Bruxelas está a falhar na proteção da biodiversidade dos mares, diz Tribunal de Contas Europeu
Conclusão é de um relatório especial do Tribunal de Contas Europeu que diz que as áreas marinhas protegidas dão apenas proteção limitada, enquanto a sobrepesca continua a ser praticada no Mediterrâneo
“A proteção do ambiente marinho pela União Europeia é superficial”. Esta é a principal conclusão do mais recente Relatório Especial adotado pelo Tribunal de Contas Europeu. Segundo o documento, publicado esta quinta-feira, as ações levadas a cabo por Bruxelas não conduziram à recuperação dos ecossistemas e habitats dos mares europeus. Diz o relatório que “o quadro da UE não é suficientemente profundo para recuperar o bom estado ambiental dos mares e os fundos da UE raramente apoiam a conservação das espécies e dos habitats marinhos”.
O Tribunal constatou ainda que as áreas marinhas protegidas (AMP) proporcionam apenas uma proteção limitada, enquanto a sobrepesca continua a ser praticada, especialmente no Mediterrâneo. Ou seja, em teoria a UE está empenhada em proteger o ambiente marinho através das suas políticas do ambiente e das pescas, que se encontram definidas na Diretiva-Quadro Estratégia Marinha e nas Diretivas Aves e Habitats e que incluem a definição de uma rede de AMP.
A política comum das pescas da UE visa assegurar que as atividades de pesca sejam ambientalmente sustentáveis e reduzir ao mínimo os seus impactos negativos no ecossistema marinho, bem como disponibilizar financiamento para o efeito, no entanto, na prática, a União não conseguiu ainda travar a perda de biodiversidade nos mares do continente.
“Pela sua importância económica, social e ambiental, os mares são um verdadeiro tesouro. No entanto, as ações da UE até à data não conseguiram recuperar o bom estado ambiental dos mares da Europa nem repor os níveis sustentáveis da pesca”, afirmou João Figueiredo, membro do Tribunal de Contas Europeu responsável pelo relatório, citado em comunicado. “A nossa auditoria lança um alerta claro sobre a proteção dos mares pela UE.”
No terreno, refere o documento de 78 páginas, o quadro regulatório da UE proporciona apenas uma proteção limitada da biodiversidade marinha. “As mais de 3.000 áreas marinhas protegida (AMP) são as medidas mais emblemáticas de conservação. Contudo, e mesmo que a rede de proteção que representam seja vasta, não passa de superficial,” salienta o Tribunal. Esta conclusão espelha uma avaliação recente da Agência Europeia do Ambiente (AEA), de acordo com a qual menos de 1% das AMP europeias podiam ser consideradas reservas marinhas com proteção total.
Para serem realmente eficazes, as áreas marinhas protegidas teriam de abranger as espécies marinhas mais vulneráveis da UE e os seus habitats, incluir restrições de pesca onde necessário e ser bem geridas, situação que está longe de acontecer, frisa o relatório.
Outra conclusão prende-se com o facto de os instrumentos regulamentares que ligam a política da UE em matéria de biodiversidade marinha à política das pescas não funcionarem bem na prática. O relatório avaliou que, nas áreas examinadas pelo Tribunal, esses instrumentos ainda não foram utilizados com sucesso. “A legislação da UE inclui disposições referentes às espécies e habitats ameaçados, mas que datam de há mais de 25 anos e não têm em conta os conhecimentos científicos recentes”, diz o Tribunal.
Quanto à pesca, atividade com um “impacto considerável no meio marinho”, embora a política comum das pescas já tenha começado a melhorar as populações de peixes no Atlântico, “não se observaram sinais significativos de progressos no Mediterrâneo, onde a pesca é praticada a níveis mais de duas vezes superiores aos sustentáveis”. A Agência Europeia do Ambiente anunciou recentemente que apenas 6% das populações de peixes avaliadas no Mediterrâneo cumpriam os critérios do “rendimento máximo sustentável”.
Por último, quanto ao financiamento, as políticas da União Europeia preveem que os fundos comunitários apoiem a proteção do ambiente marinho, “mas apenas uma pequena parte é utilizada para essa finalidade”: entre 20174 e 2020 foram afetados cerca de 6 mil milhões de euros ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, no entanto, o Tribunal estima que os quatro Estados-Membros visitados (Espanha, França, Itália e Portugal) utilizaram apenas 6% com medidas diretamente relacionadas com a conservação e outros 8% com medidas com um impacto menos direto sobre a conservação. Deste montante, destinaram menos de 2 milhões de euros (0,2%) a limitar o impacto da pesca no ambiente marinho, conclui o relatório.
Esta auditoria abrangeu o período entre 2008 (ano de adoção da Diretiva-Quadro Estratégia Marinha) e março de 2020. Concentrou-se no Golfo da Biscaia e na Costa Ibérica, na Macaronésia e no Mar Mediterrâneo Ocidental. O Tribunal visitou os quatro Estados-Membros que têm faixas costeiras nestas zonas marítimas: Espanha, França, Itália e Portugal. Em 2021, terá lugar uma reunião da Conferência das Partes da Convenção
sobre a Diversidade Biológica.
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