Parecer jurídico sobre venda de barragens no Douro leva Fisco a abrir inquérito a funcionário
José Maria Pires, ex-dirigente do Fisco, fez um parecer do Movimento Cultural da Terra de Miranda, que é contra a venda das seis barragens no Douro.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) instaurou um processo de inquérito a um funcionário do Fisco que integra o Movimento Cultural da Terra de Miranda, grupo que se mostrou contra a venda das seis barragens no Douro da EDP à francesa Engie. A denúncia foi feita na quarta-feira na Assembleia da República pelo líder dos social-democratas, Rui Rio, no debate com o primeiro-ministro, que caracterizou o caso como “inadmissível e pidesco”.
Segundo noticiou o Público na noite de quarta-feira, o funcionário em causa será José Maria Pires, antigo alto dirigente do Fisco que integra o referido movimento.
O ECO contactou José Maria Pires, mas este diz ter o dever de “manter silêncio”. Porém, outro dos membros do movimento, Óscar Afonso, que foi convocado pelo Fisco para prestar esclarecimentos presencialmente, confirmou ao ECO que a AT “abriu um inquérito à atuação de José Maria Pires”.
O ECO contactou o Ministério das Finanças que referiu que “não tinha, nem tinha de ter, conhecimento do processo de inquérito instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a um trabalhador da AT, no âmbito da autonomia e competências próprias deste organismo da administração direta do Estado”.
O ministério partilhou o esclarecimento da AT, que disse ter recebido vários “documentos oriundos da Casa Civil do Presidente de República” em dezembro passado, entre eles “um parecer alegadamente elaborado por um trabalhador da AT, integrante do Movimento Cultural da Terra de Miranda, com uma análise jurídica-tributária sobre a transmissão das barragens”. O parecer em causa foi enviado em outubro e está disponível no site da Assembleia da República. Nesse documento está anexado o e-mail enviado pelo movimento ao gabinete da Presidência onde se lê que “o parecer foi elaborado por José Maria Pires“.
Quanto a este e-mail, Óscar Afonso explicou que tudo o que é feito pelo movimento “é feito por todos em conjunto” e não apenas por José Maria Pires e que foi um “lapso de escrita”. Além do mais, continuou, ainda que tivesse sido elaborado só por José Maria Pires, o movimento estava a denunciar o negócio, pois achava que tinha essa “obrigação”. “Não estávamos a denunciar à comunicação social, estávamos a ir diretamente ao Estado”, afirmou.
Tendo o documento nas mãos, a AT determinou, em janeiro, “a instauração de processo de inquérito tendo em vista o esclarecimento dos indícios sobre a existência do referido parecer e, a confirmar-se, das circunstâncias em que poderá ter sido emitido parecer jurídico sobre matéria tributária, por trabalhador da AT, designadamente, a eventual verificação de quaisquer circunstâncias que o dispensassem do dever legal de exclusividade a que, por princípio, estão obrigados todos os trabalhadores da AT”.
Adicionalmente, o Fisco lembrou ainda que os seus trabalhadores “estão sujeitos a um código de conduta, adotado em 23 de julho de 2015, que clarifica os especiais deveres a que estão vinculados”.
O movimento em causa tem defendido que a venda de seis barragens no Douro obrigava ao pagamento de imposto de selo de 110 milhões de euros, para além de IMI e IMT. No entanto, a EDP defende que a venda estava isenta destes impostos. Certo é que a EDP teve o aval por várias entidades públicas, nomeadamente o Ministério do Ambiente.
José Maria Pires já se mostrava contra a venda das seis barragens ainda antes de a polémica ter sido instalada. Em janeiro de 2020 escreveu, no ECO, que quem ganhava com o negócio era o Estado e a Câmara de Lisboa e que o Estado deveria “cobrar 5% de Imposto do Selo” – algo que não aconteceu, o que iniciou a polémica referente ao caso. “Também relativamente a este negócio as populações não só nada ganham, como poderão perder ainda a parcela mínima da derrama que ainda recebem”, continuou, no mesmo artigo de opinião.
O ex-dirigente da AT disse ainda que a venda das seis barragens veio “desvelar como é obsoleto o modelo de coesão territorial” e que o “Estado está a transferir recursos das regiões mais desfavorecidas para as mais ricas, exatamente o contrário dos propósitos enunciados, de solidariedade e de coesão territorial”.
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