• Entrevista por:
  • Helena Garrido e Paula Nunes

Pedro Nuno Santos: “Eleições antecipadas para quê? Para quem? Em nome de quê? Em nome de quem?”

A ideia de que os acordos com a esquerda se esgotaram é perigosa e não corresponde à verdade, defende o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Pedro Nuno Santos rejeita a ideia de que os acordos com a esquerda estão esgotados, desmente a existência de um bloqueio na governação e coloca de parte a possibilidade de eleições antecipadas. A que título, questiona, é que se iam antecipar eleições quando o Governo e os seus parceiros têm resultados para apresentar.

Esta é a última parte da entrevista ao ECO em que se fala da falta de acordo com os parceiros que apoiam o Governo no caso da TSU, da estabilidade da atual solução governativa e dos entendimentos e desentendimentos com o PSD.

Depois de já termos falado do caso CGD/Domingues/Centeno, do setor financeiro, das contas públicas e das reformas estruturais, chegou a vez da política. É aqui que Pedro Nuno Santos mais se entusiasma com a solução governativa que temos e da qual foi sempre um defensor. Na sua perspetiva, os analistas estão mais uma vez enganados: não há bloqueios nem acordos esgotados, e muito menos faz sentido falar em antecipar eleições.

A conversa, que ao todo durou quase hora e meia, decorreu numa das muitas salas da Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, na Assembleia da República. Com um enquadramento escolhido: atrás do entrevistado estava a bandeira portuguesa, atrás da entrevistadora duas fotografias, cada uma delas a retratar a aprovação dos dois orçamentos do Estado deste Governo com a esquerda visivelmente de pé a votar a favor.

Que lição é que tirou da falta de apoio dos partidos da esquerda do PS à descida da TSU?

Quando partimos para essa negociação, já conhecíamos as posições do PCP e do BE. Não foi nenhuma surpresa. Já tínhamos conversado com eles. Tinham sido contra em 2016 e voltaram a ser em 2017. No entanto, o Governo do PS achou que era importante ter uma medida que ajudasse as nossas empresas a internalizar este aumento do salário mínimo. E como já tinha sido implementada no passado, era uma boa medida, aliás aceite pelas empresas e pela UGT. Fizemos um processo negocial, ao contrário do que alguns tentam fazer ver, de forma séria, com um conjunto de dados em cima da mesa. Os dados que estavam em cima da mesa eram: a discordância do PCP e do BE e a concordância do PSD. Um mês antes da assinatura do acordo, o Vice-Presidente do PSD, Marco António Costa, que tinha sido Secretário de Estado da Segurança Social, veio-me exigir que aquela medida fosse alargada às IPSS. Não que fosse abandonada. Coisa que viemos aliás a fazer.

O PSD concordou ou concluiu que o PSD concordou através de declarações do seu vice-Presidente?

A posição do PSD era conhecida. Portanto foi também com base nas posições de cada um, que fizemos uma negociação. Que só não passou na Assembleia da República porque o PSD alterou aquela que era a sua posição, manifestada pelo Sr. Deputado Marco António Costa.

Isso significa que o Governo pretende adotar medidas, umas que merecem a aprovação da esquerda, outras que merecem a aprovação da direita? É assim que pretende governar?

Não. Este é um Governo que só existe porque o Partido Socialista, Bloco de Esquerda, Partido Comunista Português e Partido Ecologista os Verdes quiseram. E são estes quatro partidos que trabalham todos os dias…

Mas reparou no que é que me acabou de dizer: no caso da TSU sabia que os partidos que apoiam o Governo eram contra, mas contava com o apoio do PSD e por isso é que avançaram. Isso significa que estão a adotar medidas que, se não contam com a esquerda, se calhar vão contar com a direita.

A maioria tem conseguido, durante estes 14 meses, governar, ter dois orçamentos aprovados e fazer muitas coisas para lá das posições conjuntas. E esse trabalho continuará. Faz parte desta solução governativa continuarem a existir divergências, cada partido a manter a sua autonomia. Mas obviamente é com os parceiros que o Governo do Partido Socialista trabalha todos os dias, com o PCP, com o Bloco e com o PEV. Isso não quer dizer que o PSD e o CDS não possam participar em muitas das coisas que vamos fazendo. A descentralização é uma delas. Numa entrevista recente que dei precipitaram-se a não ler a entrevista, só leram o título. Sendo bom para o PS ter ganho autonomia face à direita, em matéria de formação de governo, nós não excluímos, e nessa mesma entrevista não excluo, que em muitas matérias se possa procurar entendimentos com os partidos à direita.

