Cansados da “chatice” dos vistos para a China, empresários exigem mais “esforço diplomático”
Portugal fora dos 11 países europeus com isenção de vistos para a China. Empresários lamentam transtorno e custos antes de cada viagem e pedem empenho à diplomacia para integrar lista até ao verão.
Portugal passou a ser um dos poucos países da Europa Ocidental cujos nacionais não beneficiam de isenção de visto para entrar na China, por períodos de 15 dias, depois de Pequim ter alargado aquela medida a mais seis nações (Suíça, Irlanda, Hungria, Áustria, Bélgica e Luxemburgo) na semana passada. Os empresários portugueses ouvidos pelo ECO criticam o “transtorno” e a “chatice” de terem de passar pelo processo de obtenção de visto antes de cada viagem de negócios, pedindo mais empenho às autoridades diplomáticas para que o país seja incluído nesta lista até ao verão de 2024.
Saudando a “iniciativa positiva e construtiva” das autoridades chinesas de alargar esta possibilidade a mais seis países europeus, Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) diz que “seria também um grande incentivo para os empresários portugueses, que poderiam passa a viajar de forma mais flexível, de acordo com necessidades e sem a obrigatoriedade de passar pelo processo de obtenção de visto, que ainda causa algum transtorno”. “Seria também uma vantagem para os turistas portugueses e uma oportunidade de negócio para as agências de viagens”, completa.
Considerando a relevante comunidade portuguesa em Macau, os mais de 500 anos de relacionamento histórico e até o facto de se celebrarem este ano os 25 anos da devolução da administração daquele território, o responsável sublinha que a CCILC diz que “tem vindo a tomar algumas diligências, nomeadamente no contacto com as autoridades chinesas, precisamente para sensibilizar o Governo chinês para a oportunidade de incluir Portugal no lote de países com esta medida”, que as autoridades chinesas dizem ser “experimental”.
Seria um grande incentivo para os empresários portugueses, que poderiam passar a viajar de forma mais flexível, de acordo com necessidades e sem a obrigatoriedade de passar pelo processo de obtenção de visto, que ainda causa algum transtorno.
Está previsto que a isenção de visto para cidadãos titulares de passaporte de França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Espanha, Suíça, Irlanda, Hungria, Áustria, Bélgica e Luxemburgo termine a 30 de novembro de 2024. A entrada sem autorização prévia e por um período máximo de duas semanas abrange as deslocações por “motivos de negócios, turismo, reagrupamento familiar e trânsito, segundo a Embaixada da República Popular da China em Portugal.
“Seria um incentivo significativo e muito apreciado pela comunidade empresarial portuguesa que se desloca com maior frequência à República Popular da China. Apesar de se tratar de uma questão política, que ultrapassa o âmbito de atuação da Câmara, temos uma expectativa fundada em conversas informais com a parte chinesa de que Portugal será também isentado de visto ainda antes do verão de 2024. E ficamos a torcer para que assim seja”, antecipa Bernardo Mendia.
Viajante habitual para a China há 22 anos, onde tem vários fornecedores e “nunca [teve] problemas nenhuns”, César Araújo, CEO da Calvelex, conta que “é uma chatice” continuar a precisar de pedir um visto de cada vez que tem de visitar o país asiático — desde 11 de dezembro de 2023 que os portugueses passaram a beneficiar de uma redução na taxa, que é agora de 45 euros. E assinala, por outro lado, que a exclusão nacional deste acordo com Pequim “transmite ao mundo uma má imagem de Portugal”. “Porque não tem este canal aberto? Há algo que não cumpre?”, ensaia.
O empresário que é dono de três fábricas no Norte do país e também presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e de Confeção (ANIVEC), não hesita em apontar o dedo à “inércia pura e dura da diplomacia portuguesa”, que está a penalizar os empresários nacionais por “falta de empenho” e por “não fazer devidamente o seu trabalho”. “A nossa diplomacia tem pessoas muito fracas. Isto não se admite porque a China não detesta Portugal”, acrescenta César Araújo, lembrando que tem vários investimentos relevantes por cá.
É uma chatice e transmite ao mundo uma má imagem de Portugal. Isto acontece por inércia pura e dura da diplomacia portuguesa.
