Patrões rejeitam semana de quatro dias de trabalho proposta por Costa
Com o país ainda a recuperar do impacto da crise pandémica, não é prioridade discutir agora a semana de trabalho de quatro dias como quer o PS, defendem as confederações patronais.
Caso saia vitorioso da ida às urnas de 30 de janeiro, o PS quer promover um “amplo debate nacional e na Concertação Social” sobre a possível aplicação em Portugal da semana de trabalho de quatro dias. As confederações patronais não o rejeitam à partida, mas entendem que não é prioridade e avisam que os baixos níveis de produtividade do país impedem a implementação desse modelo, pelo menos, nos próximos anos.
A ideia de uma semana de trabalho reduzido não é nova, uma vez que surgiu há mais de três séculos, mas a pandemia veio dar-lhe um novo fôlego. Ainda no ano passado, Espanha ponderou experimentar um período de trabalho semanal de 32 horas para favorecer a criação de emprego, numa altura em que o mercado laboral estava abalado pela Covid-19.
Por razões diferentes, o PS quer agora que essa discussão também seja feita em Portugal. No programa eleitoral para a ida às urnas de 30 de janeiro, o partido liderado por António Costa promete promover um “amplo debate nacional e na Concertação Social sobre as novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho“, o que inclui a “ponderação da aplicabilidade de experiências como a semana de quatro dias em diferentes setores“.
Ou seja, os socialistas entendem que a redução do período semanal de trabalho deve ser avaliada enquanto possível caminho para melhorar a conciliação da vida profissional, familiar e pessoal dos trabalhadores, tema a que, de resto, ambos os Governos de António Costa prestaram particular atenção, no âmbito da Concertação Social.
As confederações patronais não rejeitam à partida esse debate proposto pelo PS, mas avisam que nem é prioridade, uma vez que o país ainda está a recuperar do impacto da pandemia, nem esse modelo é aplicável a curto prazo em Portugal, tendo em conta os baixos níveis de produtividade de que padece o país.
Em Portugal, não é previsível que os baixos níveis de produtividade consigam absorver um cenário desses nos próximos anos.
“Em Portugal, não é previsível que os baixos níveis de produtividade consigam absorver um cenário desses nos próximos anos, tendo em conta a estrutura empresarial portuguesa”, sublinha João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), em declarações ao ECO.
O responsável avisa mesmo que, nas atuais circunstâncias, a redução da semana de trabalho teria “consequências desastrosas na maioria dos setores“. “Sem aumentos expressivos de produtividade, as empresas teriam de contratar mais trabalhadores para o mesmo nível de produção, o que representa um aumento de custos laborais e maiores dificuldades na organização de horários, e isto num contexto de escassez de mão-de-obra“, detalha João Vieira Lopes.
Ainda assim, nos setores de “alta tecnologia” e “nalgumas tipologias de empresas”, o caminho para a semana de trabalho de quatro dias poderá ser feito, admite o líder da CCP, deixando, contudo, um alerta: “Seria sempre com base na negociação individual entre as empresas e os trabalhadores ou nos acordos coletivos de trabalho“. Deste modo, João Vieira Lopes rejeita uma redução geral e uniforme do período de trabalho semanal, mas admite a sua aplicação pontualmente.
Isto no que diz respeito aos próximos anos. A médio e longo prazo, o líder da CCP tem uma visão diferente: “Acreditamos que se possa caminhar para um cenário de semana de trabalho de quatro dias a médio e longo prazo“.
Já a Confederação Empresarial de Portugal atira a seguinte pergunta, quando confrontada com a promessa eleitoral do PS: “Qual o sentido de discutir esta mudança estrutural numa altura em que há milhares de empresas em dificuldades, milhares de empresas a tentar a sobreviver aos efeitos da pandemia, entre eles o aumento do custo das matérias-primas e da energia, a que se junta a necessidade de perceber e absorver as mudanças de hábitos dos consumidores?”
A Concertação Social pode ajudar a iniciar esta discussão – mas não agora. Por vezes, quando se lançam os assuntos assim, cria-se apenas agitação, indefinição e mais imprevisibilidade.
Em declarações ao ECO, a confederação liderada por António Saraiva afirma que está “naturalmente interessada em iniciar todos os debates que que ajudem o país a ser mais competitivo e sustentável”, mas salienta que este não é o momento para se iniciar a discussão sobre a semana de trabalho reduzida como querem os socialistas.
“Por vezes, quando se lançam os assuntos assim, cria-se apenas agitação, indefinição e mais imprevisibilidade. Numa altura em que escasseiam trabalhadores em vários setores da economia, o que aconteceria às empresas de mão-de-obra intensiva que tivessem de contratar mais pessoas para preencher os horários? E havendo, por milagre, pessoas disponíveis… Como seria suportado esse sobrecusto?”