O PS ganhou autonomia [com esta solução governativa]. Deixou de estar refém do PSD e do CDS para governar (…) Nem está refém do PCP e do BE.

Pedro Nuno Santos

Está a referir-se à sua famosa frase “Nunca mais vamos precisar da Direita para governar”?

Estava a referir-me a essa frase e à entrevista [concedida ao Jornal Económico], onde eu tenho a oportunidade de dizer que não excluímos que, em várias matérias, possamos chegar a acordo com os partidos à direita. Naquele dia, em particular, tinha até havido uma reunião na secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares com o PSD sobre um tema.

Não repete essa frase, é isso?

Fico sempre surpreendido por ver que há quem não fique contente pelo facto de o Partido Socialista ter ganho autonomia e não ficar nunca mais refém da direita para governar. Isso é um ganho para o Partido Socialista, não é mau para o PS.

Mas o PS prefere ficar refém da esquerda?

Não. O PS não está refém de ninguém. O Partido Socialista não está dependente da direita para governar como aconteceu em muitos anos.

Nem da esquerda?

Não, claro que não. O PS, nesta solução de governo, concebeu uma configuração parlamentar nova, que vem enriquecer, que vem valorizar o nosso sistema democrático. Percebo que o PSD e alguns comentadores mais próximos do PSD fiquem tristes por o PS poder não precisar do PSD para governar. Já tenho mais dificuldade em entender que alguns, na nossa área politica, não fiquem contentes pelo facto do PS, finalmente, ter ganho a autonomia e a possibilidade de não depender do PSD e do CDS para poder formar governo.

Mas a quem é que se está a referir?

A ninguém em particular. Portanto, é bom para o PS e é bom para a democracia, era o ponto que eu queria acrescentar.

Está sempre só a referir-se ao PSD, mas eu preciso de esclarecer isso para não fazer aquele papel de usar a pergunta para fazer o título. O PS não está refém do PSD e do CDS…

…Nem está refém do PCP e do BE. O Partido Socialista ganhou uma nova autonomia. E isso é bom, não é mau. E esta conjuntura parlamentar, para terminar e não falar só do PSD, é boa também para a valorização do nosso sistema democrático. Hoje temos mais portugueses representados, não apenas na esfera parlamentar, mas também na governativa. Temos uma democracia mais plural. Nós não fechamos, nem eu fecho, o entendimento com o PSD em muitas matérias.

(…) Isso não significa que o PS esteja, neste momento, a governar ora às vezes com o PCP e Bloco, ora às vezes com o PSD e CDS. Há uma maioria que suporta este Governo composta pelo PS, PCP, Bloco e PEV.

Pedro Nuno Santos

Ou seja, na prática, o PS deu o grito do Ipiranga…

Mas atenção, só para sermos mesmo claros: isso não significa que o PS esteja, neste momento, a governar ora às vezes com o PCP e Bloco, ora às vezes com o PSD e CDS. Há uma maioria que suporta este Governo composta pelo PS, PCP, Bloco e PEV. Quer isso dizer que fechamos a porta a acordos com o PSD e CDS? Não. A descentralização é o exemplo de uma reforma estrutural, importante, para a qual nós estamos à procura também da participação do PSD.

Mas serão pontuais esses acordos com o PSD e CDS?

Este Governo só existe porque o PS, PCP, Bloco e PEV querem. Não porque o PSD e CDS tenham querido.

Acabou de dizer que a sua frase foi mal interpretada e isso significa que o PS também pode formar governo com o PSD?

Não me faça dar um título em sinal contrário. A única coisa que é relevante reforçar é que o PS ganhou autonomia, não depende da direita para governar como aconteceu no passado, e isso é bom para o PS e para a democracia.

Acabou por não me dizer a lição que tirou do caso TSU. Foi uma lição basicamente crítica em relação ao PSD ou tirou também uma lição no sentido de que esta maioria pode estar a esgotar-se?

