Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, deixa críticas ao regulador, acusando a ERSE de errar nas contas ao concluir que "o sobrecusto das renováveis aumentou, quando na verdade diminuiu".
As energias renováveis vão estar literalmente no centro das atenções na década que agora se inicia. Portugal tem metas ambiciosas até 2030: 80% de geração de eletricidade a partir de fonte renovável, 35% de utilização da energia renovável no aquecimento e arrefecimento e 20% na mobilidade.
Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), elogia a versão final do Plano Nacional de Energia e Clima já entregue pelo Executivo de António Costa a Bruxelas, por incluir um projeto de hidrogénio em Sines, bem como as novas comunidades de energia, “bem identificadas e com um plano de ação, condições para que o autoconsumo tenha a taxa de progressão que faz sentido”. No entanto, acusa o Governo de estar a dar uma “mensagem contrária ao desígnio nacional de aumentar a incorporação de renováveis no mix energético” ao continuar a cobrar a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) aos produtores de energia renovável.
Na visão do responsável da APREN, isto indica que “não há um alinhamento entre a política energética e a política fiscal” do novo Governo do Partido Socialista. Pedro Amaral Jorge deixa ainda críticas ao regulador, acusando a Entidade Reguladora para os Serviços Energéticos (ERSE) errar nas contas ao concluir que “o sobrecusto das renováveis aumentou, quando na verdade diminuiu”.
“Isto prejudica as renováveis porque alimenta três mitos: sobrecusto, remuneração garantida e rendas”, sublinha o presidente da APREN.
Que impacto está a ter o alargamento da contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) às renováveis?
Já temos associados eletroprodutores a contestar juridicamente a medida. A CESE é uma contribuição que nunca apanhou as renováveis e agora representa uma taxa de 0,85% sobre o ativo líquido de cada um dos produtores de energia renovável. E isso é uma mensagem contrária ao desígnio nacional de aumentar a incorporação de renováveis no mix energético. Todos os novos projetos a nascer em Portugal são renováveis e têm o seu ativo quase todo líquido. O Governo está a penalizar isso e a dar isenções no Impostos sobre Produtos Petrolíferos (ISP) à geração de eletricidade a partir de combustíveis fósseis. Não há um alinhamento entre a política energética e a política fiscal.
No cálculo das tarifas de eletricidade para 2020, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) somou 270 milhões ao sobrecusto pago pelos consumidores na fatura por causa das renováveis. Vão contestar?
O peso das renováveis na fatura tem a ver com o facto de existirem várias fontes diferentes e de estarmos num caminho para a descarbonização, pelo que estamos a usar ainda centrais renováveis com tecnologias antigas, mais ineficientes e cujos custos de produção são mais altos. Quando eu tenho um preço médio dos leilões de solar a 22 euros e um mercado grossista ibérico que fecha a 50 euros, vemos que o preço da renovável é menos de metade. Está mais de 50% abaixo da média de mercado. Não faz sentido dizer que há um sobrecusto quando se trata de um compromisso assumido há 10 ou 15 anos, quando as tecnologias mais antigas foram montadas e que agora se vão dissipando no tempo.
Vão contestar as contas do regulador?
A ERSE considerou que o sobrecusto das renováveis aumentou, quando na verdade diminuiu. As duas parcelas do lado do sobrecusto somam os 140 milhões de euros que dizem que os eletroprodutores tiveram de subsidiação nas eólicas. O que não faz sentido porque juridicamente já ficou definido que esta parcela não entra para as contas. E também a contribuição de mais 135 milhões para o fundo de sustentabilidade, o que perfaz os 270 milhões que estão a somar ao sobrecusto das renováveis. Ou seja, não aumentou porque as rubricas que estão a ser contabilizadas não deveriam lá estar. Isto prejudica as renováveis porque alimenta três mitos: sobrecusto, remuneração garantida e rendas. Vamos agendar uma reunião em breve para conversar com a ERSE.
E em relação à isenção de pagamento do mecanismo clawback atribuída às novas centrais solares que estão a nascer em Portugal?
