TAP a financiar-se sozinha já em 2022, só com regresso do turismo. E vai pagar caro
O ministro das Finanças João Leão quer que a TAP se esteja a financiar nos mercados já no próximo ano. Os analistas consultados pelo ECO não consideram impossível, mas alertam que há condicionantes.
A atual situação financeira débil da TAP quase impede de visualizar um futuro em que a companhia aérea consiga financiar-se nos mercados, mas o ministro das Finanças, João Leão, gostaria que acontecesse já no próximo ano. Se esse empréstimo tiver garantias de Estado é mais provável que os investidores não virem as costas à TAP, mas o que irá determinar se a empresa consegue ou não fazê-lo é a velocidade da retoma e a relação com os atuais investidores.
“É importante que a empresa viva por si própria (…) para que o mais rápido possível, se possível a partir do próximo ano ou mais tarde, a empresa deixe de ter de ser financiada pelo Estado“, disse Leão, em entrevista à Reuters. Apesar de se mostrar confiante que o plano de reestruturação será aprovado pela Comissão Europeia, o ministro lembrou que “as medidas de apoio do Governo são limitadas no tempo”.
O objetivo será, então, que a TAP volte a financiar-se nos mercados nos próximos anos, já com um plano de reestruturação em implementação que prevê, até 2024, a redução de 3.000 postos de trabalho e do número de aviões para 88 (face aos atuais 108). A hipótese não é excluída pelos analistas consultados pelo ECO, mas todos têm reservas. Se por um lado a elevada liquidez e forte apetite por yield no mercado poderão beneficiar a companhia aérea, por outro, só será possível consoante a recuperação da empresa e da própria economia.
“Existe a possibilidade de a TAP, no futuro, se refinanciar no mercado obrigacionista”, diz uma fonte da banca de investimento, que prefere não ser identificado devido à sensibilidade e à elevada envolvência política do tema. “Terá, provavelmente, de ser quando o setor do turismo estiver em forte recuperação e perto da normalidade“.
"É importante que a empresa viva por si própria (…) para que o mais rápido possível, se possível a partir do próximo ano ou mais tarde, a empresa deixe de ter de ser financiada pelo Estado.”
O apetite de investidores — seja no mercado de ações ou dívida — está condicionado pelas circunstâncias do momento. Em alturas de maiores dúvidas quanto à evolução da economia, o mercado fecha-se mais (como aconteceu a certa altura no ano passado), tendo os ativos de menor risco maior procura. Uma segunda fonte do setor financeiro sublinha que quando as perspetivas de melhorias económicas são mais evidentes, o leque de opções, em termos de ativos financeiros disponíveis, começa a alargar-se, enquanto a procura por rendimento dá uma ajuda adicional.
“As condições não serão as melhores já que dado o elevado endividamento da empresa e fraca rentabilidade teria de pagar taxas de juro bem acima dos 5%. E nunca seria um montante elevado, ou que fosse especialmente usado para repagar ao estado português. Mas é possível graças ao grande apetite por yield, por parte dos investidores”.
A TAP recebeu um primeiro empréstimo de 1,2 mil milhões de euros, em 2020, para fazer face às necessidades de liquidez imediatas. Este dinheiro poderá ser convertido em capital, para que os indicadores financeiros da empresa melhorem, como explicou Leão à Reuters. Além deste dinheiro, a companhia aérea vai precisar de uma injeção de mais cerca de 2 mil milhões de euros, que irá começar a chegar em tranches assim que a Comissão Europeia o permita. É este valor que terá de ser devolvido, sendo que a expectativa do Governo é que esse pagamento arranque em 2025 (quando a TAP já poderá estar a dar lucros).
Relação com os obrigacionistas atuais determinará confiança dos futuros
O montante é demasiado elevado para que a companhia aérea se aventure, numa primeira ida ao mercado, a tentar financiar-se para devolver o dinheiro ao Estado. Poderá, no entanto, começar logo em 2022 a testar o mercado para não ter de o fazer de emergência em 2024 (correndo o risco de não conseguir e ficar numa situação difícil) tal como fizeram o BCP, a Caixa Geral de Depósitos e o BPI no tempo das obrigações de capital contingente subscritos pelo Estado para capitalizar a banca (os CoCos).
“O regresso ao mercado completamente independente vai depender muito da recuperação da atividade económica, das restrições e da execução do plano por parte da empresa. A TAP conseguir ir ao mercado no próximo ano e ter a confiança dos investidores poderá ser um prémio de execução do plano, sabendo de antemão que a confiança dos investidores tem memória“, alerta uma terceira fonte.
Na mesma entrevista à Reuters, o ministro das Finanças João Leão disse que “não está previsto” nenhum corte nas obrigações da TAP, mas deixou a porta aberta, dizendo que é uma discussão a ter com a Comissão Europeia para “garantir que todos os stakeholders estão envolvidos”.
"Até agora, não está previsto [um haircut nas obrigações da TAP], mas é uma discussão que temos de ter com a Comissão Europeia para garantir que todos os stakeholders estão envolvidos.”
No total são 725 milhões de euros, incluindo três emissões realizadas em 2019. Em junho, a TAP colocou 200 milhões de euros em obrigações junto de mais de seis mil investidores, dos quais 105 milhões de euros ficaram nas mãos de trabalhadores, clientes do programa de milhas e outros pequenos aforradores. Estes títulos têm um juro anual de 4,375% até atingirem o prazo em 2023.
Em dezembro do mesmo ano, a TAP voltava ao mercado para emitir 375 milhões de euros junto de investidores institucionais. Desta vez, tratam-se de títulos com maturidade em 2024, até quando paga um juro de 5,75%. Estas são as taxas à qual os títulos são emitidos, mas em mercado secundário as yields têm-se agravado em reação ao risco de a TAP vir a não ter capacidade de reembolsar.
“É um argumento atendível para o não envolvimento dos obrigacionistas nesta fase. Quanto melhor for a gestão com os bondholders, melhor será o regresso dos investidores à TAP”, acredita o mesmo analista. Não só o haircut, mas também o diálogo com os investidores ao longo de todo o processo poderá ser determinante.
“São temas muito sensíveis com interpretações políticas. O regresso ao mercado da TAP será tão mais rápido quanto existir a recuperação da atividade da empresa e a forma como forem tratados os atuais titulares de dívida no processo de reestruturação“, acrescenta. Os vários analistas vêm como mais provável uma emissão de obrigações junto de investidores institucionais (com uma garantia do Estado), mas não excluem a possibilidade de ser retomada a ideia de dispersão em bolsa, nomeadamente quando o Estado quiser abandonar ou reduzir a participação no capital da TAP.
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