A Square AM perdeu quase 20 milhões de euros com os 11 espaços comerciais fechados devido à pandemia. Lamenta o "facto de se ter metido política nos centros comerciais".
A Square Asset Management (Square AM) é uma sociedade gestora de fundos, dona de nove centros comerciais e dois retail parks no país. Perde em dimensão para outras empresas, mas supera em quantidade, e também não escapou aos impactos da pandemia. Encerrou portas durante vários meses e viu as receitas caírem. Perdeu quase 20 milhões de euros até agora com a pandemia, revela o presidente-executivo, em entrevista ao ECO. Ainda assim, a Square não despediu pessoas, nem recorreu aos apoios do Estado. Considera mesmo não haver necessidade. “Não pode estar toda a gente de mão estendida a achar que é o Estado que tem de nos ajudar”, diz Pedro Coelho.
Contudo, ao olhar para estes últimos meses, lamenta a postura do Estado para com os centros comerciais, sobretudo as leis que foram criadas para apoiar os lojistas e que acabaram por prejudicar os proprietários. O CEO afirma que o Governo se “intrometeu” na relação entre privados e que, ainda por cima, criou uma lei “cega” que prejudicou os lojistas mais pequenos.
Recuamos até março de 2020. Como é que se preparam 11 espaços comerciais para uma pandemia?
Esta pandemia apanhou-nos um bocadinho de surpresa. A nós e ao país todo. Todas as áreas sofreram e continuam a sofrer. O impacto ainda está por perceber porque ainda há assuntos que estão por resolver. Mas cada um deve, em vez de olhar demasiado para o umbigo, ver esta noção mais geral. Obviamente que uma pandemia com uma gravidade destas iria sempre afetar todos. Mas o setor dos centros comerciais conseguiu responder bem, tanto proprietários como lojistas, no sentido de se adaptar tão bem quanto possível às exigências do Governo, dentro daquilo que foi também alguma oscilação de legislação, que no primeiro ano de pandemia seria mais normal.
Em 2020 deu-se o decretar do encerramento e era uma desolação ver o centro comercial todo fechado… era um centro comercial quase fantasma. Mas a organização dos centros comerciais conseguiu responder bastante bem do ponto de vista dessa mesma organização. A questão de os centros comerciais terem de continuar a estar fechados a partir de uma certa hora é um bocado discutível. Como em tudo na vida, deve ter-se um pouco de tolerância para decisões que têm de ser tomadas na hora e é natural que se possam cometer erros.
Mas o que prejudicou mais a relação entre os proprietários e lojistas foi, sobretudo, o facto de se ter metido política nos centros comerciais, em vez de deixar o setor resolver os problemas que já estavam a ser resolvidos com acordos entre privados. A legislação que foi aprovada veio, na prática, impor um determinado regime com efeitos retroativos que ainda está em discussão. Uma coisa muito típica portuguesa, e que os investidores estrangeiros não conseguem sequer perceber, é, primeiro, como é que há uma legislação do Governo a meter-se na relação entre dois privados e, segundo, fazer-se uma lei com efeitos retroativos. Enfim, são questões muito complexas.
Por isso, os chamados centros comerciais de média e grande dimensão conseguiram reagir bem à pandemia, no sentido de, pelo menos, estarem organizados. As pessoas não sentiam insegurança por lá irem.
Mais grave do que a legislação em si – e isso tem a ver com o facto de haver uma legislação pública a intrometer-se na relação entre dois privados – foi o facto de ser uma legislação cega.
Quais foram as primeiras medidas de apoio aos lojistas a serem implementadas?
A legislação acabou por sair só em agosto, mas os privados não podiam estar à espera do que quer que seja, até porque não contavam que saísse legislação nenhuma. A primeira medida [que a Square implementou] foi imediatamente tentar começar a negociar com os lojistas medidas para que o esforço da pandemia fosse suportado por ambas as partes.
Na altura propusemos, numa primeira fase (sem saber o período completo de lockdown), que a renda fixa fosse repartida em 50% para os lojistas e 50% para o proprietário. Aceitámos logo de início ter uma perda de 50% da renda fixa (e, claro, como estavam fechados, renda variável não iam ter nenhuma) e que os 50% que os lojistas teriam de pagar seriam pagos a partir de janeiro de 2021, durante 24 meses. Ou seja, havia um perdão total, digamos, em termos contratuais, de 50% da renda. Também entendíamos que quando os centros reabrissem, os lojistas não iam ter logo um nível de faturação como antes, por isso era importante dar-lhes este espaço e tempo para poderem recuperar e pagar. E começou a haver uma série de acordos assinados nesses termos e houve vários lojistas a aderir.
