Não sente os preços a abrandar? A culpa é da inflação subjacente
A inflação está a abrandar mas os preços não voltaram aos níveis antes da invasão da Ucrânia. Preço dos produtos frescos continua elevado.
A inflação tem vindo a abrandar, tendo recuado nos últimos três meses. Mas, mesmo assim, as compras ao final do mês continuam a pesar no bolso dos portugueses e a subida de preços não parece dar tréguas. Este fenómeno pode estar relacionado com a inflação subjacente, que exclui os produtos com preços mais voláteis, como alertou quinta-feira a presidente do Banco Central Europeu (BCE), bem como com a subida no custo da alimentação, em particular dos produtos frescos.
Olhando para os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, é possível verificar que a taxa de inflação homóloga em Portugal abrandou para 8,3% em janeiro, o terceiro recuo. Mas o que isto significa é que a subida dos preços face ao período homólogo, isto é, neste caso janeiro do ano passado, está a abrandar.
É preciso perceber o conceito de inflação, que nos dá o valor da subida generalizada de preços face ao período homólogo, para compreender que este indicador pode nos próximos meses chegar próximo de zero e mesmo assim os produtos estarem mais caros do que antes da invasão da Ucrânia. Isto acontece porque a comparação será feita com o mesmo mês do ano passado, em que os preços já estavam mais altos do que em 2021, por exemplo.
Como explicou ao ECO Gregory Claeys, do think thank Bruegel, a “inflação estava alta também por efeitos base”, pelo que deverá recuar este ano “mesmo que os preços não voltem para os níveis originais”. O alerta também já tinha sido feito pelo economista Ricardo Ferraz, que apontou ao ECO que “dificilmente voltaremos a ter os preços dos bens no supermercado como estavam antes”.
Deve-se também ter em conta que a desaceleração da inflação se deve em grande parte à descida dos preços da energia. A componente referente aos produtos energéticos foi a principal responsável pelo abrandamento do Índice de Preços no Consumidor (IPC) em janeiro, com a taxa de variação homóloga “a diminuir também pela terceira vez consecutiva, para 6,8% (20,8% no mês anterior), destacando-se a diminuição de preços da eletricidade”, realçou o INE.
Já a relativa aos produtos alimentares não transformados, ou seja, os frescos como legumes, fruta e carne, terá acelerado para 18,5% (contra 17,6% em dezembro). O custo dos produtos alimentares não transformados tem estado a crescer, sendo que os dados do INE referentes a 2022 mostram também que os preços da alimentação e das bebidas não alcoólicas subiram 19,9% face a 2021, o maior aumento desde 1985.
O Fórum da Competitividade também destacou, na nota de conjuntura de janeiro, que “nos produtos alimentares não transformados houve aceleração, de 17,6% para 18,5%”. “A inflação média voltou a acelerar, de 7,8% para 8,2%, um valor já quase igual à inflação homóloga, o que torna possível que estejamos próximo do pico da inflação média”, indicam.
Os indicadores mais recentes da Deco indicam também que o cabaz de bens alimentares essenciais continua a encarecer, sendo que a 1 de fevereiro de 2023, custava 222,16 euros, mais 38,53 euros do que a 23 de fevereiro de 2022, véspera da invasão da Ucrânia.
No que toca ao indicador de inflação subjacente, que exclui os produtos alimentares não transformados e energéticos, este terá desacelerado para 7% em janeiro, face ao período homólogo, isto é, um recuo de 0,3 pontos percentuais face aos 7,3% registados em dezembro de 2022. “Estima-se uma variação média nos últimos doze meses de 8,2% (7,8% no mês anterior)”, acrescenta o INE.
Este indicador, que “é simplesmente a taxa de inflação estável, omitindo as perturbações e os preços dos bens mais voláteis, como a alimentação e a energia”, tem como objetivo “considerar a tendência de fundo da inflação, eliminando os choques transitórios, que desaparecem ao fim de pouco tempo”, explica o economista João César das Neves, ao ECO.
Apesar de desacelerar continua elevado e é uma preocupação para os bancos centrais, sendo que Christine Lagarde salientou esta quinta-feira que “as pressões sobre os preços continuam fortes, parcialmente porque os preços elevados da energia se estão a espalhar pela economia”. “Outros indicadores da inflação subjacente também estão elevados”, reiterou.
Foi também nesse sentido que Lagarde lembrou a importância dos governos da União Europeia deverem ter alguma prudência na sua política, sublinhando a necessidade de “começar a haver uma redução do apoio fiscal”, lembrando que “as políticas orçamentais podem exacerbar as pressões inflacionistas, exigindo uma maior reação do BCE.”
“Neste momento, para a política monetária é essencial saber se o atual aumento de preços resulta de um mero choque temporário, que passa sem ser necessário ajustar as taxas de juro, ou se já resulta de uma desvalorização da moeda, o que obriga o banco central a intervir”, salienta César das Neves. “Os sinais são contraditórios mas, embora a taxa de inflação esteja ultimamente a descer ligeiramente, a inflação subjacente ainda se mantém alta e estável, o que justificou a subida das taxas”, nota.
Desta forma, apesar ser uma “boa notícia” a recente descida de inflação, “ainda é cedo para dizer que ela está a desacelerar sustentadamente”. “Os preços vão continuar a ser um problema nos próximos tempos, mesmo se não se agrave a subida”, alerta o economista.
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