Empresas portuguesas já emitiram 6,5 mil milhões em dívida verde
Da energia, à banca ou às telecomunicações, a sustentabilidade está a entrar no financiamento das empresas portuguesas. A dívida soberana é que continua à margem deste mercado.
A dívida sustentável está a conquistar as empresas portuguesas. Já são 6.515 milhões de euros, entre obrigações verdes, híbridas ou indexadas a indicadores ambientais, sociais e de governo corporativo (ESG) emitidas por oito empresas dentro e fora da bolsa de Lisboa. A líder continua a ser, sem surpresa, a EDP, mas a energia há muito que deixou de ser o único setor elegível.
“O tema ESG está em crescimento em todo o mundo e quer as empresas quer os investidores estão cada vez mais interessados”, considera Filipe Garcia, presidente da IMF e certified ESG analyst (CESGA). “Do lado das empresas há vantagens em fazer estas emissões devido à procura que existe por estes ativos, pelas taxas (mais baixas) a pagar e por implementarem e comunicarem projetos sustentáveis. Do lado dos investidores, nota-se interesse por projetos sustentáveis em termos ambientais, não só pelo alinhamento de valores com os promotores, mas porque há a perceção e evidência de que empresas mais sustentáveis tendem a incumprir dívida menos frequentemente”.
Estes ativos são títulos de dívida especificamente emitidos para financiar projetos sustentáveis, sendo as obrigações verdes (ligados ao clima ou ambiente) as mais comuns, mas não as únicos. Há dívida azul, para questões ligadas ao mar, ou social bonds para temas sociais, por exemplo. Para entrarem nestas categorias, os ativos têm de cumprir determinados critérios sobre o uso do encaixe financeiro e os objetivos dos projetos a financiar.
Em Portugal, a EDP estreou o mercado em outubro de 2018 e já realizou sete emissões, num total de 5.300 milhões de euros, que deverá aumentar já nos próximos tempos. Na apresentação do seu plano estratégico, a empresa liderada por Miguel Stilwell d’Andrade afirmou que “a estrutura de capital da EDP irá crescentemente refletir o compromisso com a sustentabilidade”, antecipando que, em 2025, 50% do financiamento veja verde. A meta representa um crescimento de 22 pontos base face aos atuais 28%.
"A estrutura de capital da EDP irá crescentemente refletir o compromisso com a sustentabilidade.”
As emissões de dívida da EDP negoceiam na bolsa da Irlanda e não em Lisboa, mas a primeira linha de obrigações verdes a ser admitida à negociação em Lisboa também foi para um projeto ligado à energia. A Sociedade Bioelétrica do Mondego, uma subsidiária da Altri cujo principal negócio é uma central termoelétrica a biomassa, colocou 50 milhões de euros de obrigações verdes em fevereiro de 2019. Mais recentemente foi a REN a estrear-se neste mercado, ao emitir 300 milhões de euros em obrigações verdes.
“As empresas energéticas são as que têm mais interesse mais imediato nestes projetos porque lhes permite financiar projetos de transição energética e porque é do seu interesse melhorar os seus indicadores de sustentabilidade para atrair credores, investidores e criar uma boa imagem pública”, explica Garcia.
Lembra, no entanto, que todos os setores que tenham a necessidade de implementar projetos com impacto positivo no ambiente podem efetuar emissões deste tipo. Sofia Santos, economista especializada em finanças sustentáveis e também CESGA, concorda que “a energia é o que mais se faz agora e é o mais simples de se fazer e de se quantificar os impactos, mas uma obrigação verde, pode ser usada para muitos mais tipos de investimento do que os energéticos” como prevenção e controlo da poluição, gestão ambientalmente sustentável de recursos naturais vivos e uso da terra, conservação da biodiversidade terrestre e aquática, transporte limpo, gestão sustentável de água e esgoto, adaptação às mudanças climáticas, produtos, tecnologias de produção e processos adaptados à economia circular e / ou ecoeficiente.
Prova dessa diversidade é que o grupo Pestana foi, em 2019, o primeiro emitente a nível mundial da indústria hoteleira a fazer uma operação desta natureza: foram 60 milhões para refinanciamento de investimentos de caráter sustentável no Pestana Tróia Eco Resort e no Pestana Blue Alvor. Foi também com o objetivo de refinanciar investimentos verdes (realizados entre 2017 e 2019) que a Corticeira Amorim fez uma colocação privada de 40 milhões de euros no final do ano passado.
