Portugal pode poupar 4,5 milhões por ano com social bonds da Europa
Ao pedir dinheiro emprestado à Europa em vez de ir diretamente aos mercados financiar-se, Portugal poupa nas taxas de juro já que a União Europeia consegue emitir dívida com melhores condições.
A União Europeia já foi aos mercados buscar o dinheiro que precisa para emprestar aos Estados-membros. Foi uma emissão de dívida histórica, com um juro negativo e uma procura recorde, que irá refletir-se nos custos destes empréstimos aos países. Portugal pediu 5,9 mil milhões de euros ao programa SURE, que dá apoio no domínio do emprego, o que significa que poderá poupar cerca de 4,5 milhões de euros por ano face ao que teria de pagar se fosse aos mercados.
A primeira emissão conjunta de social bonds da UE resultou na colocação de 17 mil milhões de euros, com uma procura nunca vista de 233 mil milhões de euros (ou seja, 14 vezes superior). “Os mercados de dívida em euro estão a escrever um novo capítulo nos livros de história com esta transação inaugural recorde da UE, que era amplamente antecipado. Mais importante que a procura recorde é o preço”, aponta o Commerzbank numa nota assinada por Michael Leister e Cem Keltek.
Graças ao robusto apetite dos investidores, o juro acabou por cair face à estimativa inicial e foi mesmo negativo no caso dos títulos a dez anos. Na dívida que atinge a maturidade a 4 de outubro de 2030, foram emitidos dez mil milhões com uma yield negativa de 0,238%. Já nas obrigações com prazo a 4 de outubro de 2040, a colocação foi de sete mil milhões com um juro de 0,131%. É esta emissão que será a referência para o custo dos empréstimos direcionados ao emprego, o SURE, aos vários países.
"Os mercados de dívida em euro estão a escrever um novo capítulo aos livros de história com esta transação inaugural recorde da UE, que era amplamente antecipado. Mais importante que a procura recorde é o preço.”
No caso de Portugal, o Ministério das Finanças de João Leão pediu 5,9 mil milhões de euros desta linha (a receber ao longo de três anos). Ao pedir dinheiro emprestado à Europa em vez de ir diretamente aos mercados financiar-se, Portugal poupa nas taxas de juro já que a União Europeia consegue emitir dívida com o mesmo prazo a condições mais favoráveis.
“A yield do Tesouro português a dez anos cota nos 0,18% e para um montante de dez mil milhões de euros, em termos proporcionais, caberia a Portugal à volta de 670 milhões de euros na emissão a dez anos, e uma poupança de 0,41%, logo quase 2,8 milhões de euros anualmente”, explica Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, em declarações ao ECO.
A yield da OT portuguesa a 20 anos ronda os 0,56%, atualmente, o que permite uma poupança de cerca de 0,42%, na proporção que caberia a Portugal de cerca de 470 milhões de euros, ou seja, 1,7 milhões de euros anuais. “No total, Portugal terá uma poupança anual aproximada de 4,5 milhões de euros com esta emissão de social bonds europeia“, refere Paulo Rosa.
Portugal entre os países mais beneficiados. França e Alemanha ficam à margem
A União Europeia tem um rating superior a Portugal, em AAA por duas das três principais agências de notação financeira. A notação financeira de grande qualidade é uma das razões apontadas para os baixos juros conseguidos, a par da grande expectativa gerada em torno do projeto europeu e ainda a perspetiva de que o Banco Central Europeu (BCE) fique com grande parte destas emissões no âmbito do programa de compra de ativos.
Quanto maior for o diferencial entre o juro pedido pelos investidores nos mercados aos países e a yield pedida à UE maior o ganho, o que é claro pelos países que recorreram a esta linha. Estados como Portugal, Espanha, Itália ou Grécia pediram apoio, enquanto França ou Alemanha — que têm juros mais baixos no mercado — preferiram ficar de fora.
“Portugal encontra-se num conjunto de países beneficiados porque no mercado secundário as yields destas duas maturidades estão acima das emissões das social bonds. Em sentido contrário, a titulo de exemplo, a Bélgica conseguiria taxas de juro melhores a dez anos numa emissão em primário pelo próprio país, porque a yield nesta maturidade anda à volta dos -0,35%. Todavia, esta emissão é mais favorável para países como a Grécia com rentabilidades mais elevadas que as OT de Portugal, apesar do montante para Grécia ser metade do português”, exemplifica Paulo Rosa.
Para conseguir estas condições mais favoráveis, a UE optou por emitir social bonds, um tipo de obrigações especialmente desenhadas para financiar projetos com benefícios para a sociedade, o que terá sido um dos fatores chave para captar o interesse dos investidores. Os dados finais indicam que 578 investidores participaram na tranche a dez anos e 514 investidores na tranche a 20 anos, sendo que aproximadamente 63% do total foi alocado a investidores ESG.
O dinheiro do SURE servirá para apoiar os países europeus face ao aumento da despesa pública registado desde fevereiro em resultado do lançamento de mecanismos extraordinários como o português lay-off simplificado, que tem ajudado os empregadores a pagar salários e a manter os postos de trabalho. No total, estão em causa apoios no valor de 87,4 mil milhões de euros a que os 17 Estados membros recorreram.
Até final de 2021, a instituição europeia irá emitir até 100 mil milhões de euros em social bonds para financiar o SURE. Assim, esta foi apenas a primeira emissão de dívida da UE, sendo esperado que ainda a entidade europeia ainda volte, este ano, aos mercados. Os analistas do Commerzbank estimam que a UE coloque mais 30 mil milhões em 2020, bem como uma média de 10 mil milhões de euros por mês, em 2021, até chegar ao limite. Depois do SURE, a união começará a financiar o programa Next Generation EU nos próximos seis anos.
"O Fundo de Recuperação é muito importante para a Europa. Dá um sinal de união na Europa que era muito necessário para complementar a estratégia de estímulos [do Banco Central Europeu].”
A rede de segurança desenhada pela Europa era amplamente esperada pelos mercados, que voltaram a mostrar preocupação nos últimos dias face ao agravamento da situação epidemiológica na Europa. Com esta operação, o foco regressa à capacidade dos Estados em financiarem a recuperação económica, que beneficiar de uma bazuca do Fundo de Recuperação com um total de 750 mil milhões de euros.
“O Fundo de Recuperação é muito importante para a Europa. Dá um sinal de união na Europa que era muito necessário para complementar a estratégia de estímulos” do Banco Central Europeu, aponta Elena Domecq, da equipa de clientes e estratégia para Portugal da J.P. Morgan Asset Management. “Tivemos uma profunda recessão, seguida de uma forte retoma. Esperamos que os dados macroeconómicos continuem a melhorar e que haja um grande apoio dos decisores políticos”.
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