Prova dos 9: Os festivais não estão proibidos? E a Festa do Avante?
O PCP defende a realização da Festa do Avante, argumentando que os festivais não foram proibidos. Já Marques Mendes questiona se a lei não é igual para todos. Quem tem razão? Eis a Prova dos 9.
A polémica face à realização da Festa do Avante em plena pandemia continua a marcar as conferências de imprensa da Direção-Geral da Saúde e até levou à realização de uma conferência de imprensa do PCP sobre o tema. Mais recentemente, os comentários duros vieram de Marques Mendes e a defesa de António Filipe. O comentador questionou se a lei não é igual para todos enquanto o deputado do PCP disse que “não é verdade que os festivais estejam proibidos”. Quem tem razão?
“Como é que se explica que proíbam os festivais de música de verão e depois autorizem o festival de música que faz parte da Festa do Avante?”, perguntou Luís Marques Mendes no seu comentário semanal no Jornal de Noite, da SIC, criticando tanto o Governo como a DGS pela falta de coerência e o próprio PCP por não dar o exemplo à sociedade portuguesa, ao contrários dos outros partidos que cancelaram os eventos públicos e de massas da rentrée política. “Afinal, há filhos e enteados? Então a lei não é igual para todos?“, questionou o ex-líder do PSD.
Após o comentário, António Filipe ironizava na sua página de Facebook: “Estou destroçado. Tinha tanta esperança de vender uma EP [entrada permanente] ao Marques Mendes”. Anteriormente, o deputado do PCP tinha feito uma longa publicação onde defendia a realização do Festa do Avante, desde logo atacando uma das premissas de Marques Mendes ao dizer que “não é verdade que os festivais estejam proibidos”. E adiantou que, apesar de haver capacidade para 100 mil pessoas, não quer dizer que seja esse o número efetivo de festivaleiros.
A questão impõe-se: afinal, podem realizar-se festivais ou não?
A afirmação
“Também não é verdade que os festivais estejam proibidos. Eles podem ser feitos desde que sejam cumpridas as regras impostas pela DGS. Que os promotores não queiram assumir essa responsabilidade é problema deles. Não venham é acusar o PCP de querer exceções. Até por que, como é notório, há festivais a serem realizados.”
António Filipe, deputado do PCP, no Facebook, 9 de agosto
Os factos
Logo quando anunciou a proibição dos festivais até 30 de setembro, o Governo foi obrigado a mudar o comunicado do Conselho de Ministros por causa do PCP: onde se lia anteriormente “festivais de música” passou a ler-se “festivais e espetáculos de natureza análoga”, depois de os comunistas terem dito que o Avante é uma “grande realização político-cultural que se realiza desde 1976, muitos anos antes da existência daquele tipo de festivais”. Desde então, a maioria dos festivais de música cancelou a edição de 2020, adiando-a para o próximo ano, mas o PCP decidiu manter a realização da sua maior festa.
O decreto do Executivo, que viria a ser aprovado pela Assembleia da República e promulgado pelo Presidente da República, é mais complexo do que uma simples proibição. De facto, no primeiro ponto, lê-se que “é proibida, até 30 de setembro de 2020, a realização ao vivo em recintos cobertos ou ao ar livre de festivais e espetáculos de natureza análoga”. Esta definição deixa de fora os eventos definidos como iniciativa política, religiosa ou social pela entidade promotora, como é o caso da Festa do Avante que se realiza entre 5 a 7 de setembro, na Quinta da Atalaia, no Seixal, num recinto com trinta hectares.
Além disso, no segundo ponto, abre-se uma exceção aos “festivais e espetáculos de natureza análoga”: “Os espetáculos referidos no número anterior podem excecionalmente ter lugar, em recinto coberto ou ao ar livre, com lugar marcado, após comunicação nos termos do número anterior e no respeito pela lotação especificamente definida pela Direção-Geral da Saúde em função das regras de distanciamento físico que sejam adequadas face à evolução da pandemia da doença COVID-19″.
Esta foi a leitura que Marcelo Rebelo de Sousa deixou bem patente quando promulgou o decreto. “Mesmo os assim qualificados festivais e espetáculos de natureza análoga podem realizar-se desde que haja lugares marcados e a lotação e o distanciamento físico sejam respeitados”, escreveu o Presidente da República, apelando à “garantia do princípio da igualdade entre cidadãos, a transparência das qualificações, sua aplicação e fiscalização e a clareza e o conhecimento atempado das regras sanitárias aplicáveis nos casos concretos”. Ou seja, o decreto deixou a porta aberta a eventos de grande dimensão — sejam classificados como políticos ou não — desde que devidamente coordenados com a DGS, como está a acontecer atualmente com o PCP e a Festa do Avante.
Essa interpretação foi confirmada então pelo primeiro-ministro: “A atividade política do PCP ou de qualquer outro partido não está proibida”, disse António Costa, deixando no ar a ideia de que o festival comunista poderá realizar-se, desde que cumpra as recomendações da DGS. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, explicou também que fica prevista “a possibilidade de realização de alguns eventos culturais, desde que sejam cumpridas as regras de lugares marcados, mesmo que ao ar livre, a limitação de entradas e se forem cumpridas as regras da Direção-Geral da Saúde (DGS)”.
As reuniões entre a DGS e o PCP começaram ontem e o subdiretor-geral da DGS, Rui Portugal, já admitiu que podem ser recomendados “eventuais ajustes” ao evento após se concluir a análise do plano enviado pela organização comunista. Os encontros têm um “caráter técnico”, existindo “um trabalho conjunto a fazer com grande ponderação”, fruto de avaliação do risco e da atividade epidémica, explicou o secretário de Estado da Saúde, António Sales. Não se conhece em pormenor todas as regras, mas o PCP já divulgou um vídeo com as medidas sanitárias que pretende implementar.
Um exemplo de outro festival que já ocorreu durante a pandemia é o Festival ao Largo, patrocinado pelo Millennium BCP, entre 10 a 25 de julho, no Palácio Nacional da Ajuda. Contudo, a dimensão deste festival, face ao Avante, não é comparável (é menor). Segundo o PCP, há ainda “o Jazz ao ar livre em Leiria, o Jardim de Verão na Gulbenkian, programação do CCB, ‘Noites do Palácio’, no Porto”. “A proibição dos Festivais de Verão correspondeu a uma decisão adotada de acordo com os interesses específicos dos seus promotores face a problemas concretos que estes identificaram”, escreveu o partido, referindo-se possivelmente ao problema financeiro que se coloca aos privados com a realização destes eventos com uma lotação reduzida.
A Prova dos 9
Da leitura estrita da lei, a conclusão é que nada proíbe a realização da Festa do Avante, segundo a interpretação que o Governo e o Presidente da República fazem do decreto aprovado pela Assembleia da República. O mesmo se aplica aos restantes festivais que, em coordenação com a DGS e cumprindo determinadas regras, podem realizar-se este ano. Assim, não se verifica a insinuação de Marques Mendes de que há “filhos e enteados” e uma aplicação diferenciada da lei. E confirma-se a veracidade das palavras de António Filipe quando diz que os festivais não estão totalmente proibidos à luz da lei.
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