As centrais solares não ficaram isentas de clawback. As que estão em mercado mas contrataram um acordo de compra e venda de energia a longo prazo (PPA) com comercializadores de eletricidade é que estão isentas, porque os benefícios recaem sobre o comercializador e não sobre o produtor. O clawback foi criado para existir equilíbrio entre produtores portugueses e espanhóis, mas nós cá pagamos a CESE e a tarifa social, eles não. O valor do clawback publicado em agosto de 2019, de 4,18 euros por MWh, não teve em conta a CESE nem tarifa social. Agora o governo propõe que estas duas parcelas voltem a ser incluídas nas contas para 2020 e se faça a correção. Assim, fica mais perto da forma como o mercado realmente funciona, mas mesmo depois das contas feitas temos e ver se os valores fazem sentido.
O que espera dos novos leilões do solar já anunciados pelo Governo para este ano?
A curto prazo, está assegurado que vamos ter mais 2GW de capacidade na rede elétrica nacional para energia fotovoltaica. Os planos da tutela revelam que os novos leilões vão incluir também novos sistemas de armazenamento de energia, muito relacionados com a geração de hidrogénio verde a partir da água. Em termos europeus, temos o Green Deal, que faz a meta de redução de emissões face a 1990 avançar para os 55% até 2030, e o impacto que isso vai ter na negociação da Comissão Europeia com os Estados membros em termos de metas dos planos de energia e clima de cada país. Estamos a antecipar com curiosidade para onde estas metas de instalação de potência renovável nos vão levar.
Esta adição de sistemas de armazenamento aos projetos solares é positiva?
Relativamente aos leilões em 2020, o que está no Orçamento do Estado é a previsão de atribuição de 2GW de solar neste ano. Temos anunciado um leilão de 800 MW pelo ministro do Ambiente e Ação Climática já para março. Quanto ao armazenamento e despachabilidade, não há ainda informação disponível, nem no OE nem em nenhum documento da DGEG, por isso temos de ver como vamos combinar as reduções dos custos de produção de eletricidade de fonte solar obtidos com a estratégia de armazenamento. Se houver excesso de produção renovável em momentos em que não haja consumo, é sempre melhor armazenar, para depois despachar a energia quando houver consumo. Estamos 100% de acordo que os sistemas de armazenamento sejam integrados numa componente renovável.
A aposta do governo no hidrogénio em Sines vem dar um novo fôlego ao setor das renováveis?
Acho que a ideia faz todo o sentido mas temos de ver como será a passagem à prática. Em teoria é uma boa ideia porque vou estar a armazenar energia renovável num sistema renovável, para depois voltar a produzi-la. Há um número público que diz que a primeira fase pode custar 1600 milhões de euros para 1GW de campo solar e capacidade electrolisadora. Não há dados de mercado para que possa ser comparado. É cedo para concluir que este projeto vai custar caro e demorar muito tempo a ficar operacional. Não sabemos como vai ser curva de redução dos custos. Se olharmos para o solar há 10 anos, custava 10 vezes mais. É expectável que o desenvolvimento tecnológico avance ao mesmo ritmo, reduzindo os custos de geração, tal como no eólico e no solar.
Quando é que Portugal poderá ficar livre do carvão?
Não sei se temos condições para dizer que vamos descomissionar a central de Sines a partir de 2021, porque não há condições para ter o pólo de hidrogénio todo montado nessa altura. Terá de ser por fases. Pelo que eu percebi, o projeto do hidrogénio em Sines não incorpora a central a carvão. Incorpora sim uma central eólica de 1 GW e um eletrolisador. Uma central a carvão tem duas partes: caldeira a combustíveis fósseis e turbina de vapor, por isso, se substituir o carvão por uma fonte renovável, posso sempre produzir eletricidade a partir de vapor. A reconversão de Sines depende da viabilidade económica pedida. Neste momento faz mais sentido converter Sines em solar e eólico e adaptar os trabalhadores à nova realidade.
O país consegue garantir a segurança energética sem o carvão?
Há um estudo que diz que entrando em funcionamento as centrais hídricas no Tâmega, da Iberdrola, num ano de pluviosidade média, temos segurança energética assegurada e podemos dispensar o carvão de Sines e Pego, já no final de 2021. Com 1,2 GW de potência hídrica no Tâmega, mais solar, mais eólica, mais gás natural, temos condições de prescindir do carvão. Até porque o carvão se vai esgotar por si só, porque tem de pagar licenças de emissão de CO2 e 50% do ISP na geração de eletricidade. Não tem mais viabilidade económica.
