Bloco arrisca perda eleitoral igual à de 2011 por causa do Orçamento? Politólogos duvidam
Em 2011, após ajudar a chumbar o PEC IV, o BE encolheu para metade. Nove anos depois, com o voto contra ao OE, a história repete-se? Os politólogos não estão certos, admitindo benefícios eleitorais.
O Bloco de Esquerda poderá não sofrer o mesmo estrago eleitoral que ocorreu há nove anos quando inviabilizou o PEC IV do Governo de José Sócrates, perdendo metade dos seus deputados nas eleições de 2011. Agora com o voto contra ao Orçamento do Estado para 2021, sem implicar o seu chumbo, a história pode repetir-se para os bloquistas? Os politólogos consultados pelo ECO admitem que esse cenário é possível, mas também não excluem um cenário de ganhos eleitorais face ao distanciamento do PS e do PCP.
“O BE estava cansado de andar ao lado do PCP“, considera o politólogo José Adelino Maltez ao ECO, apelidado de “abstenções violentas” as últimas votações dos bloquistas nos Orçamentos. A “mesa de pé-de-galo” que era a geringonça “perdeu uma pata”, tornando-se numa “geringonça retalhada”. “Resta saber se esta estratégia do BE, que já tinha vários sinais, é uma espécie de regresso à nostalgia revolucionária”, questiona, argumentando que como mostra a experiência do Podemos, a aproximação ao poder “não resulta bem para a mobilização do eleitorado”.
Dito isto, o politólogo não tem dúvidas de que o Bloco de Esquerda “fez as contas” e concluiu que há “esperança de crescimento”, procurando a “margem de contestação ao sistema”. “O BE não brinca em serviço: calculou que pode ser beneficiado“, conclui, assinalando que, apesar de lhe faltar o “pé autárquico e sindicalista”, o partido tem “estabilidade eleitoral e adapta-se muito rapidamente, ao contrário do ‘monocolor’ PCP”. A mesma visão é partilhada pela politóloga Paula Espírito Santo que vê o BE “a demarcar-se no curto e médio prazo” do PS, tendo a decisão um caráter “mais político do que de conteúdo”.
“Agora a história pode não repetir-se uma vez que o contexto é diferente”, admite, referindo que o “finca pé” do BE serve para “marcar a posição ideológica”. “O Bloco está a aproveitar o momento político de fragilidade e de crise para reservar espaço próprio caso algo corra mal” ao Governo socialista, diz Paula Espírito Santo, classificando a decisão da Mesa Nacional de “um pouco artificial”. “No fundo, uma posição estratégica e eleitoralista para vincar a demarcação às posição do PS”, conclui, até porque, na prática, não vai inviabilizar o OE 2021.
Porém, como o “tempo político é muito rápido, é difícil fazer projeções de longo prazo”. “Em tempos de crise, há mudanças rápidas e drásticas na política”, recorda a politóloga. Tanto que a opinião de que não haverá consequências políticas não é unânime. Ao ECO, André Freire diz que, tendo em conta os estudos de opinião que mostram que a maioria dos portugueses gostou a geringonça, esta decisão poderá não ser “favorável” ao BE.
“Parece-me que não aprenderam nada com 2011… acho que é um erro“, avalia o politólogo, admitindo não saber se vai acontecer o mesmo desaire eleitoral de há nove anos, mas avisando que poderá haver efeitos de “ricochete” já nas presidenciais de janeiro para Marisa Matias. “Uma decisão destas é de gravidade“, classifica, referindo que o BE fica “isolado” à esquerda com o PCP a ficar com o ónus de “partido responsável”. Ainda assim, Freire reconhece que o BE tem “razões de queixa” por ter proposto um acordo de legislatura.
Especialidade é o teste à decisão do BE
Para Paula Espírito Santo “a expectativa principal é relativa à tomada de posição em medidas concretas durante a fase de especialidade para se perceber a extensão da oposição do BE ao PS“. A falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi um dos motivos para a oposição do BE, mas a politóloga considera que é “importante perceber quais são as alternativas e em que medida houve ou não alinhamento do Governo às propostas do BE”.
A própria líder do BE, Catarina Martins, admitiu que o sentido de voto na votação final global do OE 2021 ainda não está definido pelo que pode haver mudanças na fase de especialidade que façam mudar a opinião dos bloquistas. Contudo, o Governo parece ter fechado a porta a mais negociações caso o BE vote contra, o que significaria uma rotura maior entre os dois ex-parceiros de geringonça.
Independentemente do que acontecer ao OE 2021, José Adelino Maltez considera que Portugal terá sempre um Orçamento: “À última hora haverá acordo entre PS e PSD, se for necessário, até com a intervenção do Presidente da República”, antevê, referindo o interesse nacional da crise pandémica e da presidência portuguesa da União Europeia no primeiro semestre de 2021, além da impossibilidade de se convocar eleições. “Ninguém está preparado para crise política“, diz, referindo que “não há temperatura política” para tal.
A estabilidade virá então de onde? Do PCP, “um partido de contratos”, classifica o politólogo, argumentando que o “PS entende-se perfeitamente com o PCP”, como é visível ao nível autárquico. “É um clássico na democracia portuguesa este institucionalismo” do PCP, uma força política “extremamente previsível”, descreve José Adelino Maltez, em contraste com o BE que “é mais irrequieto”.
André Freire também classificar o BE de “enfant terrible”, mas não crê que esta decisão de votar contra seja “irremediável”. “Pode haver um volte face” até à votação final global, durante a fase da especialidade, admite. De facto, o Governo primeiro ameaçou fechar portas à negociação com os bloquistas, mas posteriormente atenuou essa intenção e o PS tem sugerido que continuará a negociar. O próprio BE não exclui essa hipótese. “O BE tem de adotar uma atitude ajustada ao que está em causa, abster-se para viabilizar OE… não é um voto de apoio”, conclui o politólogo.
Falta saber quem mais “lucra” eleitoralmente: o previsível ou o irrequieto.
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