João Nuno Bento, presidente executivo da Novabase, garante que a empresa tem uma situação financeira "invejável" e que a tecnológica tem mais dinheiro para investir do que bons projetos onde o pôr.
A completar seis meses na liderança da Novabase, João Nuno Bento levanta o véu sobre o que esperar da empresa no futuro: vai apostar mais nos mercados externos e em formar o talento ainda nas universidades. Fala também dos resultados da empresa e do plano estratégico que vai apresentar no ano que vem. Com ele, espera tornar a Novabase numa referência para a transformação digital. Sobre o ramo de capital de risco da Novabase, garante que tem mais dinheiro para investir do que bons projetos onde o aplicar. Uma entrevista em vídeo, à margem do Web Summit.
Os lucros da Novabase no primeiro semestre caíram 60%, para cerca de quatro milhões de euros, com o efeito da venda da IMS. Excluindo a venda, teriam crescido 15%. A que se deve esta redução?
Há uma coisa importante e que tem a ver com esta transformação da Novabase: se queremos crescer a uma escala europeia, mundial, temos que escolher qual é a aposta que vamos fazer. Ou seja, não podemos fazer tudo o que fazemos em Portugal, e dizer que somos bons em tudo, e que somos competitivos em tudo, em todos os países do mundo. Não temos dimensão para isso. Nenhuma empresa portuguesa tem dimensão para isso. Portanto, temos de selecionar muito bem as nossas apostas. E, para apostar numas coisas, temos de libertar recursos de outras. Aquilo que fizemos quando vendemos o negócio da Novabase IMS foi libertar recursos que estavam nesse negócio para investir noutros negócios.
Estamos a falar então de uma alienação que foi estratégica, numa lógica de crescimento. Estão previstas outras alienações?
Não estão previstas outras alienações.
Como é que está a evoluir a situação financeira da Novabase? Vamos ter surpresas depois do fim do ano?
Sou CEO da Novabase há seis meses e costumo dizer que me deixaram as condições ótimas para poder desenhar e perseguir um futuro para a Novabase. A Novabase tem, atualmente, uma situação de tesouraria — aquilo que se chama vulgarmente de cash — absolutamente invejável. O que significa que podemos escolher entre devolver esse dinheiro aos nossos acionistas (sendo uma empresa cotada temos essa opção) ou explicar aos nossos acionistas que vamos investir no crescimento de algumas áreas da Novabase e, para isso, temos de apresentar projetos. Portanto, temos opções. Hoje em dia, ter opções é muito bom.
O dividendo manteve-se no ano passado, já perante uma queda dos lucros. A Novabase voltou a ter uma queda dos lucros este semestre. Há aí alguma mensagem implícita? Há margem para alterações na política de dividendos da Novabase?
Sendo uma empresa cotada, não posso dar indicações sobre aquilo que vamos fazer no futuro em relação a temas tão sensíveis como esse. O que eu posso dizer é que a nossa política de dividendos tem-se mantido nos últimos anos, sem alterações significativas.
Mas disse que tem de explicar aos investidores se vai devolver o cash em dividendos ou se vai reinvestir.
Os investidores são simples de entender. Quando veem um balanço com o nível de cash que a Novabase tem, há uma pergunta que querem ver respondida, que é: “vão devolver esse dinheiro aos investidores, ou têm algum projeto que seja melhor para mim do que devolverem-me o dinheiro?”. É a isso que temos de responder. Se queremos, enquanto gestores da Novabase, ter os recursos dentro da Novabase, temos de explicar aos nossos acionistas como é que os vamos utilizar no crescimento da Novabase e no crescimento da riqueza dos nossos acionistas.
Uma vez que está a desenvolver agora o plano estratégico, onde é que vê a Novabase daqui a três anos?
Isto é um processo partilhado com a facilitação de consultores e que tem uma altura certa para partilhar. Primeiro com a gestão da Novabase, depois com os acionistas e depois com o público em geral. Eu diria que no primeiro semestre do ano que vem as coisas estarão mais claras.
