TAP, comboios e obras públicas. Pedro Nuno Santos continua de “pedra e cal” no Governo

Costa fez mudanças no novo Governo, mas manteve Pedro Nuno Santos. Ministro tem pela frente vários desafios, desde os problemas da habitação ao novo aeroporto de Lisboa.

Assumiu há três anos as pastas das Infraestruturas e da Habitação e vai continuar com essa responsabilidade por mais quatro. António Costa assim o quis. Pedro Nuno Santos é o típico ministro do “povo”, palavra que não se cansa de repetir nas intervenções que faz. Sem papas na língua, reconhece o falhanço do Estado no que toca à habitação, mas também bate o pé para defender a importância de ajudar a TAP e a necessidade de mais comboios (e mais rápidos). É ainda apontado como um forte sucessor de António Costa, como o próprio primeiro-ministro já o admitiu.

Pedro Nuno de Oliveira Santos nasceu em São João da Madeira, no distrito de Aveiro, em 1977, há quase 45 anos. É casado com Ana Catarina Gamboa, chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, com a qual tem um filho de cinco anos. Os primeiros contactos com a política aconteceram cedo, impulsionados pelo pai, empresário no ramo do calçado e equipamento industrial, mas outrora vereador do PS na autarquia de São João da Madeira. Aos 14 anos, Pedro Nuno Santos iniciou-se na Juventude Socialista.

No secundário foi presidente da Associação de Estudantes da Escola Secundária Dr. Serafim Leite. Esse caminho continuou na faculdade. Mudou-se para Lisboa, onde acabou por se licenciar em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Durante a faculdade foi presidente da Mesa da Reunião Geral de Alunos (RGA) e membro da direção da Associação de Estudantes. Quando concluiu a licenciatura, ingressou na empresa da família — Grupo Tecmacal — com sede na cidade natal, São João da Madeira.

Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas e Habitação, em entrevista ao ECO - 22DEZ21
Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação.Hugo Amaral/ECO

Nessa altura, nos inícios dos anos 2000, foi presidente da Assembleia de Freguesia de São João da Madeira e deputado da Assembleia Municipal da mesma cidade. Mais tarde, assumiu a presidência da Federação de Aveiro da Juventude Socialista e, entre 2004 e 2008, foi secretário-geral da Juventude Socialista, período em que esteve empenhado primeiro na legalização da interrupção voluntária da gravidez e depois na consagração em lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, diz a Lusa. Entre 2010 e 2018 foi presidente da Federação de Aveiro do PS.

Entrou para o Parlamento em 2005, com a primeira maioria absoluta do PS, altura em que este partido era liderado por José Sócrates, com quem esteve até à derrota eleitoral dos socialistas, de junho de 2011. Foi responsável pela Comissão de Economia e pela Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES. Em 2011 tornou-se vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS e membro da Comissão Permanente da Assembleia da República, tendo apoiado António José Seguro contra Francisco Assis no processo de sucessão de José Sócrates no cargo de secretário-geral do PS.

Em 2014, esteve ao lado de António Costa nas eleições primárias socialistas, em que o atual líder derrotou António José Seguro com mais de 60% dos votos. A entrada de Pedro Nuno Santos para o Governo aconteceu em novembro de 2015, altura em que assumiu as funções de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Ficou por lá durante cerca de três meses e, em fevereiro de 2019, foi nomeado ministro das Infraestruturas e da Habitação, substituindo Pedro Marques. “Sigo com o sentimento de orgulho e dever cumprido nos Assuntos Parlamentares e com a motivação e o entusiasmo de fazer ainda melhor neste novo desafio”, disse Pedro Nuno Santos a 21 de fevereiro de 2019, no momento em que tomou posse como ministro.

Pedro Nuno Santos toma posse como ministro das Infraestruturas e da Habitação, a 21 de fevereiro de 2019.Clara Azevedo

Do Familygate à dívida histórica da CP, passando pela ajuda à TAP

Pedro Nuno Santos pertence desde 2014 ao chamado “núcleo duro” político de António Costa, diz a Lusa. Enquanto secretário de Estado, foi o membro do Governo mais diretamente responsável pela coordenação entre PS, PCP, Bloco e PEV — a geringonça (que terminou com o chumbo do último Orçamento do Estado). No congresso do PS de 2018, defendeu que o PS devia ter como orientação política a concertação à esquerda. “Não é com o PSD e o CDS que os socialistas podem avançar com leis laborais para proteger os trabalhadores. Não é com o PSD ou CDS que vamos proteger o sistema público de pensões, o mesmo com a educação, o mesmo com a saúde. Isto não é populismo, isto não é radicalismo, isto é ser socialista”, afirmou.