Não, e isso é outro bom tópico. Não quero ser injusto com o PSD, mas parece que a decisão do PSD foi meramente tática. E isso não é bom. Não é bom para a democracia portuguesa, não é bom para o PSD, que deve ser o partido charneira entre o PS, o PCP e o Bloco.

A ideia instalada de que os acordos se esgotaram é uma ideia perigosa, que não corresponde à verdade.

Pedro Nuno Santos

Como já falámos muito do PSD, gostava de perceber se este caso da TSU acendeu alguma luz amarela, digamos assim, e pode indicar algum problema com os partidos à esquerda como identificaram, alias, alguns analistas políticos.

Os analistas políticos, no último ano, têm-se enganado muitas vezes.

Todos os analistas, os económicos também.

A ideia instalada de que os acordos se esgotaram é uma ideia perigosa, que não corresponde à verdade. Porque isso dá uma ideia de um governo de transição que não corresponde aquilo que este governo é.

Os acordos não se esgotaram, é isso?

E queria explicar porque é que não se esgotaram. Primeiro, porque os acordos têm um conjunto muito amplo de medidas concretas que nem estão estão esgotadas ou ou não estão sequer concretizadas na sua globalidade. Dou-lhe já dois exemplos de medidas concretas. O aumento da progressividade do IRS, da atualização do número de escalões, consta dos nossos compromissos e não está ainda concretizado. E é uma reforma muito relevante. A diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consta das posições conjuntas e ainda não se anunciou a sua concretização.

No entanto, as posições conjuntas não são apenas medidas concretas. Têm um conjunto de objetivos estratégicos que se prendem com um modelo de desenvolvimento económico, com o aumento do investimento público e do investimento privado, de defesa do estado social, dos serviços públicos… Há um enunciado de objetivos estratégicos que enquanto não forem concretizados, e não são concretizados enquanto nós tivermos pobreza em Portugal, desigualdade, atraso em matéria de qualificações…

Desse ponto de vista os acordos nunca estarão esgotados, para combater a desigualdade, a pobreza…

É verdade, não estão esgotados na perspetiva de uma legislatura, que é o que consta nos acordos. É um acordo para uma legislatura que tem aqueles objectivos. E durante esta legislatura eles não estarão esgotados na medida em que estes problemas, provavelmente, não vão estar resolvidos até ao final destes quatro anos.

Considera então, como disse Porfírio Silva [em entrevista ao Diário de Notícias], que se deve fazer uma agenda para a década com os partidos à esquerda?

Nós temos essa agenda para a década, que se chama Programa Nacional de Reformas.

Mas não é com os partidos à esquerda.

Muitas matérias são partilhadas com os nossos parceiros.

Já demos mais do que mostras de que somos capazes de grande estabilidade. Não estávamos era habituados a ter um parlamento que não é uma mera extensão de governo.(…) Quem acompanhou a série de televisão Borgen sabe bem que havia um trabalho que estava centrado no parlamento dinamarquês e que era feito com regularidade. Que é feito hoje aqui.

Pedro Nuno Santos

Não é então necessário fazer uma agenda para a década com os partidos à esquerda?

Julgo que ganhamos sempre com um trabalho de perspetivo. Temos feito isso e continuaremos a fazer com os nossos parceiros. O próprio Programa Nacional de Reformas será, pela sua própria natureza, sempre atualizado todos os anos. É onde está espelhada a estratégia do Governo que é, em muitas matérias, partilhada com os nossos parceiros.

Quanto à estabilidade, se nós lermos o artigo que a Catarina Martins escreveu para o Expresso este fim-de-semana, se ouvirmos as declarações de Jerónimo de Sousa, que falava de um mar de convergências ainda para trabalhar, se ouvirmos as declarações do primeiro-ministro, no debate quinzenal, sobre os acordos não estarem esgotados, percebe-se bem que estes partidos estão mesmo focados em, não só garantir que a legislatura vá ate ao fim, mas que ela produza resultados.