Que balanço faz dos leilões do solar realizados no ano passado?
O resultado dos leilões foi positivo. Conseguimos tarifas médias 50% inferiores ao preço de mercado em 2019. Consideramos no entanto que o procedimento concorrencial do ponto de vista administrativo tem oportunidade para ter algumas melhorias e por isso estamos a preparar um documento para debater juntamente com a secretaria de Estado da Energia. Assumir que Portugal pode ter custos de produção de eletricidade de fonte solar a 14,66 euros MWh é altamente entusiasmante porque permite que sejamos o país com maior capacidade de atração do investimento estrangeiro para mais rapidamente chegar às metas do PNEC. O custo de produção de energia tem muitas variáveis: o investimento no equipamento, a operação e manutenção e o pagamento de juros e reembolso da dívida (estrutura de financiamento). Esta última parcela impacta muito nos custos de produção. É preciso perceber como é que o mercado financeiro e os investidores estão a olhar para Portugal para perceber se índice de agressividade vai permitir as mesmas estratégias de investimento e financiamento. Como vamos apresentar superávite fiscal no final de 2020, como proposto no OE, haverá um índice de competitividade e concorrência de ligação à rede. Vai depender da experiência dos participantes nos leilões.
A falta de investimento nos leilões de energia renovável é um fantasma que está afastado?
Se olharmos para os resultados dos leilões, em que havia 10 GW de pedidos para apenas 1400 MW de potência atribuída, e tivemos excelentes resultados ao nível das tarifas, essa dificuldade de atratividade do investimento está ultrapassada. O ponto agora é outro, é perceber se no contexto macro económico em que estamos a entrar se se vai manter a mesma perceção de risco face a estes projetos de longo prazo. Não nos podemos esquecer que aquilo que estamos a chamar hoje de sobrecusto das eólicas do passado, daqui a 15 anos vamos ter estas tarifas válidas para o solar e não sabemos qual será o preço de mercado na altura. Nos leilões de julho a questão do financiamento não se colocou. O que vemos é que os promotores dos projetos estão a conseguir toda a sua estrutura de projeto para chegar a estes níveis de remuneração.
Que papel para as renováveis na implementação do PNEC 2030?
Temos metas ambiciosas para transpor em 10 anos: 80% de geração de eletricidade a partir de fonte renovável, 35% de utilização da energia renovável no aquecimento e arrefecimento e 20% na mobilidade. A versão final do PNEC português já inclui o hidrogénio em Sines e tem o autoconsumo e as comunidades de energia bem identificadas e com um plano de ação, condições para que o autoconsumo tenha a taxa de progressão que faz sentido. Mas temos ainda de simplificar uma série regras na operação das comunidades de energia. Para já é tudo muito complexo e tem de ser simplificado, porque senão a burocracia pode atrapalhar as metas. Ao nível dos prédios e condomínios ainda há obstáculos a serem ultrapassados, porque a forma como se está a criar a regulamentação não facilita a implementação.
Há apoios suficientes para quem queira investir no autoconsumo?
Quem comprar equipamentos para a produção distribuída de eletricidade ou calor a partir de fontes renováveis poderá beneficiar de um abatimento ao IRS a pagar. Hoje é fácil comprar um carro a leasing. Temos de começar a olhar para os equipamentos de produção de energia como um bem de consumo com capacidade de ser financiado. E se houver uma agregação desse financiamento para uma comunidade energética, o pagamento da mensalidade do crédito será compensado pelo não pagamento a um fornecedor de energia.
A banca está preparada para financiar o consumo energético sustentável?
Ainda não vi nenhum banco a conceder financiamento nestas áreas. É só o que falta para que as pessoas consigam trocar o pagamento de uma conta de eletricidade a uma empresa para o pagamento de uma amortização a um banco para gerar eletricidade própria. Começámos a falar nisto há três anos. Se tenho metas de chegar a 1,3 GW em 2030, vai haver um mercado secundário, com venda de produtos usados certificados. Falta a garantia do valor do bem. É só um passo para que o mercado financeiro o enquadre como crédito ao consumo.
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Renováveis avisam Governo: “Não há alinhamento entre política energética e política fiscal”
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