Temos de selecionar muito bem as nossas apostas. E, para apostar numas coisas, temos de libertar recursos de outras.
“O nosso mercado é, no mínimo, a Europa”
Qual é a galinha dos ovos de ouro da Novabase neste momento?
Não existem galinhas dos ovos de ouro.
Mas qual é a área que tem mais peso no negócio?
Temos 54% do nosso negócio fora de Portugal e isso é muito importante, porque o mercado português passou por uma contração muito significativa. Para a Novabase continuar a ter a dimensão que tem, tem de encontrar clientes fora de Portugal. Temos uma joint venture com a Vodafone que é algo que nos tem dado uma projeção mundial muito grande e que ajuda muito nesse desenvolvimento. Mas também a nossa área de governo, transportes e energia está a fazer projetos no norte da Europa, na Escócia. A nossa área de serviços financeiros tem clientes nos EUA. Estamos à procura de clientes na América do Sul também.
A percentagem de negócio cá vai encolher ou aumentar? A Novabase vai continuar a apostar mais lá fora, com o volume de negócios no estrangeiro a continuar a crescer face ao doméstico, ou também vai focar-se em Portugal?
É uma questão de mindset. Estamos aqui no Web Summit e é fácil perceber que não há barreiras à mobilidade dos negócios nesta área das TI [tecnologias da informação]. Na Novabase, tivemos de mudar o chip e dizer “o nosso mercado não é Portugal, mais uns clientes fora de Portugal”. O nosso mercado é, no mínimo, a Europa — porque não há barreiras. As pessoas podem trabalhar aqui, podem estar a trabalhar na Irlanda, por enquanto podem trabalhar em Inglaterra (e acho que vão continuar a poder). Portanto, todo este mercado tem de ser considerado por nós como o nosso home market.
Presumo das suas palavras que o peso do estrangeiro no negócio da Novabase vá continuar a aumentar.
Presume muito bem.
Quais são os mercados para os quais se estão a voltar mais?
Neste momento, os nossos mercados, onde estamos a apostar mais, são mercados do norte da Europa, mercados do leste da Europa (estamos a encontrar aí algumas oportunidades muito interessantes) e no Médio Oriente. Alguma coisa na América do Sul também, mas ainda estamos a tentar.
Portugal é um mercado atrativo para a tecnologia? Não faria sentido apostar mais em Portugal? Apesar de ter um problema de escala, como se costuma dizer, têm nascido grandes oportunidades cá.
Gostávamos que houvesse mais projetos em Portugal para crescermos muito mais depressa, mas a economia portuguesa não tem tido o investimento em TI que outras economias têm.
Mas esse problema é incontornável? Não há solução para o problema da escala?
É só um problema de crescimento da economia. Costuma dizer-se que, se a economia crescer a 1%, o mercado das TI cresce a 3%. Agora imagine se a economia crescer a 3% ou a 4%, como é que o mercado de TI vai crescer. É um problema de crescimento da economia.
Na sua opinião, não estamos a crescer porquê?
Esse é um tema dos economistas e dos políticos.
Mas terá uma opinião enquanto gestor de uma empresa cotada.
Deixe-me dizer que leio o ECO e concordo com muitas das coisas que o ECO fala sobre os obstáculos que existem ao crescimento da economia. Mas também concordo que por vezes é muito difícil remover esses obstáculos.
A taxa de desemprego tem vindo a cair, portanto, o crescimento pelo lado do emprego é cada vez mais difícil.
Eu acho que estamos num momento bom da economia portuguesa.
Existe um problema de produtividade em Portugal?
Está tudo ligado. Obviamente que o problema da produtividade não é um problema do talento português. É um problema da escala da economia portuguesa. E daí ser tão importante para as empresas como a Novabase não se limitarem à escala da economia portuguesa e competirem à escala de economias maiores: a economia europeia, e alguns países que, obviamente, estão mais desenvolvidos e têm maior escala nesta área.
As políticas que têm vindo a ser implementadas são favoráveis a uma empresa tecnológica em Portugal?
