a um milhão de euros.
Por agora, por casa da pandemia, a empresa estava em lay-off mas, com este novo fôlego, espera retomar a atividade, manter os 24 trabalhadores e criar três a quatro novos postos de trabalho, incluindo dois com formação superior, algo que até agora não existia na Greenprint. Já com os olhos postos na exportação, a empresa tem contactos em França, Bélgica, norte da Alemanha e Luxemburgo. “Mas dando sempre prioridade ao mercado português”, garante o gestor, de modo a responder ao aumento da procura decorrente do uso obrigatório de máscara nos transportes, nas escolas, lojas e outros espaços fechados.
Essa obrigatoriedade já teve impacto na atividade da Ernesto São Simão: a empresa de moldes decidiu voltar-se para a produção de viseiras. Tudo começou com a sugestão de um trabalhador e um grupo de Facebook. Um conjunto de jovens tinha um projeto de impressão 3D de viseiras para doar a hospitais e outras entidades, mas claramente “não dava vazão às necessidades”.
“Um colaborador nosso sugeriu que a Ernesto Simão produzisse essas viseiras em quantidade”, conta, ao ECO, Pedro São Simão. E assim foi. Desenvolveram um modelo de viseira e o respetivo molde que tirava uma peça por cada processo produtivo. As viseiras continuaram a ser todas doadas mas, posteriormente, foi criado um segundo molde que já permitia duas peças por processo produtivo. Mas a empresa não baixou os braços e continuou a inovar.
Uma procura “avassaladora”
Perante o interesse crescente nas viseiras, alimentado pela exposição mediática que a empresa teve, a Ernesto São Simão percebeu que estava perante uma “oportunidade comercial a explorar”, ainda que continuem a doar “50 mil unidades a diferentes entidades em Portugal e Espanha”.
“Percebendo que havia esta fase de candidaturas, a este tipo de projeto, decidimos investir para ter uma maior capacidade de produção de forma a tirar oito peças por cada ciclo produtivo”, conta o diretor-geral. Em causa está um investimento de 397,49 mil euros, também com um apoio de 80% do Norte 2020.
A empresa está, neste momento, a desenvolver uma viseira para crianças a partir do quatro a cinco anos, e está em pleno processo de aquisição de alguns equipamentos para a produção de moldes, sendo que depois são preciso dois a três meses para os desenvolver. A Ernesto São Simão não só está a trabalhar na produção das viseiras — que são já exportadas para Espanha e França –, como também na exportação dos moldes que permitem o fabrico das mesmas noutros destinos, como por exemplo a Costa do Marfim onde já tem um cliente.
Com as novas máquinas, incluindo uma de injeção de plásticos, a empresa que antes fazia moldes para a indústria automóvel, vai agora aproveitar esta janela de oportunidade para fazer centenas de milhares de viseiras por semana. Um nível de produção que exige uma reorganização logística e uma duplicação da capacidade de armazenagem. O passo seguinte é certificar os produtos e contratar mais pessoas para trabalhar nas áreas comerciais e de desenvolvimento, explica Pedro São Simão, diretor-geral desta empresa familiar criada em 1947 e que conta com cerca de 30 colaboradores.
Entre os quatro primeiro projetos de empresas com investimentos em bens ou serviços com potencial relevância no combate ao Covid-19 que já tiveram luz verde para obter apoio do Norte 2020 está também a Carvidet. Esta empresa de Santo Tirso está a desenvolver as capacidades para a produção de soluções desinfetantes à base de etanol, hipoclorito de sódio, peróxido de hidrogénio e quaternários de amónio. Com um investimento de 234,02 mil euros, e um apoio de 187,21 mil euros, a empresa, que já se dedicava ao fabrico de mais de 300 referências de detergentes e produtos de higiene e limpeza, pretende superar a atual produção de mil litros /hora de desinfetante que não chega para a procura. O ECO tentou falar com a Carvidet, mas esta mostrou-se indisponível até à publicação deste artigo.
Os concursos do Portugal 2020 continuam a decorrer até 29 de maio, em algumas zonas do país — noutras estão suspensos dada a elevada procura. Tem havido uma “procura avassaladora” que levou o Executivo a reforçar a dotação de 46 para 100 milhões de euros. O anúncio foi feito pela ministra da Coesão, em declarações ao Expresso (acesso pago): “A procura dos empresários é de tal forma avassaladora que a dotação será reforçada para 100 milhões de euros e admite-se ainda a possibilidade de um segundo reforço”.
As candidaturas quintuplicam o valor do aviso cuja intenção era estimular a produção nacional deste bens e equipamentos, significando redirecionar a sua produção em vez de estarem em lay-off.
“Os empresários portugueses precisavam de estímulos como estes”, sublinhou Ana Abrunhosa, ao ECO. “Já nos vimos obrigados a duplicar o valor deste aviso, de 46 milhões de euros para 100 milhões”, revelando que, até ao momento, já foram apresentadas 1.112 candidaturas, com uma intenção de investimento de 670 milhões de euros o que significaria um apoio de 536 milhões de euros, caso todas fossem aprovadas. Destes foram aprovados 110 projetos que representam um investimento de 59 milhões de euros e um apoio já atribuído de 47 milhões, numa lógica de “os primeiros a entrar são os primeiros a ser analisados”, tal como está definido nas regras do concurso.
“As candidaturas quintuplicam o valor do aviso cuja intenção era estimular a produção nacional deste bens e equipamentos, significando redirecionar a sua produção em vez de estarem em lay-off. E surpresa! Temos empresas novas e empresas com mais de 60 anos que se reconverteram… Conseguimos em dois meses o que levaria anos a fazer”, conclui a ministra da Coesão.
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