É ministro, mas fala com poucos filtros, sobretudo quando se trata de assuntos polémicos, como a TAP ou o novo aeroporto de Lisboa. E as polémicas na vida política de Pedro Nuno Santos começaram cedo. Em 2012, demitiu-se da vice-presidência do Grupo Parlamentar do PS, um ano após ser eleito, depois de ter proferido um discurso polémico em Castelo de Paiva, durante uma festa de Natal com militantes socialistas locais, em que contestou de forma considerada radical a forma como Portugal estava a cumprir o programa de assistência financeira da troika.

Estou-me marimbando para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro nas condições em que nos emprestaram, estou-me marimbando que nos chamem irresponsáveis. Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida”, disse Pedro Nuno Santos, nesse discurso, citado pela Lusa.

Em 2019, foi arrastado para o Familygate, uma investigação sobre relações familiares dentro do Governo ou em organismos de nomeação governamental. De acordo com o Observador, o pai de Pedro Nuno Santos e um sócio terão feito negócios com o Estado num valor de 1,16 milhões de euros, sendo que metade deste montante dizia respeito a contratos públicos assinados já com Pedro Nuno Santos no PS.

E houve ainda a nomeação da mulher de Pedro Nuno, Ana Catarina Gamboa, como chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, seu sucessor. Pedro Nuno Santos sentiu que tinha o “dever” de explicar esta situação e, num post no Facebook, escreveu que a mulher é uma “excelente profissional, pessoa de enorme competência e confiança” e que “é obrigação dos políticos” garanti que “os cargos de poder político não são usados para que alguns se sirvam a si e às suas famílias”.

Saltamos para 2021 e, desta vez, a história envolve a CP — mais concretamente a dívida histórica de 2,1 mil milhões de euros — e o (ainda) ministro das Finanças, João Leão (que será substituído por Fernando Medina). Depois da demissão antecipada do presidente da CP, Pedro Nuno Santos atirou contra o Ministério de João Leão. “Se dependesse de mim, o problema [da dívida] estava resolvido. Tínhamos um plano de atividades e orçamento aprovado em tempo, a empresa não esperava meses para conseguir autorização para fazer as compras que são fundamentais (…), não tínhamos uma dívida histórica (…) durante tanto tempo sem a resolver”, disse, referindo-se ao Ministério das Finanças.

De fora não podia ficar a TAP, pela enorme divergência de opiniões. A começar pela Ryanair, que afirma desde o início ser contra a ajuda estatal à companhia portuguesa. Nos últimos meses, a empresa irlandesa intensificou a sua contestação e Pedro Nuno Santos ainda respondeu algumas vezes ao início — sem falinhas mansas, como de costume –, mas nos últimos tempos preferiu não comentar. “A Ryanair é uma empresa privada e não tem de interferir nas decisões soberanas tomadas pelo Governo português. O Governo não aceita intromissões nem lições de uma companhia aérea estrangeira que responde apenas perante os seus acionistas“, disse o ministro, em maio do ano passado, acusando a companhia irlandesa de “aproveitar de uma situação difícil”.

Ainda no assunto TAP, Rui Rio também teve direito a resposta. O social-democrata também disse ser contra a ajuda estatal à companhia aérea, classificando o dinheiro que será dado à TAP como uma “orgia financeira”. Umas semanas depois, Pedro Nuno Santos respondeu: “A solução de Rui Rio é que a TAP, empresa com 50% de capital público, ‘enfiasse’ um calote a todos os credores”. “Um homem que pensa assim não pode ser primeiro-ministro”, acrescentou.

