Quais as razões que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a vetar a proposta de estatutos dos advogados?
A redução do tempo de estágio e a sua remuneração, bem como os atos próprios foram algumas das razões que levaram Marcelo a vetar o decreto que alterava os estatutos da Ordem dos Advogados.
Depois de vetar os decretos que alteravam os estatutos da Ordens dos Engenheiros, Arquitetos, a 7 de dezembro, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a vetar mais três diplomas deste pacote, o dos Advogados, dos Enfermeiros e dos Médicos. Apenas o dos Farmacêuticos, Notários e Oficiais de Contas foram promulgados.
“O Presidente da República vetou, chamando a atenção para o que a Ordem dos Advogados (OA) considerava os principais pontos preocupantes. Como é possível acharem que um licenciado em direito está apto a exercer sem uma prova de agregação, que deixaria de existir? Foi, aliás, uma questão levantada apenas no dia da votação“, disse a bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro à Advocatus.
Mas que razões levaram o Presidente da República a devolver o decreto à Assembleia da República, depois de ouvir Fernanda de Almeida Pinheiro? Uma das razões prende-se com a redução do tempo de estágio.
Atualmente, os advogados têm 18 meses de estágio obrigatório, mas o decreto previa a redução deste tempo para 12 meses. Marcelo sublinhou na nota publicada no site da presidência que, segundo a Ordem, “em toda a União Europeia, só três Estados Membros em 27 possuem estágios com idêntica ou inferior duração”.
Também a Ordem defendia que os atuais 18 meses e não os 12 da proposta, considerando que o atual prazo é “um elemento essencial para a boa organização interna”.
Outro dos aspetos salientados pelo chefe de Estado foi a remuneração obrigatória do estágio. Um ponto que a bastonária dos advogados não discordava, caso o Estado patrocinasse essa remuneração através do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
“O disposto no Decreto afasta-se do que estabelece a lei n.º 12/2023, não se prevendo um mecanismo de cofinanciamento público, nos casos em que tal se justifique, o que, no limite, pode constituir, a não existir, uma barreira no acesso à profissão“, lê-se na nota.
À Advocatus, Fernanda de Almeida Pinheiro sublinhou que esta questão da remuneração “também não faz sentido“, uma vez que a realidade da advocacia não é a dos “grandes escritórios” mas sim dos “advogados em prática individual que mal têm dinheiro para pagar a si próprios, quanto mais aos estagiários”.
“Ainda para mais quando os escritórios que teriam forma de pagar esses estágios estão concentrados em Lisboa e no Porto… o que implicaria que muitos estagiários teriam de estar fora da sua área de residência”, acrescentou.
Já o fim dos atos próprios, que permitia a entrada de outras profissões a atividades que são exclusivas à advocacia, Marcelo também não ficou convencido, considerando que pode levar a uma “concorrência desleal”.
“Também a possibilidade agora concedida a outros profissionais não advogados de praticarem atos antes próprios dos advogados parece introduzir uma possibilidade de concorrência desleal, na medida em que estes profissionais não se encontram adstritos, designadamente, aos deveres disciplinares, a ter de pagar quotas para a Ordem e às obrigações de independência, de proibição de conflitos de interesses e de publicidade que impendem sobre os advogados”, refere.
A bastonária defendeu que a profissão de advogado “não pode ser exercida por quem não tem a competência técnica adequada para o fazer, nem o conhecimento deontológico para a exercer”. Caso contrário, “numa altura em que tanto se fala de uma justiça para ricos e outra justiça para os pobres, com estas alterações quem tiver condições económico-financeiras naturalmente que continua a recorrer aos advogados que são quem têm competência técnico-jurídica para tratar do aconselhamento especializado, ficando as restantes pessoas com menos dinheiro à mercê de sabe-se lá de quem”, prevê.
“O facto deste decreto dar a não advogados a possibilidade de praticar atos próprios dos advogados, além de uma deslealdade, é também uma diminuição da garantia das pessoas”, disse Fernanda de Almeida Pinheiro.
A bastonária dos advogados tem criticado fortemente este diploma, chegando a classificá-lo como “terrorismo legislativo”.
“Estes estatutos eram um garrote à entrada da advocacia, feitos de forma apressada e atrapalhada. Uma discussão inútil. Perdeu-se tempo com alterações que não são necessárias. As prioridades deveriam ser a revisão da tabela de honorários, na revisão do sistema de acesso ao direito, nas alterações ao sistema de previdência dos advogados”, referiu a bastonária.
Para Fernanda de Almeida Pinheiro, o veto de Marcelo é uma vitória do Estado de Direito, do Conselho Geral da OA e da própria advocacia. “Isto não foi, da nossa parte, uma luta corporativista como muitos disseram, é sim uma exigência natural do que são os direitos das pessoas”, acrescentou.
As alterações aos estatutos das Ordens Profissionais foram aprovados em outubro, em votação final global na Assembleia da República, depois de, no final de setembro, o Governo ter alertado que este tema tinha de estar fechado no parlamento até 13 de outubro de forma a não perder fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
No final de setembro, o Governo alertou o parlamento para “a urgência da conclusão do procedimento legislativo” sobre as Ordens Profissionais, através de carta dirigida ao presidente da Assembleia da República.
O executivo detalhava que, para serem aprovados o terceiro e quarto pedidos de pagamentos no âmbito do PRR ainda este ano pela Comissão Europeia, estes tinham de ser submetidos no dia seguinte à aprovação da reprogramação do plano por parte do ECOFIN, ou seja, no dia 18 de outubro.
Tanto o decreto da Ordem dos Advogados como o dos Enfermeiros e Médicos vão agora ser devolvidos à Assembleia da República.
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