Bancos podem ficar pressionados para cumprir os rácios de capital em 2021
Bancos pressionados a cumprir os rácios de capital devido à pressão das moratórias associadas à Covid-19. CMVM pede ainda atenção ao impacto que dos passivos contigentes nas contas públicas.
A Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) considera, no seu relatório de riscos para 2021, que os bancos podem ficar pressionados a cumprir os rácios de capital devido à pressão das moratórias associadas à Covid-19.
“O setor bancário poderá registar perdas substanciais – exacerbadas por regimes de moratórias -, e uma percentagem não negligenciável de bancos comerciais poderá sentir-se pressionada no que respeita ao cumprimento dos requisitos de fundos próprios”, alerta a CMVM no relatório conhecido esta terça-feira.
No mesmo documento, o regulador do mercado alerta que, num cenário adverso de aumento de volatilidade associado ao pricing da dívida pública, o sistema bancário dos países periféricos será mais afetado”, com o risco soberano desses países a poder “afetar as condições de financiamento do sistema bancário”.
“De acordo com estimativas do FMI, em caso de recessão prolongada, uma percentagem significativa de bancos poderá necessitar de recapitalização. Nos sistemas bancários mais frágeis, essas operações de recapitalização poderão depender de injeções de fundos públicos”, refere ainda a entidade presidida por Gabriela Figueiredo Dias.
No documento, o regulador afirma que “os riscos de médio prazo para a estabilidade financeira da zona Euro agravaram-se significativamente”, apesar das medidas de contenção da crise pandémica, que “deverá reduzir substancialmente a qualidade dos ativos da banca”.
“O setor bancário deverá registar uma nova degradação da qualidade creditícia das carteiras de empréstimos. Problemas de tesouraria e falta de rentabilidade originados por quebras de procura e de receitas deverão afetar a capacidade de pagamento do serviço da dívida pelas empresas do setor não-financeiro”, pode ler-se no documento.
A CMVM refere ainda que “as moratórias e o reconhecimento de perdas constituem uma das principais vulnerabilidades do setor financeiro. Uma maior duração da pandemia irá agravar a probabilidade de incumprimento, mas também as perdas em caso de incumprimento com a perda da qualidade dos ativos dos devedores”.
Já as garantias públicas “atenuam o nexus empresas não financeiras-banca, mas reforçam o nexus banca-Estado”, que tem vindo a ser reforçado “pela maior exposição dos bancos à dívida pública doméstica”.
“Segundo dados do BCE, a exposição dos bancos da zona euro a dívida soberana doméstica aumentou 19% desde o início de 2020, refletindo o papel do sistema bancário na absorção de emissões governamentais para financiar medidas de apoio à economia”, assinala o regulador do mercado português.
A CMVM considera que o risco de crédito é um dos “três riscos fundamentais” em 2021, a par do risco de mercado e riscos ambientais e sociais, segundo disse na sexta-feira aos jornalistas a sua presidente, Gabriela Figueiredo Dias.
“Neste exercício identificámos três riscos fundamentais para 2021: risco de crédito, risco do mercado e riscos ambientais e sociais”, disse aos jornalistas a presidente da CMVM, numa conferência de imprensa realizada por videoconferência relativa às prioridades do regulador para este ano.
Relativamente ao risco de crédito, “este havia já sido identificado em 2019 como um possível risco relevante ou muito relevante para 2020, e naturalmente que não poderíamos ter antecipado o nível de impactos que vieram efetivamente a verificar-se por força da crise pandémica”, disse a responsável máxima do regulador do mercado. Esse impacto do risco de crédito aconteceu “designadamente nas empresas não financeiras, nas famílias e nos Estados, ou governos, nos orçamentos públicos”, acrescentou.
CMVM pede atenção aos passivos contingentes resultantes das garantias públicas
No mesmo relatório a CMVM pediu atenção ao impacto que os passivos contingentes gerados pelas garantias públicas adotadas na sequência da crise da Covid-19 podem ter para as contas públicas. “Deverá ser dada particular atenção ao impacto que esses passivos contingentes irão ter na dívida pública nos próximos anos e como irá ser efetuado o reconhecimento de perdas”, pode ler-se na secção relativa ao risco de crédito dos Soberanos.
O regulador do mercado alerta que “as responsabilidades contingentes do Estado associadas a estas linhas de crédito atingiram, em outubro de 2020, cerca de 2,7% do PIB [produto interno bruto] de 2019”.
“Uma recuperação mais demorada da economia poderá criar um ‘nexus’ entre o Estado e o setor empresarial não financeiro”, de acordo com a entidade presidida por Gabriela Figueiredo Dias.
A CMVM diz que os esquemas de garantias, apesar de terem assumido “um papel de enorme relevância para suportar a economia numa primeira etapa”, poderão, devido à sua natureza, “resultar em perdas importantes para os Estados em caso de uma lenta recuperação da atividade económica”.
“Os défices orçamentais deverão superar cinco vezes os registados em 2019 nas economias avançadas”, releva o regulador do mercado, sustentando que uma recuperação mais lenta “pode elevar o risco de crédito destas economias no médio prazo, com a consequente degradação das condições de refinanciamento da dívida e impacto sobre o custo de financiamento dos demais agentes económicos”.
A CMVM antecipa que “tal situação será exacerbada com o possível reconhecimento de perdas em passivos contingentes (linhas de crédito com garantias públicas e injeções de capital no setor privado) assumidos pelos Estados na primeira fase da crise”.
“No caso de Portugal, poderá ser necessário refinanciar 17% da dívida atual. Devido ao ambiente de taxas de juro muito baixas, o serviço da dívida deverá aumentar no agregado da Zona Euro de 20% para 23% do PIB nos próximos dois anos. Sem prejuízo disso, o esforço será sobremaneira superior para os países mais endividados”, pode ler-se no relatório hoje conhecido.
A CMVM lembra que Portugal e outros países do sul da Europa “apresentam, simultaneamente, elevados stocks de dívida pública e um impacto severo da pandemia no tecido empresarial”, sendo também dos países que mais “recorreram a instrumentos como empréstimos garantidos e moratórias de dívida”.
“A evolução da crise pandémica condicionará a performance económica de Portugal e das principais economias avançadas em 2021″, considera ainda a CMVM numa análise macroeconómica.
No curto prazo, devido ao ressurgimento da pandemia a partir de outubro, aumentou a “incerteza em relação à conjuntura económica”, fazendo aumentar os riscos extremos associados às previsões macroeconómicas.
Na União Europeia (UE), a CMVM alerta mesmo que “uma insuficiente coordenação entre os países e a retirada de estímulos de forma prematura poderão aumentar a divergência entre a evolução das economias e a estabilidade da própria União”.
“Do lado dos Estados, alguns poderão deixar de reunir condições para continuar a sustentar a procura agregada através da redução de impostos ou do aumento de despesa, o que poderá deprimir ainda mais a atividade económica”, segundo a CMVM.
Nos mercados financeiros, “uma nova retração da procura induzida por um agravamento da crise pandémica irá dificultar a recuperação da situação económica das empresas, com reflexos imediatos nos mercados acionistas e obrigacionistas”.
A CMVM considera que o risco de crédito é um dos “três riscos fundamentais” em 2021, a par do risco de mercado e riscos ambientais e sociais, segundo disse aos jornalistas na sexta-feira a presidente Gabriela Figueiredo Dias.
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