Os desencontros de Félix Morgado e Tomás Correia
Um é conotado com a Opus Dei, outro com a maçonaria. Félix Morgado e Tomás Correia têm uma relação difícil. E nos últimos meses a desconfiança mútua tem-se agravado.
A exigência foi colocada de forma clara pelo Banco de Portugal: o governador Carlos Costa já disse, preto no branco, que o banco Montepio e o seu acionista — a Associação Mutualista — tinham de estar devidamente separados. A bem dos clientes do Montepio e da estabilidade do sistema financeiro, o universo de um não se pode confundir com o do outro. A julgar pela relação tumultuosa entre os líderes das duas instituições, a vontade do supervisor poderia ser ouro sobre azul — não fosse um precisar, imperiosamente, do outro.
De um lado, José Félix Morgado, presidente da Caixa Económica Montepio Geral. Do outro, António Tomás Correia, presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, a dona do banco. Como é que um banco se gere de costas voltadas para o seu acionista único? Não se gere. Ou, pelo menos, os resultados podem ser desastrosos, como as guerras do universo BCP já o demonstraram.
A relação entre Tomás Correia e Félix Morgado está cada vez mais difícil — a desconfiança é mútua, sabe o ECO. Os dois gestores têm passados muito diferentes mas isso não impediu Tomás Correia, no início, de sugerir o nome de Félix Morgado para o substituir à frente do banco Montepio. “Pensava que o ia controlar”, dizem várias fontes contactadas pelo ECO.
Em 2008, Tomás Correia acumulou a presidência da Associação Mutualista com a do banco. Antes de chegar à liderança do grupo Montepio tinha estado já quatro anos como administrador e na bagagem profissional levava vários anos de banca, na Caixa Geral de Depósitos.
Tomás Correia era um líder ambicioso, conta uma fonte ao ECO. E dá exemplos: lembra que foi a sua administração que imprimiu uma dinâmica nova ao banco, com a compra do Finibanco para ganhar terreno junto de clientes industriais e comerciais. Até ali, a Caixa Económica Montepio Geral tinha sido um banco mais voltado para os particulares e a gestão das suas poupanças — um ADN impresso pelo facto de ser resultado de uma associação mutualista. Mas Tomás Correia queria crescer.
Até agosto de 2015, Tomás Correia conduziu os destinos do acionista e do banco. Mas o impacto da crise económica e negócios que se revelaram negativos tanto para as contas como para a imagem da Caixa Económica despertaram a atenção do supervisor. O Banco de Portugal retirou a idoneidade a membros da equipa de Tomás Correia para exercer atividade em sociedades financeiras do grupo e exigiu a separação da liderança da Associação Mutualista, face à do banco.
Com os resultados no vermelho e dúvidas sobre a qualidade da gestão da equipa de Tomás Correia, a escolha do seu sucessor na Caixa Económica foi consensualizada com o próprio Banco de Portugal. Conforme explicou António Varela — o homem que tinha, à data, o pelouro da supervisão — ao ECO, ao supervisor não cabia escolher ninguém, mas antes validar, ou não, a proposta que lhe chegasse. Varela e Morgado já se conheciam, tinham trabalhado juntos no BCP. Tomás Correia propôs Félix Morgado e o nome foi aceite.
Félix Morgado não tinha grande experiência na atividade bancária propriamente dita — a sua experiência financeira era sobretudo na área dos seguros, tinha sido administrador, entre outras empresas, da Ocidental, Médis, Império Bonança. Félix Morgado mereceu até esse reparo da parte de alguns dos conselheiros da Associação Mutualista. Às dúvidas sobre a experiência profissional alguns mutualistas somavam outras: Félix Morgado é conotado com a Opus Dei, enquanto a liderança de Tomás Correia seria próxima da maçonaria.
O degradar da relação
À medida que Félix Morgado foi sendo incentivado pelo Banco de Portugal a assumir uma gestão profissionalizada do banco e separada da interferência do acionista, a relação com Tomás Correia degradou-se. É que o ex-presidente do banco Montepio fez questão de se manter à frente da Associação Mutualista — numas eleições que estão, aliás, a ser contestadas em tribunal por uma das listas que perdeu (a lista D, encabeçada por António Godinho).
Nas contas de 2015 foram reconhecidas imparidades com vários negócios decididos pela administração Tomás Correia e, por isso, o ex-presidente do banco sente que quanto maior for o sucesso agora de Félix Morgado na gestão da instituição financeira, mais isso coloca em xeque a sua ação à frente do Montepio, garantem diferentes fontes ao ECO.
A relação entre os dois terá ficado particularmente degradada quando Félix Morgado pediu ao Ministério do Trabalho, conforme contou o Público (acesso pago), o estatuto de empresa em reestruturação para alargar as quotas das rescisões. Félix Morgado terá feito o pedido sem informar Tomás Correia, que levou a mal não ter sido consultado para a tomada daquela decisão. Este foi um dos pontos de fricção.
Mas haveria mais. A assembleia geral da Caixa Económica estava a realizar um conjunto de reuniões extraordinárias para a transformação do banco em sociedade anónima. Era habitual estas reuniões realizarem-se sem a presença de Félix Morgado — até porque até há pouco tempo a questão não se colocava, uma vez que o presidente da associação era simultaneamente o do banco. Numa dessas reuniões, que decorreu em novembro de 2016, foi abordada a questão de Tomás Correia não ter sido consultado sobre o tal pedido ao Ministério do Trabalho.
O presidente da Associação defendeu que Félix Morgado deveria estar presente e por isso o líder do banco foi chamado naquele mesmo instante. Acontece que o presidente do banco “mostrou a sua fibra”, conta um participante da reunião ao ECO. Disse que não poderia estar presente naquele momento porque estava reunido com o conselho de supervisão. Tomás Correia propôs então, numa demonstração de força, que não só o conselho de administração, como cada um dos administradores fossem notificados que a assembleia geral tinha determinado que dali em diante deveriam comparecer nas reuniões. Terão sido alguns conselheiros a sugerir que os termos da notificação fossem suavizados.
Há também quem garanta que Félix Morgado já disse “não” a Tomás Correia mais do que uma vez — o que não terá agradado ao presidente da mutualista. Ou quem antecipe tensão se, e quando, o processo de mudança de marca para separar a associação do banco avançar. A confirmar-se que é a instituição financeira que muda de marca, é natural que a administração da Caixa Económica apresente uma proposta, contudo tem sempre de ser validada pelo acionista.
Apesar disso, as fontes contactadas pelo ECO garantem que os dois gestores se reúnem regularmente, num esforço de manter as relações institucionais abertas. E há até sinais de cortesia. Por exemplo, quando foi feita a apresentação pública da nova imagem dos balcões do Montepio, Félix Morgado terá telefonado pessoalmente a Tomás Correia para o convidar.
(Artigo atualizado às 11h15 com esclarecimentos de António Varela)
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