A confederação de António Saraiva salienta, por outro lado, que “seria certamente importante para as famílias terem mais tempo“, sendo até a “qualidade de vida um fator que influencia a produtividade”. A CIP reconhece, portanto, que este é um tema “seguramente importante”, mas alerta que tal implicaria uma mudança estrutural, merecendo, assim, uma avaliação “com rigor, sem urgência, sem precipitações e sem vestígios de demagogia partidária“, defende.
Na mesma linha, Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), salienta que este é um tema que “requer uma reflexão cuidada“, na medida em que acarreta uma “alteração profunda na forma como a economia e a sociedade estão organizadas”. Por isso, é “necessário medir com seriedade todos os impactos potencialmente positivos e negativos e fazer um benchmarking com outros países”, defende o responsável, em declarações ao ECO.
O foco da discussão e das preocupações deve ser outro: o de recuperar rapidamente a economia.
De todo o modo, o líder da AEP assegura que este não é o momento para fazer sequer esta discussão. Pelo menos, “não para já”. “No momento em que ainda não nos livramos da pandemia e em que, do ponto de vista económico, ainda não conseguimos alcançar o nível de atividade pré pandemia, o foco da discussão e das preocupações deve ser outro: o de recuperar rapidamente a economia.”
Convém notar que o economista João Cerejeira já tinha defendido, em conversa com o ECO, que os níveis de produtividade nacionais — “muito inferiores à média da União Europeia” — retiram de cima da mesa qualquer possibilidade de uma semana de trabalho de quatro dias em Portugal, pelo menos a curto prazo. “No curto prazo, Portugal não tem margem para essa mudança“, assegurou o professor na Universidade do Minho, referindo, além disso, que, se se decidisse não reduzir os salários a par desta semana mais curta, aumentaria o custo do trabalho, o que poderia ser sinónimo da redução do emprego.
Há empresas e países que já testaram semana de quatro dias
A ideia de uma semana de trabalho mais reduzida tem raízes antigas, de Benjamin Franklin a Karl Marx, passando por John Maynard Keynes. E já foi testada por vários países e mesmo por diversas empresas portuguesas.
Por exemplo, entre 2015 e 2019, a Islândia testou a semana de trabalho de quatro dias, sem qualquer redução salarial, com um “sucesso esmagador“. Na maioria dos locais de trabalho a produtividade foi mantida, ou até mesmo melhorada, viriam a concluir os estudos. Mais, o bem-estar dos trabalhadores abrangidos melhorou em vários indicadores, nomeadamente com uma redução do risco de burnout.
Essa experiência contou com cerca de 2.500 trabalhadores da capital islandesa, Reiquiavique, o equivalente a cerca de 1% da força de trabalho do país. Em resultado, os sindicatos decidiram começar a negociar a redução do período normal de trabalho.
Também na Escócia, a semana de 32 horas foi experimentada, na sequência dos resultados positivos obtidos por outros países e dos testemunhos favoráveis das várias empresas escocesas que já tinham adotado este modelo.
E em Portugal? Por cá, cresce também o número de adeptos. Por exemplo, na Feedzai e no Doutor Finanças, agosto de 2021 ficou marcado pela redução das semanas de trabalho e a experiência poderá repetir-se. “A ideia é voltarmos a repetir a medida, num mês com outras características”, explicou recentemente à PESSOAS a diretora de recursos humanos do Doutor Finanças.
Conforme já tinha explicado ao ECO o advogado André Pestana Nascimento, o Código do Trabalho português dá margem para haver múltiplas tipologias de horários e até já permite que se reduza a semana de trabalhador, mediante acordo entre o trabalhador e o empregador.
Esse decréscimo das horas trabalhadas levanta, no entanto, destacou o especialista em Direito do Trabalho, uma série de questões. Por exemplo, o salário mínimo nacional está hoje determinado com base numa semana de trabalho de 40 horas. Reduzir para 32 horas semanas significaria um decréscimo desse valor? Esta pergunta é particularmente relevante tendo em que conta que o PS, no mesmo programa eleitoral em que propõe a discussão sobre a semana de trabalho de quatro dias, defende a atualização do salário mínimo para 900 euros até 2026, ou seja, mais 195 euros do que o valor hoje em vigor.
Além disso, os socialistas querem aumentar o rendimento médio dos trabalhadores em 20%, de modo a fazer subir em três pontos percentuais até 2026 o peso das remunerações no Produto Interno Bruto (PIB). Ora, salienta a CIP, reduzir em 20% o horário de trabalho (das atuais 40 horas para as 32 horas correspondentes a quatro dias) e manter os salários significaria já aumentar o salário em 20%, faltando, portanto, ao PS esclarecer como pretende conjugar essas duas promessas.
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