Como é que vê a suspensão da renda fixa aprovada em julho pelo Parlamento?
Quando se tenta meter demasiada ideologia política, parece que tudo isto vira quase como uma lógica de futebol, em que há um árbitro que diz uma coisa e as pessoas decidem se concordam ou não. A vida não pode ser assim. Os centros comerciais só são bons quando têm proprietários de um lado e lojistas do outro, e quando as pessoas gostam de ir lá para os lojistas aumentarem as receitas e os proprietários terem retorno dessas receitas.
Portanto, foi uma surpresa grande para o setor quando saiu a legislação que veio, na prática, dizer que os lojistas não tinham de pagar renda fixa e só tinham de pagar renda variável. Mais grave do que a legislação em si — e isso tem a ver com o facto de haver uma legislação pública a intrometer-se na relação entre dois privados — foi o facto de ser uma legislação cega. Isto é, no fundo a lei veio dizer que isto era válido para qualquer lojista. Mas nós sabemos, nomeadamente nos grandes centros comerciais, que a grande maioria dos lojistas são multinacionais muito grandes. Não vou dizer que podem suportar tudo, mas que têm um estrutura que lhes permite suportar melhor um acordo do tipo que os proprietários estavam a propor.
Nós temos de cumprir a lei e não nos passa pela cabeça não cumprir. Mas no fundo o que acontece é termos perdas muito significativas nos grandes lojistas, que seriam aqueles que poderiam suportar melhor a crise, e isso tira-nos margem para depois podermos fazer acordos adicionais mais favoráveis com os pequenos lojistas. Aqui a questão é um bocado complexa por várias razões: felizmente para nós, no CA Património Crescente [fundo de investimento da Square que detém os centros comerciais], os centros representam uma fatia importante do investimento, mas é apenas uma fatia. Uma das estratégias é exatamente diversificar tanto quanto possível para nunca estarmos sujeitos a uma crise neste setor.
Se essa lei não tivesse sido aprovada, acredita que por esta altura vocês continuariam com esses acordos com os lojistas?
Sim. A questão que se coloca é: vamos supor que a lei não tinha saído e que se tinha feito a grande maioria dos acordos. Na altura já estava prevista essa perda de 50% para os proprietários e que os restantes 50% deveriam começar a ser pagos agora, em janeiro de 2021. Provavelmente o que teria acontecido é que, com um novo lockdown, na prática, isso voltaria a ser adiado e atirado para a frente, se é que não haveria outro perdão de renda. Os proprietários dos centros comerciais obviamente que querem ter lojistas que possam pagar renda, não querem ter os centros vazios.
Diria que a perda andará entre os 15 e os 20 milhões de euros, já somando com o primeiro trimestre de 2021. Tínhamos fechado 2019 com uma rentabilidade de 5,5% e 2020 com uma rentabilidade de 3,6%. Portanto, na prática foi 1,9% a menos.
Quanto é que a Square já perdeu com a pandemia?
Diria que a perda andará entre os 15 e os 20 milhões de euros, já somando com o primeiro trimestre de 2021. Neste primeiro trimestre a lei mudou — quase para vir dar razão ao que tínhamos feito no ano passado — e os lojistas neste momento têm de pagar 50% da renda fixa. E nós sabemos que, se calhar, a alguns deles vamos ter de dar apoios adicionais. Agora, diria que é uma conta que ainda não está fechada. Vamos ver agora com esta reabertura. É um balanço quase que intercalar que estamos a fazer agora. Esperamos que com a vacinação não tenhamos de fechar outra vez. Mas, mesmo voltando a uma normalidade, vai haver algumas feridas por sarar e alguma ressaca que, mesmo que não haja mais nada, se calhar só no final deste ano é que conseguiremos fazer esse balanço.
E é claro que o setor sofreu muito. Grande parte da perda de rentabilidade que o CA Património Crescente teve em 2020 deveu-se aos centros comerciais. Isto é, tínhamos fechado 2019 com uma rentabilidade de 5,5% e 2020 com uma rentabilidade de 3,6%. Portanto, na prática foi 1,9 pontos percentuais a menos. E se considerarmos que o fundo tem um volume de cerca de 800 milhões de euros, na prática representa menos 16 milhões de euros de receita, sendo que cerca de 80 a 90% é só e unicamente devido aos centros comerciais.