É o caso da posição de 21,01% na EDP, através da empresa estatal China Three Gorges; dos 25% que detém na REN através da State Grid Corporation of China; ou dos 32,41% da Mota-Engil através da China Communications Construction Company (CCCC), a quarta maior construtora do mundo. A Fosun, que tem uma posição de 20% no BCP, depois de ter reduzido a participação nos últimos meses, estará a avaliar a saída do capital do banco português.
Ao nível do comércio, as exportações portuguesas de bens para a China aumentaram 22,3% em 2023, em termos nominais, passando a ser o 16.º maior cliente externo. No que toca às importações, é o 5.º principal fornecedor português, equivalendo a cerca de 5% do total de bens comprados no exterior.
As relações bilaterais entre Portugal e a China têm sido questionadas desde que, em maio do ano passado, o Estado português decidiu proibir as operadoras de telecomunicações de recorrerem a equipamentos e serviços de empresas chinesas como a Huawei e a ZTE no desenvolvimento da tecnologia 5G, por as considerar de “alto risco” para a segurança nacional.
Contudo, não é possível estabelecer uma relação de causa/efeito entre esta decisão relacionada com a Huawei e a não isenção de visto, pois França e Bélgica beneficiam dela tendo já tomado medidas que limitam as operações da Huawei – e no caso da Alemanha, o Executivo liderado por Olaf Scholz já propôs igualmente algo desse género, embora não tenha ainda sido concretizado.
Pedido de “esforço” aos diplomatas portugueses
Paulo Vaz, administrador da Associação Empresarial de Portugal (AEP), sustenta que a exclusão de Portugal desta lista de países que estão isentos de vistos para a China “terá sempre impacto, sobretudo quando comparado com os nossos parceiros”, uma vez que “significa mais burocracia, mais demora e processos menos facilitados”, entre outros fatores.
Embora remeta a resposta ao tema para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o diretor da AEP para a área de negócios mostra não partilhar da tese da “falta de empenho e preocupação da parte diplomática”. Mas “pugna pelos esforços diplomáticos para que tal aconteça em breve”, esperando “novidades positivas [para] ampliar os avanços económicos bilaterais realizados”.
O embaixador português em Pequim, Paulo Nascimento, disse à Lusa “não entender” o critério para a não-inclusão de Portugal nesta política experimental. “Não acredito que haja aqui discriminação negativa, no sentido de dizer que a China está a fazer isso para sinalizar alguma coisa a Portugal, não acho que seja esse o caso. Mas não consigo entender o critério”, resumiu.
Já o líder da plataforma empresarial PorCham Greater China, João Pedro Pereira, disse à agência de notícias ter a informação avançada também pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa de que “a tramitação processual desta questão vai também incluir Portugal” num futuro próximo.
Mas até que isso aconteça, os empresários portugueses vão ter de continuar a sujeitar-se ao processo de obtenção de visto. É o caso de Ricardo Costa, que já não vai à China desde o início da pandemia, mas que este ano já tem duas viagens previstas a Hangzhou para visitar fornecedores. O CEO do Grupo Bernardo da Costa concede que “não é um grande constrangimento para quem faz uma ou duas viagens por ano, mas o mesmo não acontece para quem o faz com mais frequência”.
“No entanto, tendo em conta as relações económicas entre os dois países, considero estranho que Portugal não esteja incluído na lista de países da Europa Ocidental que não necessitam de visto. É algo a ter em conta pelos responsáveis da nossa área diplomática e que merece um maior empenho”, acrescenta o empresário de Braga, que é também presidente da Associação Empresarial do Minho (AEMinho).
Não sei se é falta de empenho da diplomacia portuguesa, mas seguramente que é falta de eficácia. (…) É a soma destas pequenas coisas que gera transtornos e constrangimentos às empresas.
Opinião partilhada pelo vice-presidente executivo da associação dos industriais da metalurgia e metalomecânica (AIMMAP) – “não sei se é falta de empenho, mas seguramente que é falta de eficácia”, responde Rafael Campos Pereira –, ainda que concorde que “não [sendo] muito difícil obter vistos para a China, a questão não é dramática”.
“Em todo o caso, como é óbvio, tudo seria mais simples se houvesse isenção. É a soma destas pequenas coisas que gera transtornos e constrangimentos às empresas”, remata Rafael Campos Pereira, porta-voz do setor mais exportador da economia portuguesa (as vendas ao exterior atingiram em 2023 um novo recorde de 24.017 milhões de euros) e que ocupa também a vice-presidência da CIP – Confederação Empresarial de Portugal.
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