Continuaremos a ter os analistas a duvidarem da nossa estabilidade. Já integramos isso no dia-a-dia da normalidade desta solução governativa. Já demos mais do que mostras de que somos capazes de grande estabilidade. Não estávamos era habituados a ter um parlamento que não é uma mera extensão de governo. Isso é também um dado novo na nossa democracia. Olhamos para as democracias mais avançadas do norte da Europa e muito do que o governo faz, mesmo com coligações, não é um dado garantido antes de passar no parlamento. Quem acompanhou a série de televisão Borgen sabe bem que havia um trabalho que estava centrado no parlamento dinamarquês e que era feito com regularidade. Que é feito hoje aqui. E isso é bom, temos uma democracia mais centrada no Parlamento.

O Governo neste momento começa a enfrentar, em alguns momentos, problemas de bloqueio por parte dos partidos à esquerda? Dou-lhe um exemplo: a alteração na legislação laboral, que é uma iniciativa que o PCP tem defendido. O PS concorda com a alteração na legislação laboral?

Há matérias com as quais concordamos, outras não. O primeiro-ministro, ainda era candidato a secretário-geral do PS nas primárias, e já defendia o reforço da contratação coletiva. O PCP tem uma visão sobre a contratação coletiva que é, em alguns pontos, distante da nossa, mas noutras há pontos de contacto.

Há uma preocupação que é partilhada com o PCP e o BE relativamente aos elevados níveis de precariedade que nós atingimos no nosso país e que, no nosso entender, prejudicam também a própria saúde das empresas.

Isso está claro desde o início e é um dos segredos do sucesso desta solução: é nós sabermos, de forma antecipada, os pontos onde nos entendemos e que servem, aliás, para continuar a permitir que cada partido se distinga e que que continue a existir. .

Era só o que faltava acharem que o Partido Socialista está a olhar para as sondagens, à espera do melhor dia para se libertar dos seus parceiros. Nós somos um partido sério, de gente séria e que não vai trair uma solução, que tem funcionado bem e que será boa para todos se correr bem, e que será má para todos se correr mal.

Pedro Nuno Santos

Já percebi que considera que o Governo não está bloqueado.

Não, não está.

Então, tendo isso em consideração, pensa que não são necessárias eleições legislativas antecipadas nem será necessário, por exemplo, o PS pedir uma clarificação do eleitorado?

Para quê? Já viu que ao fim de um ano a devolver salários, a devolver rendimentos, a recuperar direitos, ainda assim cumprimos a meta orçamental, temos a economia no final do ano de 2016 a acelerar, as exportações a subirem e a criação de emprego líquido. Vamos pedir eleições para quê? Para deitar a perder não só o trabalho que estamos a fazer como criar instabilidade? A estabilidade é um valor partilhado por nós, pelo Sr. Presidente da República, que nos distingue de muitos outros países. Eu, sinceramente, não consigo entender nem um bocadinho a racionalidade de uma proposta desse género, quando nós estamos a produzir resultados. Temos um Programa Nacional de Reformas que é um documento estratégico que está a ser implementado e que não está a ser travado pelos nossos parceiros, temos resultados para apresentar e íamos ter eleições antecipadas para quê? Para quem? Em nome de quê? Em nome de quem?

O PS pode libertar-se ainda mais…

O PS é um partido de gente séria. Constituímos um governo com o apoio do PCP, do BE e do PEV. Era só o que faltava acharem que o Partido Socialista está a olhar para as sondagens, à espera do melhor dia para se libertar dos seus parceiros. Nós somos um partido sério, de gente séria e que, portanto, não vai trair uma solução que tem funcionado bem e que será boa para todos se correr bem e que será má para todos se correr mal.

As eleições autárquicas também não vão ameaçar esta estabilidade?

Não vejo como. São eleições autárquicas onde se vão escolher os presidentes de Câmara, embora o PS tenha a convicção de que as vai ganhar.

É elo de ligação entre o Governo e o Parlamento, e é quem tem conseguido muitos destes acordos. O que lhe pergunto é, qual é que é a sua ambição? Ficar por aqui? Gostava de ser Ministro das Finanças?

Das Finanças? Nunca.

Vai dizer: “Nunca serei Ministro das Finanças”?

Não, não é isso. Não tenho nenhum interesse na área das Finanças, não tenho essa ambição, nunca tive, não tenho esse desejo, não quero. Tenho muito respeito pelo trabalho que os meus colegas fazem nas Finanças, mas não o desejo a ninguém.

  • Helena Garrido
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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