As políticas da Novabase, que são as de que eu falo, são bastante favoráveis para o crescimento da Novabase.
Mas quando se faz um plano de negócio, tem-se sempre em conta as questões políticas também.
O que eu posso dizer é que a economia portuguesa está a atravessar um bom momento. Acho que falo por todos os empresários: gostaríamos muito que a aposta no investimento a todos os níveis continuasse e fosse uma realidade.
Gostávamos que houvesse mais projetos em Portugal para crescermos muito mais depressa, mas a economia portuguesa não tem tido o investimento em TI que outras economias têm.
“Todas as empresas hoje têm um problema em reter talento”
O que é que a Novabase veio fazer ao Web Summit?
A Novabase veio fazer ao Web Summit essencialmente três coisas. Uma, captação de talento: para nós, é muito importante estar presente no Web Summit porque aqui está o talento que vamos contratar em Portugal e até fora de Portugal. Outra, voltar mais uma vez, na sequência do sucesso que tivemos no ano passado, a mostrar o Wizzio, que é a nossa plataforma de transformação digital para a banca. E a terceira, promover também o nosso envolvimento com startups: temos um braço de capital de risco, que é a Novabase Capital, e está aqui presente também para ver o que anda por aqui. Anda por aqui muita coisa.
São olheiros.
Somos olheiros, exatamente.
Já encontraram alguma startup que tenha entrado na calha para receber investimento?
O segredo é a alma do negócio. Vimos seguramente algumas que são empresas interessantes. Hoje em dia (é preciso dizê-lo) as empresas têm muitos pretendentes. Mesmo as startups têm muito investimento à procura delas. E, por isso, as startups acabam por selecionar os investidores que são mais interessantes para o seu desenvolvimento. É o chamado smart capital. A Novabase, desse ponto de vista, posiciona-se perante startups portuguesas que querem, naquele período inicial, crescer com algum financiamento, mas ter acesso a parceiros da Novabase internacionais que, depois, podem participar nas rondas seguintes. Acreditamos que, desse ponto de vista, temos em Portugal uma proposta de valor única. Pela marca que temos, e pelo acompanhamento que fazemos das startups.
Qual é o orçamento da Novabase Capital para investir em startups?
A Novabase Capital tem três fundos para investir. Eu diria que, no total, estamos a falar entre 25 milhões e 30 milhões de euros, sendo que uma parte já está investida. Mas temos mais dinheiro para investir do que os bons projetos que nos aparecem.
Acho que falo por todos os empresários: gostaríamos muito que a aposta no investimento a todos os níveis continuasse e fosse uma realidade.
A nível de tecnologia, sabemos que as empresas têm tido dificuldade em atrair talento. E a Novabase tem falado muito em atrair talento. Aliás, disse que era um dos motivos pelos quais vieram ao Web Summit. Podemos dizer que a Novabase tem um problema de retenção de talento?
Todas as empresas hoje têm um problema em reter talento, porque as propostas são múltiplas e não são apenas do mercado nacional. São propostas que vêm também de outros países onde o problema do talento ainda é maior do que aquele que existe em Portugal. A Novabase é a melhor empresa para um recém-licenciado começar a trabalhar. Aposta no desenvolvimento das pessoas, tem um programa de academias, um programa de formação que garante que, durante os quatro e cinco primeiros anos de carreira da pessoa, a pessoa desenvolve-se muito mais rapidamente do que na generalidade das empresas de tecnologia em Portugal.
Somos como aqueles clubes que apostam na formação e no desenvolvimento do talento e não de ir apenas recrutar jogadores já muito conhecidos mundialmente. O que nós fazemos é desenvolver esse talento, e é nisso que apostamos e por isso fazemos todos os anos roadshows pelas universidades, contactamos cerca de 3.000 pessoas para potencialmente virem trabalhar na Novabase e acabamos com uma seleção entre 100 a 150 pessoas que vêm participar na nossa academia. Já passaram por um processo de seleção muito significativo e depois têm o benefício, durante esses anos, de desenvolvimento profissional e de skills tecnológicos também.
