Teletrabalho pode agravar consequências do “technostress”
Quanto mais útil é a tecnologia, mais viciante se pode tornar, com maior impacto para quem sofre de "technostress", revela estudo. Mas empresas podem ajudar a promover o uso saudável da tecnologia.
Não consegue largar o telemóvel com receio que o seu chefe o contacte? Verifica o email todos os dias antes de dormir? Como classifica a sobrecarga de tecnologia no seu dia-a-dia? Se se identifica com algum destes cenários é provável que esteja sob o efeito de technostress.
Um estudo, conduzido pelo Observatório de Liderança e Bem-Estar da Nova SBE, demonstra que à medida que aumenta a utilidade da tecnologia, maior é o risco de dependência. Num cenário potenciado pelo teletrabalho decorrente da pandemia, as organizações podem ter um papel potenciador, mas também de prevenção destes problemas.
“Quanto mais útil é a tecnologia, mais vulneráveis estão as pessoas que sentem technostresss, porque esta combinação gera adição, e esta adição gera mais technostress“, começa por explicar à Pessoas Filipa Castanheira, uma das coordenadoras do estudo em curso no Observatório de Liderança e Bem-Estar da Nova SBE.
Utilidade aumenta dependência
O conceito de technostress começou a ser estudado no final da década de 80, mas a observação dos investigadores vem trazer novos dados sobre este tipo de stress. Filipa Castanheira e Pedro Neves, investigadores do Observatório de Liderança e Bem-Estar da Nova SBE, têm vindo a estudar os efeitos do stress há várias décadas e concluem neste estudo que as pessoas que consideram a tecnologia “útil e benéfica” são a fatia da população mais vulnerável aos comportamentos de adição.
“Depois da pandemia e do confinamento, esta utilidade [da tecnologia] tornou-se vital. Utilizar tecnologias para trabalhar não é uma opção, e como preciso delas para trabalhar, acabo por não conseguir deixar de estar exposto ao efeito nocivo da tecnologia e fico dependente disso”, esclarece Filipa Castanheira.
Quanto mais útil é a tecnologia, mais vulneráveis estão as pessoas que sentem technostresss, porque esta combinação gera adição, e esta adição gera mais technostress.
“É uma reação oposta. Normalmente quando algo nos faz mal, tentamos circunscrever o seu efeito”, acrescenta. A sensação de ansiedade por não estar conectado é um dos sintomas e o impacto desta adição pode perdurar no tempo.
“O problema não é ver o email, é a sensação de que tenho de ver o email. É quase como uma síndrome de abstinência. Se eu não estou conectado, alguma coisa se pode estar a passar e eu não sei o que é”, exemplifica a investigadora.
Organizações podem ser a causa e a solução
Comportamentos compulsivos, alteração da alimentação, ansiedade, dificuldade em dormir ou acordar a meio da noite a pensar em trabalho são alguns indicadores de technostress.
“Descobrimos que isto, não só promove um ciclo vicioso que vai aumentando à medida que o tempo passa mas, por outro lado, as pessoas acabam em última instância por se tornar incapazes de fazer o seu trabalho. Ou seja, acabam por perder tanto tempo, centradas no que a tecnologia pode trazer que acabam por nem sequer ser capazes de fazer o seu trabalho”, exemplifica Pedro Neves.
Descobrimos que isto, não só, promove um ciclo vicioso que vai aumentando à medida que o tempo passa, mas por outro lado as pessoas acabam em última instância, por se tornar incapazes de fazer o seu trabalho.
A desorganização do trabalho, o excesso de acessibilidade para as chefias e até o receio de não conseguir lidar com algumas ferramentas tecnológicas, também são algumas das consequências da elevada exposição ao technostress.
Estes comportamentos compulsivos vão gerar menos produtividade e menos capacidade de usar a tecnologia em prol do trabalho de forma eficaz. Estas sensações foram “exacerbadas” pelo trabalho remoto, devido à pandemia, e podem ter ainda maior expressão em empresas com “culturas always-on, tóxicas ou abusivas“, refere a investigadora.
“No stress profissional, o foco de intervenção mais eficaz e mais sustentável não é nas pessoas, é na fonte que gera esse stress. Por um lado os trabalhadores têm de estar alerta, para se protegerem e conseguirem ter consciência do que está a acontecer, mas a origem está na utilização da tecnologia que tem de ser regulada por uma cultura, portanto temos de ir ao contexto de trabalho“, ressalva.
Formar e regular expectativas
O confinamento obrigou milhares de empresas a transitar para o trabalho remoto e acelerar a transformação digital, trazendo consigo alguns problemas, entre eles o excesso de vigilância através da tecnologia, referem os investigadores.
O papel das chefias deve passar pela formação para o uso das tecnologias e o seu uso para estabelecer relações de confiança, facilitar o trabalho e regular as expectativas dos trabalhadores.
É urgente estudar estes fenómenos, para que aqueles que foram os hábitos aprendidos numa situação muito específica de confinamento, não se tornem hábitos instalados e expectativas de chefias e de gestão.
O investigador Pedro Neves refere-se ao fenómeno como um “efeito perverso”, pois “tal como todos os comportamentos viciantes, torna-se paralisante”, causando grandes impactos na vida profissional. Para se protegerem, os trabalhadores devem “racionalizar a utilidade da tecnologia e a organização do seu trabalho”, aconselham os investigadores.
“Não é tirar as tecnologias, é utilizar as tecnologias de outra maneira e com outros limites”, ressalva Filipa Castanheira. “Um pico de trabalho é um pico de trabalho. O problema é quando o pico se torna um planalto. Tenho de considerar que talvez não seja aceitável, eu esperar que o meu trabalhador esteja disponível para mim 24 horas por dia“, destaca.
Alguns resultados preliminares do estudo sugerem até que os trabalhadores de empresas mais inovadoras e com mais recursos a tecnologias, são também mais vulneráveis e têm mais tendência para promover o technostress. “É urgente estudar estes fenómenos, para que aqueles que foram os hábitos aprendidos nua situação muito específica de confinamento, não se tornem hábitos instalados e expectativas de chefias e de gestão“, remata.
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