Mas a questão no fundo é outra. Esquece-se que, na maioria das vezes, os grandes fundos não são mais do que uma junção de muitas milhares de pequenas poupanças. Por isso, fazer uma lei que, na prática, beneficia indiscriminadamente os grandes lojistas, portanto, não faz uma diferenciação positiva entre os grandes e pequenos, e em contrapartida prejudica muito as pequenas poupanças, é uma coisa assim um bocadinho estranha. Muitas vezes, até pelo que vemos nestes debates parlamentares, resulta de alguma iliteracia financeira dos nossos deputados, que não pensam nesses termos. Portanto, muitas vezes, esta intromissão faz com que depois haja consequências em ricochete.
Os centros comerciais estiveram encerrados durante vários meses, mas afirmaram sempre que cumpriam todas as condições de segurança. Considera que encerrar os centros foi uma decisão errada?
Todos vivemos uma situação nova, o Governo também foi gerindo e tomando decisões em função dos números e das notícias. Isto não foi fácil, foi uma situação única (esperamos nós). Sabemos também que cada país tomou medidas diferentes e que a situação não é igual em todo o lado. E há que ter alguma tolerância para posições demasiado extremadas e com pouco bom senso.
O que achamos é que os centros comerciais ainda são das zonas mais controladas, porque têm regras próprias, há uma gestão da segurança dentro do imóvel e, portanto, consegue-se ter uma organização maior. O que quero dizer é que nos centros comerciais, para além do comportamento de cada um, que obviamente é sempre importante, mesmo assim há uma zona controlada. Poderia ter havido outras soluções, mas há que ter alguma tolerância porque, no fundo, ainda hoje, há medidas que não agradam a todos.
Fala-se muito no impacto que a pandemia teve nos lojistas. E qual foi o impacto para os proprietários?
A maneira mais simples é explicando que o fundo CA Património Crescente tem cerca de 28% da carteira em galerias comerciais e retail parks. Nós temos, de alguma maneira, a felicidade de não termos dívida. É um fundo muito conservador, portanto, considerando que as taxas de juro estão a zero, olhando para os 3,6%, não foi uma rentabilidade assim tão má. Felizmente nos outros setores não tivemos tantos problemas. Mas entidades que estão só concentradas nos centros comerciais, ou que fizeram investimentos em centros comerciais, obviamente que tem um sério problema, obviamente quando adicionalmente têm dívida.
Há muita tendência portuguesa de, no fundo, as pessoas em vez de fazerem as coisas por si atirar-se logo para o Estado. Não pode estar toda a gente de mão estendida a achar que é o Estado que tem de nos ajudar.
Recorreram aos apoios do Estado? Faltaram apoios?
Há muita tendência portuguesa de, no fundo, as pessoas em vez de fazerem as coisas por si atirar-se logo para o Estado. E, infelizmente, uma coisa são as atitudes meigas e depois há o excesso de várias entidades, que com ou sem razão — porque há uns com mais razão do que outros –, acham que o Estado tem de acudir a todos. Andamos massacrados nos últimos 15 anos de ouvir dizer que o défice é um problema, porque tínhamos de pagar o serviço da dívida, que a dívida aumenta… e depois achamos que o Estado é o que nos ajuda a todos porque, no fundo, nós todos contribuímos para o Estado. Portanto, o dinheiro não cai do céu e quando se pede mais ajuda ao Estado, mais impostos virão e todos iremos contribuir para isso.
Defendo que o Estado tem uma função social muito importante para ajudar as pessoas mais necessitadas e, portanto, a história de haver um sistema um pouco distributivo e de retribuição para os mais necessitados é fundamental. Agora, não pode estar toda a gente de mão estendida a achar que é o Estado que tem de nos ajudar. E esquecemo-nos muitas vezes que, como se costuma dizer, em tempo de vacas gordas, muitas pessoas não amealham exatamente para prevenir estas situações.
Neste último ano despediram trabalhadores?
Não. Temos cerca de 60 pessoas a trabalhar diretamente na Square, mas no fundo nós subcontratamos e pagamos um serviço de property manager. E, portanto, uma pior rentabilidade do fundo faz com que tenhamos menos receitas, como é normal.