"O compromisso que a Sonae tem com as pessoas e com o planeta é inegociável. Faz parte do nosso ADN.”
No setor financeiro também há um exemplo em Portugal: a UCI – Unión de Créditos Inmobiliarios foi ao mercado buscar financiamento para dar crédito a projetos verdes, numa operação de titularização de dívida. Na prática, a UCI vendeu um portefólio de empréstimos à habitação a grandes investidores institucionais e usou o encaixe financeiro para conceder crédito à habitação direcionado à construção ou requalificação de edifícios por forma a torná-los mais sustentáveis. É, por isso, que esta operação é incluída no mercado de obrigações verdes.
Além das emissões de dívida, há outras operações de financiamento verde. É o caso da Nos, que emitiu 100 milhões de euros em papel comercial associado ao desempenho ao nível da sustentabilidade. Também a Sonae realizou um empréstimo obrigacionista indexado ao desempenho do Grupo em indicadores ambientais, sociais e de governo corporativo (ESG), no montante de 20 milhões de euros, depois de ter realizado um conjunto de refinanciamentos também ligados a indicadores ESG.
Com estas operações, o montante total de empréstimos de longo prazo contratados pelo grupo com enquadramento sustentável, verde e ESG ascende já a 280 milhões de euros, o que representa mais de 15% do montante de dívida bruta. “O compromisso que a Sonae tem com as pessoas e com o planeta é inegociável. Faz parte do nosso ADN. Temos hoje metas concretas e exigentes em várias dimensões sociais e ambientais”, disse na altura o CFO João Dolores.
Oito emitentes recorreram a financiamento verde
Fonte: Dados recolhidos pelo ECO junto das empresas
São assim oito os emitentes que recorreram ao financiamento verde. “O mercado nacional de obrigações verdes é muito pequeno, ainda com pouquíssimas empresas a usarem estes instrumentos. Por outro lado, a nível mundial as obrigações verdes, que têm aumentado bastante, ainda só representam aproximadamente 3% do total das obrigações emitidas a nível mundial“, diz Sofia Santos, sublinhando que as pequenas e médias empresas (PME) também podem usar esta ferramenta para aumentar o capital, mas há ainda “um grande desconhecimento”.
Em países europeus como Irlanda, França, Alemanha ou Holanda as obrigações verdes têm mais peso do que em Portugal, o que a economista considera estar relacionado com a ausência de política fiscal que induza ou promova a emissão de obrigações verdes. Defende o aumento do conhecimento sobre este produto financeiro, bem como o desenvolvimento de uma política fiscal verde que incentive os agentes económicos neste sentido. Sofia Santos acrescenta ainda que o próprio Estado poderia dar o exemplo.
"Com esta operação, a Nos liga de forma tangível uma parte do seu custo de financiamento ao seu desempenho ao nível da sustentabilidade.”
“Penso que em Portugal seria muito importante que o Estado português emitisse uma obrigação verde de dívida pública, à semelhança do que vários países europeus já têm vindo a fazer. Seria um sinal aos investidores privados de que a importância dos temas e tecnologias ambientais são de facto relevantes e irreversíveis em Portugal”, afirma.
Mais de duas dezenas de países já emitiram dívida pública verde, totalizando mais de 80 mil milhões de euros. No grupo incluiu-se, por exemplo, a Alemanha ou França, enquanto a União Europeia fez uma emissão histórica de social bonds para financiar os empréstimo aos Estados-membros no âmbito do programa de apoio ao emprego, o SURE.
O Reino Unido anunciou que irá, no próximo verão, irá fazer também uma emissão, de 15 mil milhões de libras. Portugal — que lançou a ideia de uma emissão de dívida pública verde ainda em 2017 quando Mário Centeno era ministro das Finanças Mário Centeno — nunca chegou a avançar com este projeto, mas o Governo garantia no ano passado ao ECO que não estava esquecido.
“É provável que venha a acontecer, mas terão de estar associados a projetos em concreto que não sabemos bem quais poderão ser”, lembra o presidente da IMF. “O nível muito baixo dos juros em emissões tradicionais não está a criar um sentimento de necessidade em relação a esta matéria, mas estou em crer que virá a acontecer. Note-se que há quem defenda que as obrigações verdes poderão mesmo tornar-se o ativo de referência para cálculo da taxa de juro sem risco. Parece-me que Portugal poderá emitir, antes disso, algum tipo de social bonds“, acrescenta.
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