Sondagens falharam em Lisboa? A culpa é dos indecisos

As empresas e os especialistas em sondagens rejeitam a acusação de “aldrabice”, invocando antes a oscilação na afluência às urnas e a crescente recusa e indecisão dos participantes nos inquéritos.

A vitória de Carlos Moedas nas autárquicas em Lisboa foi a maior surpresa da noite eleitoral. Não só por ter derrotado o incumbente e favorito Fernando Medina, como pelo facto de nenhuma sondagem, desde a apresentação da candidatura até à campanha eleitoral, ter colocado o líder da coligação de direita como possível vencedor na capital. “As sondagens falharam em toda a linha”, assinalou o futuro autarca, no discurso de vitória.

No final de agosto, um estudo da Aximage para a TSF, DN e JN colocava o candidato socialista no limiar da maioria absoluta, com praticamente o dobro dos votos de Moedas (51% vs. 27%). Já durante a campanha, uma sondagem da Pitagórica para a TVI atribuía 40,6% das intenções de voto e Carlos Moedas com 33,1%, dizendo ainda que a CDU poderia perder um dos dois vereadores e o Bloco perder o que tinha.

Mas foi uma sondagem da Universidade Católica para o Público e para RTP que, ao ser divulgada a dois escassos dias da ida às urnas, parecia sentenciar à partida o destino autárquico do ex-comissário europeu. Este estudo não afastava o cenário de maioria absoluta para Medina, que poderia ser reeleito com 37%, e atribuía 28% à coligação “Novos Tempos”. Na campanha, Rui Rio chegou a falar das sondagens como “uma aldrabice”. Já depois da votação, usou o Twitter para reclamar razão.

Irina Amaral, que dirige o Centro de Investigação em Marketing e Análise de Dados (CIMAD) da Universidade de Aveiro, reconhecido pela ERC, para a realização de sondagens de opinião, defendeu ao ECO a validade do modelo científico usado pela Católica no derradeiro estudo divulgado para a capital, frisando que “a forma como os indecisos se comportarem [é que] foi diferente do esperado”.

"O que se tem registado nas sondagens feitas ao longo deste ano é a crescente tendência de os portugueses não indicarem a sua intenção de voto ou decidirem perto do dia de voto.”

Irina Amaral

Diretora do Centro de Investigação em Marketing e Análise de Dados (CIMAD) da Universidade de Aveiro

É que o inquérito realizado pelo CESOP, com uma margem de erro de 2,7%, declarou que a intenção direta de voto em Fernando Medina era de 26% e de 19% em Carlos Moedas, com 3% a recusar responder e 16% a referir “não saber” ainda em quem votar. Estes são distribuídos pelos candidatos, mas a especialista comenta que “esses indecisos trazem muita imprevisibilidade”, pois não é possível saber com exatidão para onde cairão.

“O que se tem registado nas sondagens feitas ao longo deste ano é a crescente tendência de os portugueses não indicarem a sua intenção de voto ou decidirem perto do dia de voto, como aconteceu aliás nas principais sondagens de Lisboa, Porto e outras”, acrescentou Irina Amaral, notando que os motivos variam conforme as geografias, por exemplo, havendo mesmo quem o faça por “receio de represálias”.

Ir ou não ir às urnas, eis a questão

O ECO pediu explicações sobre esta diferença entre o que indicavam os estudos e a votação efetiva nas urnas, por parte da Aximage, da Pitagórica e do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica. Ao Público, o diretor executivo deste último organismo, Jorge Cerol, alertou precisamente que “os indecisos são sempre muitos” e falou em alterações do comportamento dos candidatos e de outros fatores de enviesamento.

“Há muita gente que participa nas sondagens e que depois não vai votar, o que constitui, por si só, um fator de perturbação imensa. Repare que nas sondagens a abstenção costuma andar na ordem dos 5% ou 7%, o que não tem nada que ver com os 45% de abstenção que depois se verifica no próprio dia”, referiu Jorge Cerol, sublinhando que “as sondagens indicam tendências, dão sinais, não antecipam resultados”.

Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, referiu no Twitter que “as fontes de discrepância entre resultados de sondagens e resultados eleitorais que vão para além da ‘margem de erro’ são canónicas, são 3, sempre potencialmente as mesmas, e o que varia é em que medida são relevantes em casos concretos”.

O académico aponta que são elas a diferença entre a intenção expressa e o comportamento nas urnas (late swing), o diferencial na abstenção ou participação – com as próprias sondagens a poderem influenciar a perceção sobre a importância ou desnecessidade da ida às urnas; e ainda os enviesamentos decorrentes de seleção da amostra ou de recusas em participar.

“Qual a mais importante? Não sabemos. E receio que não saberemos. (…) É que nem há matéria-prima suficiente, com oito sondagens em seis meses. O resto são — muito estimáveis — hipóteses”, completa Pedro Magalhães, especialista nos temas da opinião pública e das atitudes e comportamentos políticos.

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