191 milhões de euros: é este o défice que falta cortar até ao final do ano

  • Margarida Peixoto
  • 4 Outubro 2016

UTAO revela desafio que Centeno tem pela frente para cumprir meta de 2,5% para o défice. Gastos com salários podem obrigar ministro a falhar uma das promessas que valeram o perdão das sanções.

Em quatro meses, o Governo tem de cortar 191 milhões de euros ao défice para cumprir a meta de 2,5% imposta pelos comissários europeus. O número resulta da análise da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) às contas reveladas pela Direção-geral do Orçamento na semana passada, e distribuída esta terça-feira aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças.

Até agosto, o ministro das Finanças, Mário Centeno, conseguiu cortar o défice orçamental em 539 milhões de euros nas contas nacionais, a ótica que importa a Bruxelas — revelam os peritos que dão apoio ao Parlamento em matérias de finanças públicas. O número compara com o objetivo de 730 milhões de euros fixado para o final do ano e que permite cumprir a meta de 2,5% imposta pela Comissão Europeia.

Isto quer dizer que o Governo tem ainda 191 milhões de euros de défice para cortar em quatro meses. Mesmo assim, o objetivo está significativamente suavizado: se quisesse manter-se fiel à meta inicial que tinha inscrito no Orçamento do Estado (2,2%), o desafio de Centeno subiria para quase 700 milhões de euros.

Despesa: salários furam previsão em 130 milhões

Apesar de, no seu conjunto, a execução da despesa estar a apresentar resultados positivos — é o facto de os gastos totais estarem a evoluir aquém do previsto que permite cortar o défice — a UTAO identificou fontes de pressão. Uma delas está nos salários.

Em agosto, o Governo ainda tinha disponível a totalidade da verba de 447 milhões de euros que tinha sido guardada no Ministério das Finanças para fazer face às reversões salariais. Mas os peritos do Parlamento estimam que, se o ritmo de evolução dos gastos com remunerações se mantiver como até agosto, esta dotação terá de se ser usada na sua totalidade e, mesmo assim, não chega: faltam 130 milhões de euros.

“Numa hipótese considerada conservadora, a execução ficará cerca de 130 milhões acima do objetivo para 2016, sendo necessária a utilização integral da dotação orçamental para compensação da reversão remuneratória e/ou montantes provenientes de cativos, reserva orçamental ou outras dotações”, lê-se no relatório.

Caso este cenário se concretize, Centeno falha a promessa que deixou aos comissários europeus em troca do perdão nas sanções: o ministro das Finanças comprometeu-se a não utilizar uma parte das reservas que constituiu no Orçamento do Estado de 2016, no valor de 0,2% do PIB.

Receita fiscal aquém: faltam 17,4 mil milhões

As contas da UTAO mostram também que o défice orçamental está a descer, mas menos. A melhoria de 539 milhões de euros conseguida até agosto compara com uma melhoria de 1.063 milhões que tinha sido obtida até julho. Ou seja, a dimensão do corte que já foi conseguido pelo Governo levou um forte abalo em agosto: caiu para metade. Os números são válidos, uma vez mais, considerando a ótica de contas nacionais.

A justificar a degradação dos progressos registados no mês de agosto está uma execução das receitas cada vez mais aquém do projetado: em vez de se aproximar de um crescimento em torno de 4,5%, está a cair 0,2%. Isto é o mesmo que dizer que, para atingir o objetivo anual, a receita teria de subir mais de 3,5 mil milhões de euros nos últimos quatro meses do ano, quando comparada com o mesmo período de 2015. Ou ainda, por outras palavras, quer dizer que seria preciso arrecadar 17,4 mil milhões de euros de receitas fiscais, em apenas quatro meses. “Esta evolução para a receita de impostos no último quadrimestre não se afigura verosímil“, avaliam os peritos.

Os principais contributos para este mau desempenho vêm da rubrica de ‘outras receitas correntes’ e das receitas obtidas através de impostos diretos. Por outras palavras: são um reflexo da baixa execução dos fundos comunitários e da queda acentuada (de 6,9%) da receita de IRC e IRS.

Também os impostos indiretos estão a dar um mau contributo. A receita de IVA, por exemplo, cresceu apenas 0,4%, quando era suposto atingir um aumento de 3,2% no conjunto do ano. O desempenho foi particularmente mau se tivermos em conta que agosto foi mês de recebimento dos pagamentos trimestrais do IVA das empresas que estão neste regime.

Aliás, os peritos revelam que são os impostos sobre os combustíveis que estão a segurar a coleta fiscal: a receita de imposto sobre produtos petrolíferos “representa o maior contributo para o crescimento dos impostos indiretos, com um aumento de 9,1% ao nível da administração central”, lê-se no relatório.

 

 

 

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