Tempestade na energia trava lucros das cotadas da bolsa em 2024

Resultados das empresas do PSI caíram em 2024 após três exercícios recordes, penalizados pelo prejuízo de 550 milhões da EDP Renováveis, com impacto nas contas reportadas pela casa-mãe.

Depois de terem ultrapassado pela primeira vez na história a fasquia de cinco mil milhões de lucros em 2023, as cotadas do PSI viram a sua rentabilidade cair pela primeira vez em quatro anos. Uma evolução em grande parte determinada pelos prejuízos da EDP Renováveis, que, de um contributo positivo de mais de 300 milhões de euros, passou a prejuízos de 556 milhões.

As cotadas do índice de referência PSI — falta apenas conhecer as contas da Ibersol, cuja data de divulgação ainda não é conhecida — fecharam o último ano com um resultado líquido de 4.224,2 milhões de euros, menos 21,6% que os 5.386,8 milhões reportados em 2023. Esta queda marca uma inversão na tendência de recuperação de resultados que as empresas da bolsa apresentavam desde 2021, o ano pós-pandemia da covid-19.

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Esta quebra dos resultados surpreendeu os analistas, que apontavam para mais um exercício com ganhos de rentabilidade para as empresas da bolsa lisboeta. O consenso de estimativas compilado pela Reuters antecipava que as 15 cotadas do PSI tivessem fechado 2024 com lucros de 5,5 mil milhões de euros, o que seria um novo recorde.

O último ano ficou marcado por uma conjuntura económica difícil na Europa, com as maiores economias da região — Alemanha e França — em dificuldades, atrasando a recuperação do produto interno bruto (PIB) da região. Portugal voltou a destacar-se, com uma subida do PIB de 1,9%, o dobro do crescimento europeu. Apesar da dinâmica interna positiva, empresas com atividade em mercados externos foram afetadas pelo abrandamento económico e pelo clima de incerteza internacional, após a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas.

Receitas crescem quase 7%

Apesar da quebra dos resultados, as empresas conseguiram fechar o ano com um crescimento das receitas. O volume de negócios subiu para 89,96 mil milhões de euros, um valor que ficar cerca de 7% acima dos 84,3 mil milhões de euros.

Já o EBITDA (resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) desceu 3% para 15,9 mil milhões de euros, interrompendo uma série de três anos de recordes consecutivos, à semelhança dos lucros.

“É verdade que este exercício foi mais difícil para umas empresas do que para outras”, refere Pedro Barata. O gestor de ações da GNB realça que “houve empresas cujos resultados ficaram um pouco aquém do desejado nomeadamente a EDPR, a Navigator e a Corticeira Amorim, mas em contrapartida houve outras cujos resultados foram bastante interessantes e bem recebidos pelo mercado como por exemplo o BCP, a NOS, a Mota-Engil e a Sonae“.

A EDP Renováveis protagonizou o pior desempenho do exercício e foi uma das principais responsáveis pela quebra dos lucros do PSI. A empresa de energias renováveis, que tem sido pressionada em bolsa pelo regresso de Trump à Casa Branca, uma vez que o republicano tem ameaçado desinvestir em energias renováveis e quer voltar a apostar nos combustíveis fósseis, surpreendeu com prejuízos históricos.

A companhia passou de lucros de 309 milhões de euros, em 2023, a um prejuízo de 556 milhões em 2024, contrariando as expectativas dos analistas, que antecipavam lucros em torno de 274 milhões no acumulado do exercício. A empresa justificou estes números com itens não recorrentes, de 777 milhões de euros, explicados por imparidades relacionadas com os projetos na Colômbia e nos Estados Unidos.

Os prejuízos levaram as ações a afundar perto de 16% após os resultados, tocando num mínimo de 7,97 euros, a cotação mais baixa em seis anos, levando a capitalização bolsista da empresa a encolher 1.533,8 milhões de euros face à última sessão.

Esta verdadeira “tempestade” nas contas da EDP Renováveis também se refletiu diretamente nas contas da EDP, que viu os lucros encolher 151 milhões de euros para 801 milhões de euros no período.