Os proprietários precisaram de ser ajudados?
Não, creio que não. O problema da pandemia foi demasiado grave, afetou demasiadas pessoas e ainda vai afetar, porque as contas não estão concluídas. Nós temos também muita tendência de repisar no passado e não olhar para a frente. Foram cometidos erros. Apesar de não fazermos parte da APCC [Associação Portuguesa de Centros Comerciais] somos totalmente contra a lei que o Estado fez, ao intrometer-se nas relações entre privados, e isso é um bom ensinamento para que noutras situações análogas isso não volte a acontecer. Mas, neste caso, feliz ou infelizmente, comparando com os proprietários dos centros comerciais, há muitas outras pessoas em situações piores e outros setores que precisam muito mais de ajuda.
Reabriram agora. Quantas lojas encerraram nos vossos centros comerciais?
Ainda não temos esse número, porque isto é um processo dinâmico com os property managers, que nos vão comunicando se alguma loja não quer continuar — e há muitas razões para isso — ou se estão a ser feitas tentativas de acordos para, sendo bons lojistas, continuarem. E nós estamos cá para lhes dar esse apoio. O que é importante é termos folga para podermos dar apoio aos pequenos lojistas que merecem estar nos centros comerciais e são importantes para a vida dos centros comerciais.
Os visitantes estão todos de volta? Há uma quebra face ao pré-pandemia ou superaram-se os números nestes primeiros dias?
Ainda não está ao ritmo normal porque o horário não é completo e há algumas restrições. Por um lado, na restauração, mantendo a lógica do teletrabalho obrigatório, há centros comerciais mais perto de escritórios que ainda não têm o movimento habitual. Mas diria que é uma retoma gradual e normal. Nós sabemos que num ano normal também há alguma sazonalidade.
A faturação das lojas está em que níveis?
Ainda não temos dados desta reabertura. Mas, relativamente a 2020, a indicação que nós tínhamos era que, no fundo, os centros comerciais que estavam a sofrer mais eram os maiores, porque as pessoas tinham mais receio de irem a um centro comercial muito grande e colidir com outras pessoas.
A crise anterior foi muito recente (…) e muitas pessoas que ainda têm essa memória relativamente fresca. Por isso a poupança que fizeram mantêm-na ou fazem apenas algum consumo.
Com tanta poupança acumulada por parte dos portugueses, prevê uma rápida recuperação das vendas nas lojas?
O desemprego está a aumentar, embora não esteja a aumentar tanto como as pessoas esperavam. Mas vai haver mais desemprego, nomeadamente nos setores mais fustigados, sobretudo ligados ao turismo. É preciso também pensar em algumas das novas realidades, como conversas por zoom e menos deslocações. O setor do turismo vai recuperar mais rapidamente do que o turismo de negócio. Até porque a crise anterior foi muito recente e tivemos muitos casos de pessoas a rescindir o contrato com cartas de pessoas que diziam estar desempregadas. Há muitas pessoas que ainda têm essa memória relativamente fresca e a poupança que fizeram mantêm-na, ou fazem apenas algum consumo.
No meio de toda esta crise ainda há planos para continuar a adquirir centros comerciais?
Todos estes nove centros comerciais e dois retail parks foram adquiridos entre 2016 e 2020. E isso tem a ver também com a dimensão do fundo. Na prática, esta soma de centros comerciais representa cerca de 28% do total do ativo e consideramos que estes 28% são um número já bastante significativo, que não queremos aumentar mais. Mas, como felizmente, o fundo continua a aumentar, há de haver uma altura em que se quisermos manter os 28% vamos ter de comprar mais. Sem comprar mais nada, todos os dias este número vai diminuindo porque felizmente o fundo vai aumentando. Mas temos de estar também atentos às oportunidades.
Sabemos que o setor dos centros comerciais foi um setor em que alguns investidores quiseram vender e estavam mais desmotivados e disponíveis para isso, obviamente para o comprador é sempre mais agradável porque consegue comprar em melhores condições. Podemos pensar que os nossos participantes não são muito exigentes por não estarem sempre em cima da nossa gestão, mas são tão exigentes que a única coisa que querem é ter retorno. E nós temos uma exigência constante e e permanente de todos dias dar retorno aos participantes para que essa constante de ter mais subscrições do que resgate se mantenha.
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“Mais grave” do que o Estado se “intrometer” na gestão dos centros comerciais foi ter criado uma “legislação cega”
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