O que muda e não muda nas novas regras da banca
Centenas de comentários depois, aí está a versão final do Código da Atividade Bancária. Isto é o que muda e não muda nas novas regras da banca.
O Banco de Portugal já concluiu a consulta pública sobre o novo Código da Atividade Bancária (CAB), cujo processo foi lançado no final do ano passado. A versão revista do anteprojeto do CAB já está nas mãos do Governo para apreciação.
Perspetivam-se novas regras para a banca, ainda que, em alguns casos, o supervisor liderado por Mário Centeno tenha dado um passo atrás face à versão inicial do código face às centenas de comentários provenientes de 23 entidades. Isto é o que muda e não muda no CAB.
Designação do regime mantém-se
É um tema “lateral” nesta discussão, mas foi levantado durante a consulta pública. Questionou-se a utilização da designação “Código da Atividade Bancária”, pois o diploma em causa não teria as características de um verdadeiro código, que não cobriria toda a “atividade bancária” e que as matérias de resolução deveriam ser tratadas em diploma autónomo.
O Banco de Portugal manteve a sua posição aqui. “Um código não tem de esgotar, obrigatoriamente, as matérias correspondentes à totalidade do universo legal dos regimes nele tratado”, justificou o supervisor bancário.
Digitalização dos processos
Vária da tramitação entre supervisionados e supervisor vai passar a ser feita pelos canais digitais, designadamente os procedimentos administrativos e de processos contraordenacionais. O Banco de Portugal fica habilitado a, por regulamento, estabelecer os pormenores relativos à utilização de meios eletrónicos para estes efeitos. “Assim, poderá o regulador adequar esses trâmites às necessidades de cada momento, tendo em conta a contínua evolução tecnológica”.
Cai regime de determinação de venda de participações qualificadas
O Banco de Portugal propôs a criação de um regime que possibilitasse ao supervisor determinar a venda de uma participação qualificada. Mas voltou atrás nesta proposta face ao “volume e pertinência dos comentários recebidos durante a consulta pública e ponderando a eficácia da medida tal como apresentada”.
“Ao invés, consagra-se que a verificação de que a influência de um participante qualificado possa prejudicar a gestão sã e prudente tenha como efeito não só a inibição do exercício dos direitos de voto (tal como está previsto no RGICSF), mas também a suspensão do exercício de todos os demais direitos sociais”, refere.
Assim, propõe agora:
- Alargar a sua capacidade de intervenção a todos os direitos sociais (o direito a receber dividendos, o direito a participar em aumentos de capital ou o direito à informação), e não apenas aos direitos de voto, existindo discricionariedade sobre quais os direitos sociais, em concreto, a suspender, dependendo da situação concreta;
- Estabelecer que o regime de suspensão provisória de direitos sociais assenta numa presunção de urgência, em moldes similares a outras presunções de urgência já previstas, sendo também aperfeiçoados os seus pressupostos.
Mas o que é “independência de espírito”?
O CAB exige “independência de espírito” como requisito de idoneidade para ser banqueiro, um conceito que levantou muitas dúvidas junto do setor. Afinal o que é isso? “A independência de espírito prende-se com a capacidade da pessoa para agir de forma autónoma, movida apenas pelos interesses que deve proteger enquanto membro do órgão de administração ou fiscalização de uma instituição (incluindo a estabilidade financeira, os interesses de participantes no capital da instituição, os interesses dos colaboradores da instituição e os interesses de stakeholders externos, incluindo depositantes, credores e outros clientes)”, responde o Banco de Portugal.
O supervisor esclareceu ainda os conceitos de “conflitos de interesses” — situações que colocam em causa a capacidade para a pessoa agir com independência de espírito – e de “independência formal” dos membros independentes — diz respeito à efetiva inexistência de conflitos de interesses relevantes.
Recondução de administradores mais célere
É uma novidade face à versão inicial: o CAB passou a prever um regime simplificado para as reconduções dos membros dos órgãos de administração e fiscalização. “Este regime simplifica a informação a prestar ao Banco de Portugal e permite focar a avaliação de adequação, neste contexto, nos aspetos onde os riscos são mais relevantes, para que o supervisor avalie se existe algo que obste à continuidade em funções no novo mandato ou ao exercício de novas funções para as quais são propostos”, explica o Banco de Portugal. A desburocratização dos procedimentos permite a diminuição dos custos “sem colocar em causa a eficácia da supervisão”.
Alterações no “self-placement”
Há alterações na proposta de proibição de “self-placement”, sendo que a nova proposta estabelece que a proibição abrange instrumentos representativos de capital e de dívida.
“A proibição de venda a investidores não profissionais foi limitada aos casos em que esses instrumentos são emitidos por participantes nas instituições de crédito com 2% ou mais do capital ou direitos de voto e entidades por estes controladas”, adianta o Banco de Portugal.
Foram ainda excecionadas deste regime as caixas de crédito agrícola mútuo, quanto aos títulos de capital subscritos pelos respetivos associados.
Mantém-se a proibição de banco poder emprestar dinheiro a qualquer tipo de investidor para a aquisição daqueles instrumentos financeiros.
Multas diárias para forçar cumprimento da regra
O Banco de Portugal passa a ter o poder de aplicar às instituições medidas pecuniárias compulsórias para garantir uma maior eficácia da sua supervisão. Isso estava previsto na versão inicial e manteve-se na versão revista, embora com “aperfeiçoamentos”. “Estas foram reconfiguradas no sentido de se prever um prazo máximo de 6 meses para a respetiva vigência e diminuir o valor do volume de negócios relevante de 10% para 5% para efeitos do cálculo desta medida”, explica o supervisor.
Limite à propriedade de participações sociais cai para 20%
Atualmente, o RGICSF limita as instituições a serem proprietárias de, no máximo, 25% do capital social de sociedades comerciais fora do setor financeiro. O anteprojeto de CAB reduz esse limiar para 20%, “por se considerar que este limiar mitiga de forma mais adequada os riscos em presença, relativos à imobilização do capital da instituição”.
Proibição de negócios com entidades em países não cooperantes
Não é mencionada qualquer alteração nesta proposta, pelo que se manterá tal como estava na versão inicial. O Banco de Portugal quer proibir os bancos de realizarem operações com entidades sediadas em países não cooperantes e com os quais a partilha de informação é dificultada, impedindo o exercício de supervisão. “É proibida a realização de operações com entidades sediadas em países não cooperantes, recaindo sobre as instituições o dever de verificar, previamente à realização de qualquer operação, a não existência de impedimentos à transmissão de informação necessária ao Banco de Portugal para o exercício da supervisão”, refere o anteprojeto inicial do CAB.
No caso de existirem impedimentos, o Banco Portugal fica com poderes para intervir. Entre outros, pode impor requisitos prudenciais mais exigentes, limitar ou fazer cessar o exercício de atividade através de sucursal no país terceiro e até determinar a venda da participação na filial em país terceiro.
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