O retalho também viu a sua rentabilidade baixar face ao período homólogo. A Jerónimo Martins reportou esta semana uma quebra dos lucros de 20,8%, ou 157 milhões, para 599 milhões. Já a sua concorrente apresentou um conjunto de resultados que considerou “memorável”, com as receitas a aproximarem-se dos 10 mil milhões de euros e o EBITDA a superar os mil milhões. Ainda assim, os lucros recuaram 37% para 223 milhões. Contudo, excluindo a mais-valia de 168 milhões registada com a venda da participação na dona da SportZone, os lucros subiram 18%.

Nos, Altri e BCP lideram

Ao contrário das cotadas do grupo EDP e da distribuição, a Nos, Altri e o BCP apresentaram fortes crescimentos face a 2023. O banco liderado por Miguel Maya alcançou um lucro histórico de 906,4 milhões de euros em 2024, uma subida de quase 6% em relação ao ano anterior, garantindo o segundo maior resultado da bolsa, apenas superado pelos lucros de 961 milhões da Galp, o segundo maior lucro de sempre da petrolífera.

Com lucros recorde fechou ainda a Nos. A operadora obteve em 2024 “os melhores resultados de sempre”, tendo lucrado 273,1 milhões de euros, um crescimento superior a 50%, se contabilizados os efeitos “não recorrentes”. Graças a eles, este ano, além do dividendo ordinário de 35 cêntimos, a empresa irá propor pagar um dividendo extraordinário de 5 cêntimos por ação.

Já esta quinta-feira, a papeleira Altri informou que mais que duplicou os lucros para 107,2 milhões de euros.

Instabilidade internacional pede cautela

A maioria das empresas mostra-se cautelosamente otimista para 2025, no entanto os gestores reconhecem os desafios e admitem que há muitos riscos, que vão desde a ameaça de uma guerra comercial, à inflação e guerras.

“Para 2025, as expectativas das empresas são bastante diversas, dependendo muito da sua área de negócio e da sua exposição ao mercado internacional. A maioria tem tido um discurso positivo, mas ao mesmo tempo cauteloso fruto da incerteza política internacional e das tarifas que a nova administração americana pretende implementar, sendo natural que as empresas mais expostas ao mercado americano sejam aquelas onde a incerteza face ao futuro próximo seja maior”, considera Pedro Barata.

A maioria [das cotadas] tem tido um discurso positivo, mas ao mesmo tempo cauteloso fruto da incerteza política internacional e das tarifas que a nova administração americana pretende implementar, sendo natural que as empresas mais expostas ao mercado americano sejam aquelas onde a incerteza face ao futuro próximo seja maior.

Pedro Barata

Gestor de ações nacionais da GNB

Uma das empresas que passou uma mensagem positiva foi a Sonae. “Num mundo muito incerto, vemos o mundo com muito otimismo na Sonae”, disse a CEO da Sonae, Cláudia Azevedo. A empresária diz que 2024 “foi um ano recorde, dificilmente replicável tão cedo”, ainda que adiante que a empresa vai continuar a ter um “forte investimento” nos negócios atuais da empresa.

Já José Pina, CEO da Altri, adiantou numa mensagem na apresentação de resultados que “a nossa boa performance foi resultado da continuada eficiência operacional, do enfoque na gestão cuidada dos investimentos, assim como do empenho das nossas equipas, em especial nas oportunidades de inovação”. “Este sucesso, mesmo em tempos de incerteza, dá-nos energia para a criação consistente de oportunidades no futuro”, concluiu.

Mesmo Miguel Stilwell de Andrade, CEO da EDP e da EDP Renováveis, diz que “independentemente da incerteza política, é muito claro para nós que a procura de energia nos EUA deverá registar um bom crescimento ao longo da década”, ressalvou o gestor, revelando-se “cautelosamente otimista” em relação aos Estados Unidos.

“Apesar de desafios de curto prazo no mercado, fundamentais sólidos de crescimento nos mercados chave da EDPR suportam uma estratégia de crescimento de longo prazo lucrativa”, concluiu Stilwell, numa conferência onde justificou os números da empresa de renováveis.

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