Leão com mais margem para abrir cordões à bolsa em 2022
A proposta da Comissão Europeia para manter as regras orçamentais suspensas em 2022 foi recebida com "agrado" por João Leão. O ministro das Finanças deverá ficar assim com mais margem para gastar.
Tudo caminha no sentido de a União Europeia manter as regras orçamentais suspensas em 2022. Esta quarta-feira a Comissão Europeia avançou com uma proposta nesse sentido e os Estados-membros deverão aceitar, evitando ter de cumprir o limite do défice de 3% do PIB no próximo ano. João Leão reagiu ao anúncio do executivo comunitário com “agrado” e tem razões para isso: se avançar, esta suspensão dará margem ao Governo para gastar mais e durante mais tempo e facilitará as discussões dos Orçamentos.
A proposta chegou pela mão do Conselho das Finanças europeu e a Comissão Europeia aproveitou-a: as regras orçamentais só devem ser ativadas novamente quando o PIB agregado da União Europeia e da Zona Euro atingir o nível pré-pandemia, ou seja, o do final de 2019. Este critério quantitativo aplicado às atuais previsões económicas do executivo comunitário — que apontam para uma recuperação completa da UE a meio de 2022 — traduz-se num regresso das regras apenas em 2023, mantendo a suspensão no próximo ano.
Na prática, se esta proposta for aprovada pelos Estados-membros, isto significa que os países podem gastar mais e durante mais tempo para colmatar os impactos da crise pandémica, através de mais apoios temporários e deixando os estabilizadores automáticos (como o subsídio de desemprego) funcionar sem restrições. É com esta expectativa que João Leão deverá desenhar o cenário macroeconómico de médio prazo que constará do Programa de Estabilidade a ser entregue em abril, adiando a retirada gradual dos apoios face ao esperado anteriormente.
Após um défice em 2020 que terá ficado próximo de 6,3% do PIB, o ministro das Finanças já admitiu que o défice de 2021 deverá ficar acima dos 4,3% estimados no Orçamento do Estado por causa do novo confinamento e de uma recuperação mais lenta. Com um défice mais próximo de 5% do PIB (ou até superior), mais difícil seria para Leão (e para a retoma da economia) consolidar em 2022 o suficiente para ficar com um défice abaixo dos 3% do PIB, principalmente se a retoma não for acelerada. Com a suspensão das regras, este problema deixará de se colocar. “Nas circunstâncias atuais, os riscos de fazer pouco superam os riscos de se fazer demasiado“, resumiu Paolo Gentiloni, comissário europeu para a economia.
Em termos políticos, esta decisão deverá ajudar nas discussões para o OE2022, um momento que tinha sido definido por muitos observadores políticos como de rotura para a atual maioria parlamentar de esquerda. Com mais margem para gastar e com o Plano de Recuperação e Resiliência já em marcha, o Executivo terá uma maior capacidade de negociação com o PCP. E no curto prazo o Governo poderá também satisfazer a vontade ao Presidente da República que na última comunicação ao país pediu ao Estado para ir “mais longe em medidas de emergência e em apoios ao futuro arranque” da economia com o desconfinamento.
O Governo poderá mesmo contar com maior flexibilidade orçamental por parte das regras europeias até ao final da legislatura — no calendário “normal”, as próximas legislativas serão em outubro de 2023 –, o que contrasta com a legislatura anterior que ficou marcada pela consolidação orçamental e o primeiro excedente da democracia. Isto porque esta quarta-feira a Comissão Europeia deixou explícito que os países com uma retoma mais lenta, como é o caso de Portugal, vão gozar de uma maior flexibilidade. Apesar de a média do PIB europeu chegar ao nível pré-pandemia a meio de 2022, essa previsão esconde uma divergência significativa entre países, nomeadamente os do Sul e os do Norte por causa da dependência do turismo. No caso de Portugal, as previsões apontam para que recupere totalmente no final de 2022.
Assim, em 2023, mesmo com as regras orçamentais reativadas, a Comissão compromete-se a usar “toda a flexibilidade” que está no Pacto de Estabilidade e Crescimento. “As situações específicas de cada país irão continuar a ser tidas em conta após a desativação da cláusula geral de escape”, assumiu a Comissão, referindo-se à cláusula que permitiu que as regras orçamentais estivessem suspensas em 2020 e 2021 e, em princípio, em 2022, para todos os países europeus.
Ainda assim, mantém-se a mensagem de que os países mais endividados devem ter uma política “mais prudente” e que os apoios devem ser temporários e não definitivos (permitindo uma redução rápida do défice quando forem retirados). Isto é, no médio e longo prazo, países como Portugal terão sempre de implementar medidas para baixar o rácio da dívida pública para níveis mais sustentáveis, mesmo que as regras orçamentais mudem na sequência desta crise. A Comissão Europeia pretende arrancar ainda este ano com o debate sobre o futuro das regras.
Comissão Europeia pede aos países para não usarem subvenções para consolidar
Numa mensagem que contrasta com o conservadorismo orçamental que marcou a resposta à crise anterior, a Comissão Europeia faz um aviso aos países sobre o uso das subvenções do Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência: o investimento tem de ser “adicional” e não para servir de substituto ao investimento público existente e, ao mesmo tempo, não poderá servir para financiar despesas correntes. Este é um alerta que não é inocente uma vez que os dados mostram que desde a crise anterior que os países, incluindo Portugal, têm limitado o investimento público para facilitar a consolidação orçamental.
“É importante que os Estados-membos usem esta janela de oportunidade aberta pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, em particular quando desenharem as suas estratégias orçamentais de médio prazo”, escreve a Comissão Europeia num Q&A dedicado à comunicação desta quarta-feira, argumentando que “se o MRR não resultar num aumento do investimento [público], só irá reduzir temporariamente o défice e o rácio da dívida [pública], sem nenhum efeito positivo no crescimento potencial“.
Mais: para o executivo comunitário optar por esse caminho “arrisca resultar numa composição pior da despesa pública”. A Comissão quer, por isso, evitar a todo o custo que as subvenções sejam utilizadas para novas despesas correntes, até porque a margem orçamental “adicional” dada pelo MRR será “temporária”, lembra. Assim, o dinheiro europeu deve ser utilizado para “investimento adicional de alta qualidade e produtivo que contribua para a recuperação e aumente o crescimento potencial, em particular se combinado com reformas estruturais” previstas nas recomendações específicas por país feitas pela Comissão.
Em Portugal, as críticas internas ao Plano de Recuperação e Resiliência ligam-se, em parte, com esta questão. Há quem veja nos investimentos uma concretização de projetos que o Governo já queria implementar mas que não tinham verbas alocadas e há quem critique a canalização da maioria dos recursos europeus para o setor público, em detrimento do setor privado, em particular da recapitalização das empresas, como disse recentemente a CIP. Para já, não se conhece a opinião da Comissão Europeia sobre o PRR, cuja avaliação oficial só será divulgada após a entrega da versão final, o que deverá acontecer na primeira quinzena de março.
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