Os vários desafios que Pedro Nuno Santos tem pela frente

António Costa mudou o Governo, cortando em alguns ministros, mas Pedro Nuno Santos mantém-se em jogo. Para o ministro das Infraestruturas e da Habitação é agora altura de colher os frutos daquilo que semeou no Executivo anterior. A começar pela ferrovia, que sempre esteve no centro das preocupações de Pedro Nuno Santos. Mais comboios, recuperação de linhas e criação de novas linhas (e mais rápidas) já estão no legado do ministro das Infraestruturas, cuja maior ambição é ligar o Porto a Lisboa em apenas 1h15 por comboio. Pela frente há ainda um longo caminho a percorrer, na sequência dos vários concurso que foram lançados no Governo anterior.

Ainda nos transportes, vem a TAP. Pedro Nuno Santos defende desde o início que o Estado tem o dever de ajudar a companhia aérea pela importância que esta tem para o país. Foi com Pedro Nuno Santos no Governo que o Estado passou a deter 72,5% da empresa e conseguiu aprovação para uma ajuda estatal de 3,2 mil milhões de euros à TAP. O ministro já tinha afirmado que caso Bruxelas não desse “luz verde” ao plano de restruturação da companhia esta perderia “a centralidade no negócio da aviação”. Mas o “ok” chegou e é a Pedro Nuno Santos que os portugueses vão, certamente, pedir satisfações se a companhia aérea não mostrar resultados.

77º aniversário da TAP - 14MAR22
Pedro Nuno Santos e Christine Ourmières-Widener, CEO da TAP.Hugo Amaral/ECO

O novo aeroporto de Lisboa é outro tema quente para o Ministério de Pedro Nuno Santos. O ministro tem sido um defensor ávido da implementação de uma nova estrutura aeroportuária no Montijo e lamenta que ao fim de mais de dez anos ainda não haja uma decisão final sobre a localização. O próprio Governo alterou no ano passado a lei que permite aos municípios terem uma palavra a dizer sobre este assunto. Essa mudança precisa, contudo, de ser levada a votação no Parlamento, mas o PS tem maioria absoluta, logo a viabilização está garantida. Mas é preciso ainda passar o obstáculo da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), pedida pelo Governo, e que tem em cima da mesa três hipóteses: duas delas com o Montijo e uma terceira com Alcochete. O documento deverá ser entregue no próximo ano.

A habitação é outra aposta forte deste Ministério, com Pedro Nuno Santos a reconhecer que o Estado falhou nos últimos anos no que diz respeito a garantir o acesso à habitação. Juntamente com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) já se lançaram várias iniciativas nesse campo, desde o 1.º Direito, ao Programa de Arrendamento Acessível, passando pelos contratos vitalícios de habitação. Em setembro de 2020, mudou a secretária de Estado da Habitação: Marina Gonçalves entrou para substituir Ana Pinho. Pela frente há o desafio de transformar os milhares de imóveis devolutos e/ou inativos do Estado em habitação. Até ao momento já se identificaram 1.020 imóveis nestas condições.

Nas mãos de Pedro Nuno Santos (em conjunto com outros ministérios) está ainda a expansão das redes de telecomunicações. Em novembro do ano passado, o Governo encarregou a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) de recolher informação atualizada sobre a cobertura de redes públicas de comunicações eletrónicas de capacidade muito elevada e, em janeiro deste ano, foi aberta uma consulta pública para esse efeito — que encerrou entretanto.

Primeiro dia do novo tarifário dos passes sociais da Área Metropolitana de Lisboa, assinalada com uma viagem entre Entrecampos e Setúbal - 01ABR19

Pedro Nuno Santos garante, assim, mais quatro anos de liderança da pasta das Infraestruturas e da Habitação, depois de António Costa ter entregue esta quarta-feira ao Presidente da República a lista com todos os membros do seu novo Governo. O primeiro-ministro puxou ainda para o Executivo Fernando Medina, para a pasta das Finanças. Até há pouco tempo havia um duelo implícito entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina para a sucessão de António Costa como secretário-geral do PS, mas tudo indica que o primeiro esteja em vantagem.

O próprio António Costa admitiu em dezembro a possibilidade de Pedro Nuno Santos vir a liderar o PS. “Sim, é provável, tem boa idade para no futuro, se for essa a vontade da generalidade dos socialistas, que seja ele”, disse o primeiro-ministro, em entrevista à CNN Portugal.

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