Quantas pessoas é que trabalham neste momento para a Novabase?
A Novabase, neste momento, tem cerca de 2.100 empregados.
E, numa situação ideal, em que não haveria esse problema de falta de talento, quantos engenheiros e quantas pessoas estariam a trabalhar na Novabase?
Se calhar, 2.150. A questão da guerra de talento, como se costuma dizer, não é tanto uma questão de números. É uma questão de contratar o talento certo. Aquilo que queremos é reter o talento certo, reter o talento sénior que ajuda a reter o talento mais júnior, e esse é que é o grande desafio. Se eu quisesse ter mais 300 ou 400 pessoas, eu poderia contratá-las. Têm é de ser as pessoas certas para os projetos que temos, para os clientes que temos, para os desafios que temos.
E qual é o talento certo para a Novabase? Que características têm as pessoas que estão à procura?
O talento que recrutamos à saída das universidades é o talento que está em cursos na área da tecnologia, da engenharia, matemáticas, pessoas um pouco com este perfil. Recrutamos hoje, também, e é importante dizê-lo, pessoas de outros cursos que passam por processos… nós temos uma parceria que anunciámos recentemente com a Academia de Código, onde as pessoas passam por um curso em que nós ajudamos também a financiar. E depois desse curso, aquelas que têm o perfil certo são integradas dentro dos quadros da Novabase. Além disso, obviamente recrutamos talento mais sénior, embora eu pense que a estrutura de pessoas seniores que temos na Novabase hoje é a estrutura adequada para o negócio que nós temos.
É importante haver essa dualidade entre pessoas seniores e pessoas acabadas de sair das universidades?
É muito importante. Temos mais pessoas juniores e menos pessoas mais seniores, obviamente, mas isto é extremamente importante para o desenvolvimento das pessoas. Ou seja, quem desenvolve o talento é o talento. Se eu tiver bom talento sénior, eu vou ter melhor talento sénior no futuro, porque esse talento sénior está a liderar e está a desenvolver o meu talento mais júnior.
Como é que vê o facto de o Web Summit ficar cá em Portugal mais dez anos? É uma boa aposta?
É muito bom. É muito bom para o talento, é muito bom para as pessoas jovens que estão aqui. Muita gente não teria oportunidade de ir ver o Web Summit se fosse em Espanha ou na Irlanda. Aqui, têm essa oportunidade. Eu sei que o Técnico tem um protocolo para enviar para aqui 100 ou 150 alunos que têm oportunidade de ver isto. E quando uma pessoa está no terceiro ou quarto ano do curso, vir ao Web Summit durante um dia ou dois ver isto é muito importante. Mas não só para as pessoas: é importante para as empresas, é importante para a economia, para o turismo. Como os ingleses dizem, é um no-brainer. Ou seja, não é preciso pensar muito para se chegar à conclusão de que é muito bom.
Mas uma das críticas é que a tecnologia é um campo muito dinâmico, não sabemos o que é que vai acontecer daqui a cinco anos.
Essa é a parte boa.
Mas as empresas fazem planos de negócio em janelas de tempo cada vez mais reduzidas. Não é uma aposta arriscada? Não sabemos como é que vai estar este ecossistema das startups e da tecnologia daqui a dez anos.
Obviamente que as apostas têm os seus riscos e não temos recursos para fazer muitas apostas ao mesmo tempo. Mas eu penso que esta aposta que Portugal fez no Web Summit é uma excelente aposta. E que depois irá dar origem a muitas outras apostas. Há muitas empresas que se estão a instalar em Portugal, há muito talento que está a ser desenvolvido também pelas oportunidades que estas pessoas têm. Eu diria que isto colocou Portugal no mapa da tecnologia e dos locais onde é possível desenvolver tecnologia, pelo menos na Europa, e talvez no mundo.
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Novabase: “Temos mais dinheiro para investir do que os bons projetos que nos aparecem”
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