Como George Michael libertou a música das editoras
A carreira do cantor foi marcada por sucessos, mas também por batalhas judiciais com as editoras. Uma guerra seguida por outros artistas que mudou a indústria. Até em Portugal.
George Michael morreu no dia 25 de dezembro. Mas o cantor britânico que dá voz a um dos temas mais tocados na época natalícia, Last Christmas, dos Wham!, não teve só sucessos. A vida de Michael foi marcada por escândalos, drogas e batalhas nos tribunais. Nos EUA, a sua carreira foi conturbada, principalmente depois de ter processado a sua produtora para cancelar o contrato. Foi um dos primeiros, contribuindo para libertar outros artistas das grandes editoras.
No total foram dez singles no top 100 da Billboard, incluindo temas como Faith, One More Try ou Wake Me Up Before You Go-Go, que resultaram em mais de 100 milhões de álbuns vendidos. Mas foi o primeiro álbum a solo de George Michael, Faith (1987), que o catapultou para o estrelato nos EUA. O seu primeiro single, I Want Your Sex, foi banido de algumas estações de rádio, o que aumentou o interesse dos americanos. A controvérsia resultou bem para Michael: Faith esteve 51 semanas (não consecutivas) no top 10 da Billboard, vendeu mais de 10 milhões de cópias e venceu o Grammy de Melhor Álbum do Ano, em 1989.
Mas o sucesso do britânico nos EUA não durou muito tempo. O cantor considerou que o álbum que se seguiu a Faith, Listen Without Prejudice, não foi suficientemente promovido pela sua editora – Sony. Como justificação, a Sony afirmou que a ausência do cantor no vídeo da música Freedom 90, onde apareciam as supermodelos Naomi Campbell e Christy Turlington, fez com que o álbum não se popularizasse tanto como o seu antecessor.
A justificação não convenceu Michael que, em 1992, avançou para tribunal para tentar anular o contrato de gravação que tinha com a Sony. O cantor perdeu o caso e foi impedido de lançar novos trabalhos nos dois anos seguintes e obrigado a pagar entre 30 a 40 mil dólares à produtora, de acordo com o The Guardian.
Depois disto, e apesar de ter conseguido novos contratos com a Virgin (no Reino Unido) e com a DreamWorks (nos EUA), o britânico teve dificuldades em criar novo material. A sua detenção em 1998 também não ajudou: Michael foi detido por praticar atos obscenos numa casa de banho pública em Beverly Hills, altura em que se tornou pública a homossexualidade do cantor. De volta ao Reino Unido, George Michael foi detido mais vezes mas por crimes relacionados com droga.
Artistas vs. Produtoras
George Michael não foi o único a ter problemas com produtoras de música. Praticamente na mesma altura, em 1994, Prince também travava uma batalha contra a Warner Bros, que acusava de limitação da sua liberdade artística e de não ter promovido da melhor forma o álbum Love Symbol.
Mais recentemente, em 2008, os norte-americanos 30 Seconds to Mars foram processados pela Virgin Records, que acusava a banda de não cumprir o contrato assinado quase uma década antes. O caso ficou resolvido em 2009, depois de o tribunal concluir que, a partir do sétimo ano, os contratos não são válidos. A banda de Jared Leto assinou então com a EMI, do grupo Virgin, e nesse ano lançou o seu terceiro álbum de estúdio, This Is War. O documentário Artifact, produzido pelo vocalista e vencedor de um prémio para Melhor Documentário de 2012, fala sobre a indústria musical nos EUA e conta com os testemunhos de outros artistas que também tiveram problemas com as suas editoras.
E em Portugal? É diferente
No nosso país, não existe memória de casos tão mediáticos como os de George Michael ou Prince. Ainda assim, no modelo tradicional das grandes produtoras, por vezes “quando se assina um artista, o artista assina para vários trabalhos e aí pode haver alguma limitação nos trabalhos seguintes”, admite Ana Figueiredo, coordenadora executiva da Associação de Músicos, Artistas e Editoras Independentes (AMAEI) ao ECO.
“Houve alguns casos em que os artistas já nem se sentiam bem ou bandas que já não funcionavam como grupo mas que havia a obrigação de lançar discos. Mas acho que esse é um modelo cada vez mais raro hoje em dia“, acrescenta a coordenadora.
Da mesma opinião é Alexandre Cruz, mais conhecido como DJ Cruzfader, que criou em 2001, em conjunto com outros artistas de música urbana, a Encruzilhada Records, e afirma que desde aí que o “mercado mudou muito”. Nos últimos anos tem-se assistido a um crescimento das editoras independentes que têm uma forma de trabalhar bastante diferente das grandes produtoras.
“No setor independente, tipicamente a relação é muito mais próxima e não há uma interferência a nível criativo tão grande como acontecia muito no passado nas grandes editoras”, afirma Ana Figueiredo, acrescentando que “a liberdade criativa do artista é total”. “É claro que os artistas que estão associados a produtoras independentes têm mais liberdade, foi por isso que foram criadas”, afirma ao ECO Cruzfader.
A coordenadora do AMAEI considera ainda que “as editoras [independentes] são vistas mais como parceiras e não são assinados contratos de longa duração”. Mas a independência musical também tem desafios: “gravar um disco em casa com qualidade é relativamente fácil, o difícil é promovê-lo”, diz o DJ Cruzfader.
Mais independentes…
O peso que as editoras independentes têm na indústria musical, de acordo com um estudo publicado este ano pela World Independent Network, é de 37% a nível internacional. E têm um peso ainda maior no que diz respeito a novos lançamentos: 90%, “o que significa que as grandes editoras cada vez apostam menos em talento desconhecido e cada vez mais vão buscar o artista que já tem um disco ou um EP”, diz Ana Figueiredo.
Em Portugal, ainda não existem “dados estatísticos concretos” mas “acreditamos que deverá rondar os 25%. Mas isto é apenas uma estimativa de quem trabalha na área”, refere a coordenadora da AMAEI. Números concretos só no próximo ano, quando for publicado o primeiro estudo nacional sobre o setor.
…numa indústria (mais) digital
As vendas de músicas em formato físico afundaram a nível mundial. O digital está a tomar conta da indústria, embora haja ainda alguma resistência em Portugal. Os discos continuam a ter alguma expressão no mercado, ainda que “cada vez seja mais interessante fazer menos quantidade, edições especiais”, de acordo com a AMAEI.
Em termos de distribuição, também há mudanças: “as vendas já não são feitas tanto nas grandes superfícies mas muito em concertos, com o contacto direto com os artistas” e deve “olhar-se para o mercado de uma maneira global. A internacionalização é um fator muito importante”, acrescenta Ana Figueiredo.
No que toca à partilha de rendimentos também há diferenças entre as editoras: na Encruzilhada, por exemplo, 50% dos ganhos com a venda dos discos é para a editora e os restantes 50% para o artista mas “depende do contrato que é feito”. “Há editoras que também ganham por concerto”. E porquê? “Querem recuperar o que investiram. Mas não é um bom negócio para o artista”, conclui o dj.
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